Vinte e quatro de Abril…
Na sequência da denúncia que nos tem ocupado, relativamente ao intempestivo encerramento do terreiro de Seteais e, meus caros amigos, após várias tentativas no sentido de que, em nossa representação, para reposição da legalidade, actuassem os eleitos locais, só nos resta lamentar o modo como o poder autárquico se alheia desta causa.
De facto, no actual executivo municipal, não temos ninguém à altura da atitude que importaria assumir: o murro na mesa, evidenciando a indignação que sentimos perante a usurpação de um direito consuetudinário, conquistado ao longo de duzentos anos de manifestação inequívoca quanto ao usufruto daquele espaço.
Passam hoje quatro semanas sobre a data em que o Vereador Luís Patrício, anunciou que tinha avocado o assunto pessoalmente, e que estaria desenvolvendo negociações tendentes à resolução da questão a contento dos interesses da comunidade. Quatro semanas não é tempo bastante para pôr cobro ao desacato?
Por outro lado, coloca-se o problema da caricata necessidade de negociar. Mas negociar o quê? Pois se é uma questão de, tão somente, fazer cumprir uma obrigação decorrente do contrato de concessão que abrange o palácio mas não o espaço exterior… Que é feito da autoridade democrática? Que medo é este de exercer a autoridade que o povo lhes conferiu para sua representação em casos que tais?
Há, efectivamente, a necessidade de garantir a segurança de todos quantos pretendem visitar o local. Mas, em definitivo, a concretização das obras em curso não é, de modo algum, incompatível com o desejo de manter a possibilidade das visitas a um dos mais emblemáticos lugares de Portugal. O que adivinhamos e tememos é que, sob o pretexto da segurança, o espaço fique encerrado tanto tempo que, depois, o seu encerramento é um facto consumado…
Em tempo de obras, para o efeito de providenciar a total ausência de risco, não é necessário recorrer a quaisquer medidas sofisticadas. Haja bom senso! Fundamentalmente, está em causa o acesso ao belveder e, naturalmente, proporcionar a leitura da serra, com a Pena no cume, insinuando-se naquela dramática abertura, ao olhar de cada um, à medida que, deixando o miradouro, desce a rampa, e se aproxima do arco de triunfo…
Aí vai. Gozem com este excerto de belíssima descrição!. Perante tão grande desgosto, tenhamos, pelo menos, o consolo da Arte, que urge não permitir passe a letra morta:
“(…) No vão do arco, como dentro de uma pesada moldura de pedra, brilhava à luz rica da tarde, um quadro maravilhoso, de uma composição quase fantástica, como a ilustração de uma bela lenda de cavalaria e de amor. Era no primeiro plano o terreiro, deserto e verdejando, todo salpicado de botões amarelos; ao fundo, o renque cerrado de antigas árvores, com hera nos troncos, fazendo ao longo da grade uma muralha de folhagem reluzente; e emergindo abruptamente dessa copada linha de bosque assoalhado, subia no pleno resplendor do dia, destacando vigorosamente num relevo nítido sobre o fundo do céu azul claro, o cume airoso da serra, toda cor de violeta escura, coroada pelo Palácio da Pena, romântico e solitário no alto, com o seu parque sombrio aos pés, a torre esbelta perdida no ar, e as cúpulas brilhando ao Sol como se fossem feitas de ouro (…)”
É uma cena assombrosa para a qual Eça nos chamou a atenção em Os Maias. Faz parte do património artístico e cultural desta terra que, unilateral, abusiva e ordinariamente o concessionário do hotel está impedindo que fruamos. Parece impossível, após noventa dias de ignomínia, que as autoridades continuem ainda agachadas diante do abusador.
Olhem, sabem que mais? Parece coisa do 24 de Abril! Todavia, estamos ainda perfeitamente a tempo de demonstrar que assim não é.
3 comentários:
Meu caro João Cachado,
Longe de mim a pretensão de lhe dar algum consolo com as minhas palavras solidárias. Antes dizer-lhe que estou ao seu lado, expressando quanta desilusão se vai acumulando em quem acreditou que seria possível recuperar e reeditar Sintra e sua história. Foram efémeras essas esperanças, postas em causa por curvilíneas posturas e, sabe-se lá, por interesses que nem sempre são bem compreendidos.
Amanhã terá a prova das inconsistências: as comemorações do 25 de Abril serão bem mais curtas do que a noite do 24.
Não há portões que não se abram.
Um abraço,
E aqui está, as comemorações do 25 de Abril, nos Paços do Concelho, realizaram-se em 5 minutos, 14 segundos e 66 centésimas do segundo. No segundo concelho do País, nem Sessão Solene foi precisa. Serão precisas mais palavras?
Fernando Castelo,
Caro amigo,
Acredite que as suas solidárias palavras constituem mesmo um verdadeiro consolo.
No meio de tanta desilusão, tenho uma certa esperança de que talvez seja possível fazer trabalho limpo e decente com os jovens estudantes das escolas de Sintra.
Noutro dia, quando fui trabalhar com uma turma de adolescentes da D. Fernando II, tive a perfeita confirmação da pertinência dessa esperança que pode transformar-se num objectivo.
Entre os doze/treze e os dezasseis anos há muita coisa que pode ser ganha com estes miúdos cujos professores, na maior parte dos casos, não podem, não sabem despertá-los, como merecem, para a leitura dos espaços e, em especial, para a defesa dos valores patrimoniais que são a sua e a minha preocupação.
Temos de falar nisto muito a sério, combinar um plano de acção praticável, nada de lobos grandes, oferecendo a nossa disponibilidade às três escolas da sede do concelho, de tal modo que possam contar connosco durante umas poucas horas de actividades que poderão inscrever nos seus planos de trabalho, se soubermos apresentar a coisa a tempo ehoras.
Eu estou farto de andar para aqui a esbracejar, sem resultados palpáveis, apesar do evidente desgaste. Parece-me, pelo menos no que me diz respeito, que vou mudar a agulha. Gostaria de falar consigo acerca desta hipótese de atitude a concretizar já no próximo ano lectivo.
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Então, a cerimónia comemorativa do Vinte e Cinco de Abil foi a despachar. Tenho a certeza de que, tratasse-se de uma qualquer efeméride futebolística, outra seria a disponibilidade das «autoridades».
Não, meu querido amigo, na realidade, não é preciso pôr mais nada no cartel. Para uma tal palhaçada, melhor fora ser consequente e nada fazer. Ainda o PR se admira - e melhor fora que metesse bem a mão na consciência... - quanto à ignorância dos jovens em relação à vida política. Mas que exemplo se passa aos jovens, que informação se lhesd dá, que dignidade se consigna aos actos simbólicos?
Mas, Fernando Castelo, só nós nos preocupamos? O meu amigo ouve ou vê alguém efectivamente decidido a mudar o que é preciso?
Um abraço grande e solidário do
João Cachado
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