Quarenta e três
(cont.)
Um Senhor…
Ninguém porá em dívida que, em Portugal, a Fundação Gulbenkian é a entidade que melhor promove e sabe promover uma coerente e consequente programação de eventos musicais. Verdadeira Ilha de Cultura no todo nacional, a Gulbenkian apenas encontra parceiros da sua envergadura em mais algumas grandes instituições mundiais que podem dar-se ao luxo de apresentar propostas musicais só do mais alto nível.
Tal se deve, não só a um incomparável poder financeiro mas também à altíssima competência do seu Director Musical, Dr. Luís Pereira Leal que, ao longo de décadas, tem demonstrado como, igualmente a nível mundial, é uma das pessoas que mais sabe do meio em que se move.
O Dr. Luís Pereira Leal é um director de tal modo proeminente que, prestes a retirar-se para a aposentação, obriga a Gulbenkian a abrir concurso internacional cujo resultado possa assegurar a substituição por alguém que não ponha em causa a sua excepcional competência de colaborador com méritos tão reconhecidos.
Dou-me ao cuidado de isto mesmo escrever porquanto, em Sintra, mesmo habitué do Festival de Sintra, muito raro será quem sabe quanto vale este discretíssimo senhor dos meios culturais portugueses, um dos mais conhecidos directores mundiais de uma grande casa de música, ele que faz parte de uma rede de pares que se pautam por altíssimos padrões em cada um dos parâmetros de avaliação artística.
Pois é, toda a gente sabe que o Dr. Luís Pereira Leal é o Director Artístico da vertente musical do Festival de Sintra. Mas é preciso pôr os pontos nos ii e eu faço-o com o maior prazer. Ora bem, se me dão licença, uma vez terminada a merecidíssima referência, volto agora à citação com que vos deixei no parágrafo final do texto aqui publicado na passada sexta-feira. E repito:
“(…) cada concerto constitui uma proposta que vale por si mesma e uma experiência estética autónoma (…) uma estratégia de coerência que passa por construir associações temáticas entre concertos isolados, convidando o público a percursos de descoberta que encadeiam vários programas em ciclos que lhes dão sentido (…)”.
Programação do quarenta e três
Aquelas são palavras que devem nortear, sem margem para qualquer dúvida, qualquer iniciativa cultural, mais ou menos compósita, tanto se aplicando à temporada da Gulbenkian como aos Festivais de Óbidos, de Mafra, de Sintra, de Luzern ou de Salzburg. Hoje em dia, são princípios de inequívoca aceitação. E tanto assim é que a sua obediência e observância evita a promoção de eventos sem interna lógica e coerência programática.
Na primeira parte do artigo, em 30 de Maio, sublinhei quanto me parece de considerar uma quase façanha o facto de, nesta quadragésima terceira edição do Festival de Sintra, se ter conseguido não fazer concessões à qualidade, apesar do momento tão grave das restrições orçamentais que nos afectam, a nível local e nacional, em todos os domínios.
Tendo sido possível fazer a quadratura do círculo, não baixando a qualidade, seria de esperar que, de modo idêntico, a proposta geral do Festival de Sintra obedecesse a critérios de lógica e coerência inscritos nas preocupações evidentes da citação que vos propus. Tal não significa que esta edição seja um patchwork... Todavia, enquanto oferta compósita de três vertentes - musical, dança e contrapontos - não é perceptível a coerência das associações temáticas.
Esse desejável objectivo me parece não ter sido alcançado – repito, em termos da proposta global – apesar das evidentes conotações presentes à vertente musical, subordinada ao «título» Piano em Russo, que interpreto como afins de uma escola pianística que perdura no tempo, interpretação esta que também acolhe o facto de todos os pianistas nela se inserirem.
E, para que não restem dúvidas quanto ao sentido a atribuir àquelas aspas, desde já esclareço que se referem à minha hesitação quanto ao entendimento de que tal título abranja um homónimo «tema». Se o tema é aquele, deverei conjugá-lo com a ideia da pianística do Romantismo, ideia que ainda não terá sido abandonada pelo Festival de Sintra? Então, e se assim for, como entender, por exemplo, nos recitais de Lugansky, Igoshina e Sokolov, a presença de peças não incluídas naquele período, mesmo aceitando um romantismo lato sensu?
(Continua)
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