AVISO:
O texto ontem publicado deveria ter sido precedido dos parágrafos que, entretanto, já foram supridos. Aceitem as minhas desculpas pelo erro. Portanto, para boa compreensão da totalidade do artigo, queiram repetir a leitura do escrito de 19 de Março antes de prosseguirem com o de hoje.
Enterro de Mozart
(conclusão)
Acresce o facto de nenhum dos regulamentos, vigentes ao tempo, impedir a colocação de uma cruz ou lápide. O decreto imperial de 12 de Agosto de 1788 estabelecia que “(…) cada pessoa é autorizada a ter sobre a campa o símbolo adequado à sua religião (…)”. Sem qualquer margem para dúvida, os contemporâneos de Mozart consideraram apropriada a colocação de uma lápide tumular cujo epitáfio [simplesmente assinado “K”, provavelmente Leopold Kozeluch] publicado nos jornais Wiener Zeitung, de 31 de Dezembro de 1791, e Grazer Burgerzeitung, de 3 de Janeiro de 1792, assim rezava:
MOZARDI
TUMULO INSCRIBENDUM.
Qui jacet hic,
Chordis Infans Miracula Mundi
Auxit;
et Orpheum Vir superavit.
Abi !
Et animae ejus bene precare!
[A MOZART
UMA INSCRIÇÂO PARA O TÚMULO
Que aqui descansa,
enquanto criança
Aumentou as maravilhas do mundo
Com as cordas da sua lira;
Como homem, suplantou Orfeu.
E rezai com fervor à sua alma!]
O funeral de terceira classe nada tinha a ver com um Armenbegrabniss, isto é, um enterro de pobre. Na realidade, correspondia à categoria de ritual habitual na classe média, que o próprio Barão Gottfried van Swieten, grande amigo e Irmão maçon do próprio Mozart, completamente integrado na etiqueta da Corte, considerou adequado à condição do compositor. Não foram, portanto, razões de dinheiro que dominaram os arranjos para este funeral mas preconceitos ainda muito enraizados contra os que levavam vida de artista. Até na morte, Mozart era despachado pelos lacaios imperiais a quem julgava ter escapado ao deixar Salzburg dez anos antes.
Ainda que, neste domínio, haja mesmo muito mais informação a disponibilizar, terminaria com uma referência às duas grandes homenagens, na semana seguinte ao enterro, em especial as exéquias levadas a cabo na igreja de São Miguel, junto ao Hofburg, em Viena, no dia 10 de Dezembro de 1791 – com elevadas despesas de serviço religioso, sem mais encargos porque os músicos não cobraram - e, quatro dias depois, em Praga, com um brilho absolutamente invulgar, contando com grande orquestra, três coros, perante uma audiência de mais de quatro mil pessoas.
Não esqueçam os leitores o que nos trouxe até aqui: apagar a ideia, fabricada durante o período romântico, posteriormente aproveitada e divulgada como verdade adquirida, segundo a qual a Mozart só convém a aura do pobre artista sofredor, sempre infeliz, explorado por tudo e por todos, desgraçado na morte e, até no próprio enterro, um indigente que teria ido parar à vala comum.
Nada mais falso!
Quod erat demonstrandum!
PS:
Terei o maior prazer em desfazer quaisquer dúvidas que subsistam. Não hesitem. Contactem através do espaço para comentários.
Apenas um exemplo, acerca da verdadeira relação que ligava Mozart e Salieri. O compositor italiano venerava Mozart e este retribuía com a admiração resultante da grande reputação que o italiano gozava em Viena já que foi professor dos mais destacados e promissores vultos musicais, como de Beethoven (que ainda foi contemporâneo de Mozart em Viena, para quem tocou em 1787 e, provavelmente, de quem também terá recebido lições), Shubert e Liszt.
Rivalizavam, é verdade, não devido a qualquer mesquinha inveja mas, isso sim, lutando pela imposição dos paradigmas musicais de que eram o máximo expoente. Salieri não precisava de muito lutar a favor dos padrões italianos, então em voga por toda a Europa. Todavia, Mozart tudo fazia para impor os cânones germânicos e a língua alemã, apesar de cultivar e de continuar a cultivar os figurinos italianos até à morte, e de que maneira absolutamente genial!...
Há vários aspectos a ter em consideração, como a noção de naturalidade germânica, para um Mozart cuja pátria austríaca é algo que, para nós, nos séculos vinte e vinte e um, nada tem de equívoco, mas que não coincide com o que se considerava no século dezoito. Por outro lado, em referência ao caso da pseudo disputa Mozart-Salieri, em que medida é que, por exemplo, não foi perfeitamente pré-determinada, a atitude do Imperador José II, o grande Habsburg, Senhor do Império Austro-Húngaro, ao propor a ambos o desafio da composição das duas óperas em que assumiram os padrões que acima aludi?
Há, efectivamente, provas da tal mútua admiração. Ao lutar por repor a verdade em relação a Mozart, um e outro saem beneficiados para a realidade histórica. É um serviço que se presta à verdade, em detrimento das erradas noções propaladas pelo filme Amadeus, cujo realizador é um grande cineasta que, no entanto, nada tinha de obedecer à verdade histórica, já que o seu argumento partiu de uma peça teatral que também não respeitava nem tinha de respeitar a verdade histórica.
Querem saber mais? Naquilo que eu puder dar uma ajuda, já sabem o que fazer.
1 comentário:
Caro Dr. Cachado,
Primeiramente os parabens pelo grande artigo. Segundo percebi no Jornal de Sintra haveria fotografias que aqui não estão, especialmente a que o senhor menciona logo no princípio. É o único momento em que não se percebe o que se passa. Creio que deve ser a gravura da carreta com o cão atrás. Mas se o senhor não a colocar no blogue confirmarei pelo jornal.
Gostava de saber que qualidade tinha o Salieri como compositor. Que músicas é que há dele? É um grande compositor?
Muito obrigado antecipadamente pelas informações que possa dar-me a mim e certamente a outras pessoas. Cumprimentos,
Rosa de Lourdes (Rebelva)
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