[sempre de acordo com a antiga ortografia]

sexta-feira, 16 de maio de 2008


As florinhas da Volta do Duche

Fernando Castelo, conhecido militante da defesa do património de Sintra, assíduo colaborador do Jornal de Sintra e do sintradoavesso, subscreveu um delicioso comentário ao post de ontem Lixo do Centro histórico (III). Como pretendo que não passe desapercebido e seja lido com o destaque merecido, passarei imediatamente à sua transcrição:


Meu caro João Cachado,

Vejo-me obrigado a dizer-lhe "Alto Lá!!!".

Permite-se dizer "(...) os que nos afirmamos na luta pela defesa do património de Sintra(...)". Que despautério, meu caro, já alguma vez mereceu que qualquer alta figura cá do burgo atravessasse a rua apenas - e só - para o cumprimentar com toda a respeitabilidade? Ná, algo fervilha na sua mente que o leva a enquadrar-se no núcleo quase secreto dos defensores do património.

Na verdade o telhado que refere até já tem apresentado umas florinhas, pequenas é certo, mas a dar mais cor ambiental. Cortá-las ainda vai merecer algum reparo e depois, meu amigo, fuja para a caixa postal que fugir, vai ser apanhado, o que é fácil. Além do mais, na eminência de uma qualquer derrocada, algumas pessoas que lá fiquem soterradas virão a beneficiar de um discurso adequado, louvando o facto de ter trazido Sintra para os ouvidos do Mundo.

O marketing também estuda estas nuances, com objectivos de imagem. É fácil deduzir-se que está proibido de entrar nos Jardins de Seteais, ficando ao portão a ver aqueles carritos todos que os donos, potenciais masoquistas, lá conseguem estacionar perante o perigo invocado e que nos corta o acesso pedonal.

Depois é o lixo, ali mesmo junto dos olhos, do nariz e do queixo do Senhor Vereador do Turismo (tem gabinete mesmo para esse lado!!!), mas essa falta de consideração por ele é ilusória, pois o mesmo é oferecido a quantos turistas aguardam pela chegada de um autocarro que os leve até à Pena. Desconfio, até, que alguns deles inventam não ter lugar - nem de pé - no veiculo, só para aspirarem mais uns bons minutos aquela ar património da humanidade.

Só lhe lembro mais uma coisa, para completar a minha opinião (tinha algumas mais, mas...) sobre os seus exageros na defesa do património. Alguma vez se metia na cabeça de alguém a criação de parques periféricos, para evitar filas intermináveis de carros no centro da Vila, que se fala em ser histórico? Só o meu amigo. A poluição que daí resulta, os milhares de veículos que assim nem chegam a parar em Sintra, apenas o pára/arranca, gratificante e por certo aplaudido por gente local que assim não terão incómodos passeantes.

Não leve a mal este meu reparo, mas é altura de agradecer o facto de ter uma garagem quase em derrocada, bombas de gasolina aos pedaços, carros sobre tudo o que é sítio quando há espectáculos no Olga Cadaval, falta de sinalização que nos dá o gosto de vermos camiões TIR articulados até ao Palácio Nacional e depois não se saber como vão voltar para trás.

Admito que agora ficou convencido de qualquer coisa, mas - desculpar-me-á - eu também tive culpa. Mas estou consigo. Um abraço,
15-05-2008 14:38


É, na realidade, uma peça inteligente, suculenta de ironia, de bom humor, em que Fernando Castelo faz rápida mas incisiva caricatura da situação de desgaste a que chegou a causa da defesa do património em Sintra. Naturalmente, o entendimento total deste texto só é possível àqueles que souberem ler nas linhas e nas entrelinhas. Todavia, como não é um criptograma, não é difícil. Por isso, posso confirmar que, para além de inteligente, é perfeitamente inteligível...

2 comentários:

Anónimo disse...

Meus amigos todos,

Sinto-me no dever moral de dar três notícias (2+1) de inequívoco interesse:

Em frente à Fonte Mourisca, na Volta do Duche, foram colocados três bancos que muito ajudam quem precise de descansar sem ser no frio murete;

Na frontaria da Fonte foram colocados azulejos naquele bocado que estava remendado;

Pelas 9 e meia de hoje eram 10 as auto-caravanas que estavam estacionadas no parque de estacionamento. Junto a uma delas tomava-se o pequeno almoço, deduzindo-se que a pernoita foi no local.

As sucessivas chamadas de atenção, feitas aos responsáveis, não tem merecido o devido respeito, nem a Polícia Municipal se deve ter apercebido. A menos que aquele local se tenha transformado num centro selvagem de caravanismo, verdadeiramente impar em pleno Centro Histórico, como não se vê em parte alguma. Ali mesmo nas barbinhas...

E que diria a UNESCO se tivesse umas fotos dessa nova realidade sintrense?
Talvez não seja mau escrevermos à UNESCO e enviarmos fotos.

Sintra do avesso disse...

Eu também vi. Eram grandes e mais pequenas as dez autocaravanas. Passei um pouco mais tarde e, para além do pequeno almoço, também andavam uns turistas a exercitar os cães, outros a tratar dos lixos.

Se pensarmos que, em cada um destes veículos, viajam três ou quatro pessoas, não é difícil perceber a escala do problema, as suas implicações higio-sanitárias e de segurança, pelo menos.

Como sabem, já escrevi vários artigos aqui e no JS acerca deste assunto. Uma vez até com fotos bem ilustrativas, com um grupo em comesainas, outro com toalhas estendidas...

É fantástico que, tendo falado com «responsáveis» me responderam que, como não há alternativa em Sintra... Com mentalidades que tais, o que se pode fazer? Já bati à porta do Turismo, do Ambiente, da autoridade policial e nada!

Turismo ou caravanismo selvagem em pleno centro histórico? É isso mesmo! Foi exactamente nesses termos que me pronunciei. Mas selvagens tanto são os turistas como os responsáveis que, afirmando não haver alternativa, optam pela famigerada tolerância.

Com o primarismo que para aí vai, ainda não perceberam que tal tolerância é a arma mais destrutiva da democracia porque autoriza que se pise o direito da comunidade em geral...

E com os antolhos com que estão armados, não percebem que perdem a imprescindível perspectiva de intervenção integrada e articulada que a resolução de casos semelhantes suscita. Vamos esperar que os pelouros do Turismo, do Ambiente, das Obras Municipais, da Cultura, pelo menos, se entendam para resolver este caso? Não se está mesmo a ver tais serviços articulando os seus meios, interagindo e resolvendo a contento, em tempo oportuno, um problema que já deveria estar resolvido há décadas?

E quanto a enviar fotos à UNESCO, eu estou nessa. Mas a coisa tem de ser muito bem feita, secreta e discretamente pois, caso contrário, como tem acontecido com os peritos que aí têm vindo, os «serviços» dão-lhes a volta, está a perceber?

Valha-nos São Judas Tadeu que é o advogado dos impossíveis!