A César…
[As palavras de D. Manuel Martins, no contexto da entrevista publicada no dia 17 de Maio pelo suplemento Única do semanário Expresso, suscitaram a escrita das memórias e o testemunho pessoal que hoje termino.]
Portanto…
Nos últimos trinta anos tem sido difícil, muito difícil, a minha integração na Igreja que D. Manuel Martins denuncia e acusa de ter deixado de ser evangelizadora. Depois de uma vivência cristã muito empenhada na paróquia de origem, no Liceu e na Faculdade – sempre na vanguarda progressista duma Igreja que tive a grande sorte de conhecer e sentir palpitar pelas grandes causas, a mesma que o bispo resignatário de Setúbal continua a pretender – é doloroso perceber como se tem resvalado e caído neste marasmo farisaico de onzeneiros transformados em figuras de referência.
Muito a propósito, não deixem de entender como esta é a mesma Igreja portuguesa, cujos bispos o actual Papa recebeu recentemente em Roma, chamando-lhes a atenção para a fundamental necessidade de actualização de estratégias e métodos capazes de darem resposta à evangelização nos nossos dias, respondendo às questões do nosso tempo.
Na realidade, Bento XVI, injusta e ignorantemente acusado de reaccionário, pôs o dedo na mesma ferida. Por outras palavras, mais formais e institucionais, o Papa fala a mesma linguagem que D. Manuel Martins… Não, o actual Papa não é uma estrela da comunicação. A sua agenda não é a da comunicação social, na maior parte dos casos, mal preparada e sempre na peugada do que é efémero.
Na sua reserva de estudioso, de teólogo, este é o mesmo homem de sempre, que antes de se tornar cardeal, já fora discreto colaborador de SS João XXIII, e, portanto, não esqueçam, o grande mentor do tão progressista Concílio Ecuménico Vaticano II. Estou em crer que ainda vai surpreender o mundo pelas melhores razões, ele que não vai ter um longo pontificado.
Termino, justificando o título destas linhas. Uma coisa que o lúcido cristão mais facilmente entende que, por outro lado, suscita maior dificuldade de concretização, é a destrinça daquilo que, no viver quotidiano, se deve a César e a Deus. Contudo, ao contrário do que tantos fazem e julgam mais correcto, há zonas de actuação em que é preciso trabalhar para César e para Deus, em simultâneo.
Entenderá sempre mal quem não o perceber, que é para ambos os mundos, de Deus e de César, que são convocados os cristãos católicos, através das palavras finais da entrevista de D. Manuel Martins, que me permito repetir: “(…) Toda esta descoberta da dignidade funda-se na democracia, que passa pela vivência e pelo testemunho de uma descoberta de valores. E estamos muito longe de qualquer coisa a que se possa chamar de democracia”.
Se assim não for, essa coisa que designamos como democracia, continuará a evidenciar mais perversidade do que virtude.
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