[sempre de acordo com a antiga ortografia]

segunda-feira, 12 de maio de 2008

Seteais: incentivo à acção

Como estão lembrados, na passada sexta-feira, dia 9, dei a palavra a Emília Reis que, na sua qualidade de repórter da memória, nos trouxe o testemunho de José Alfredo acerca da luta, de mais de duzentos anos do povo de Sintra, pela manutenção do acesso público ao jardim de Seteais.

Na sequência daquela atitude, quero hoje trazer-vos uma autêntica pérola, com mais de um século. Para melhor poderem saboreá-la, conserva-se a grafia original. A transcrição inclui algumas palavras de introdução e de conclusão de José Ribeiro e Cunha, neto do seu autor, que devem fazer envergonhar os mais timoratos… De minha lavra, apenas os destaques.

Ora apreciem:

Só há um modo de marcar o sentir da população. Ir até lá e exigir que se visite o jardim e se vá ao penedo! Meu avô paterno escreveu em 1898 uma peça que integra o seu livro Crónicas Saloias, editado em 1917, acerca de "O dia de ámanhã":

"(...) se da parte de todas as estações oficiais não ha boa vontade; se do governo ao minicipio, e dêste à paróquia, nada se faz por falta de iniciativa; ergamo-nos todos os que aqui temos interesses, se não movidos pelo amôr a este torrão, berço de muitos, pelo amôr egoísta, - que nêste caso é virtude,- à algibeira de todos, e imponhamos a nossa vontade, que ha de prevalecer ainda que custe; e, se nos falta a iniciativa, porque não temos cerebros que pensem, tenhamos ao menos olhos para vêr, e tino para imitar o que em outras terras de inferiores recursos, dia a dia se vai fazendo pelo seu presente, e, o que é mais, pelo seu futuro. Se não podemos inventar, imitemos ao menos. Já que não o pensar de homens, tenhamos a esperteza do macaco. É preferível a sermos burros! Abril de 1898.(…)”


Penso ser este trecho actual pois refere-se à preocupação de Sintra como era, como é e como será... Já então havia pessoas a pretenderem retirar proveitos de Sintra impedindo o desfrute do belo que atrai o visitante ainda hoje! é que se não forem os de Sintra a pugnar pela terra...

Seteais nos seus Jardins e no Penedo são património de Sintra, dos seus habitantes e dos seus visitantes!Obrigado por me ter alertado para esta tentativa de "golpada".

J.Cunha
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Quem agradece somos nós que, deste modo, beneficiamos de tão belo encorajamento à tomada de uma atitude que honre a voz de tantos antepassados que, na outra dimensão, já devem desesperar por tanta hesitação da nossa parte... Felizmente, não só a este blogue, mas também a outros destinatários preocupados com o que está a passar-se em Seteais, estão a chegar testemunhos congéneres, de gente inconformada, desejosa de intervir com a correcção cívica que se impõe.

Esta é uma causa nobre que, como já se verificou, ninguém ousa apoucar porque tem uma inequívoca carga simbólica. Felizmente, ainda há por aí muita gente com a dignidade de José Ribeiro e Cunha, que não se acobarda. Há muita gente, como ele e como nós, todos os que não temos compromissos, que não devemos quaisquer favores a qualquer camarilha, cidadãos livres, capazes e desejosos de dar o exemplo indispensável às crianças e jovens de Sintra.

Apenas mais uma nota final, extremamente saborosa. Não deixa de ser interessante e muito curioso, o flagrante modo como o tiro saíu pela culatra ao concessionário do Palácio de Seteais, precisamente o mesmo que convidou Bob Geldof a discursar numa conferência do Expresso/BES.

Geldof partiu a louça toda, chamou corruptos e criminosos aos governantes de Angola, país onde o Banco Espírito Santo tem os interesses que, mais ou menos, todos conhecemos. Ora bem, o convidante que não precisava de se justificar, perante os terceiros directamente ofendidos pelo convidado, apressou-se a comunicar que não tinha nada a ver com o facto de o outro ter dito que o rei vai nu...

Enfim, a hipocrisia do costume. Ou seja, perante os poderosos, acusados de criminosos e corruptos, o BES não hesitou em alinhar com eles, demarcando-se do ofensor. Todavia, em Seteais, o mesmo BES, que só foi convidado para concessionário do Palácio, não hesita vestir a pele do ofensor, agredindo toda uma comunidade que, aparentemente, está desguarnecida. Aparentemente.

Em Seteais, que ninguém duvide, mais tarde ou mais cedo do que espera o BES, também o tiro lhe sairá pela culatra...

1 comentário:

Anónimo disse...

Amigos:

O que faz falta é alguém que não tenha medo e como o Geldof se atire ao Espírito Santo como ele se atirou aos criminosos de Angola.

Quando é que vamos para a porta de Seteais dizer o que faz falta? Contem comigo. Vou lá estar.

Virgílio Parente