[sempre de acordo com a antiga ortografia]

quinta-feira, 19 de junho de 2008


Seteais,
estratégias de comunicação

Se, na sequência da intempestiva decisão de encerramento do terreiro de Seteais, necessário fosse prova bastante do manifesto desconforto do Grupo Espírito Santo, encontrá-la-íamos nos sucessivos cartazes que, junto aos portões, tem vindo a colocar desde os primeiros dias da ofensa, evidenciando o modo como a questão foi objecto de alteração da sua estratégia de comunicação pública.

Numa primeira fase, talvez não prevendo que o encerramento daquele espaço fosse susceptível de desencadear a reacção que tive a honra de iniciar logo na primeira semana de Março, o hoteleiro concessionário pendurou dois avisos, cuja secura não podia ser mais patente, através dos quais apenas informava não ser permitido o acesso de pessoas estranhas à obra.

Seguidamente, apareceu um painel informativo das entidades envolvidas no processo de reabilitação em curso, cuja natureza e características são as habituais em circunstâncias idênticas. Ainda hoje, sensivelmente no mesmo local, permanece a uma tal distância do gradeamento que a compreensão da mensagem é impossível a olho nu. Portanto, como calculam, tive de recorrer ao binóculo…

Tomar nota

Apenas nos deteremos na leitura, já que a interpretação deste dispositivo, embora apetecível, poderia tornar-se fastidiosa e exigiria um espaço inusitado. E, na verdade, não estamos numa aula de semiótica... Passemos ao mínimo dos mínimos. Ocupando a faixa superior, à esquerda, sobre fundo negro e com caracteres brancos, portanto, com solenidade q.b., aparece o cartão de identidade da unidade hoteleira objecto da intervenção em curso (cada /significa mudança de linha):


Tivoli/Collection/Palácio de Seteais/Sintra/Heritage Hotel/cinco estrelas da ordem. À direita, o reforço do retrato local, directo e a cores. Sintomáticas, as designações em língua inglesa, primeiramente, collection e, três linhas abaixo, heritage. Estão a perceber como não se desperdiça a oportunidade de dar a entender aos anglófonos o privilégio de possuir (nós ou o concessionário?) tal património?...

A meio do painel, sobre verde fundo, articulando com o cromatismo do relvado, a identificação do dono da obra, Tivoli/Hotels & Resorts. Nessa mesma média faixa, à esquerda, a identificação da entidade a quem compete a Coordenação/e Fiscalização, ou seja, a Series/ES/Serviços Imobiliários Espírito Santo, S.A. Do lado oposto, portanto, à direita, ficamos a conhecer o logotipo do Empreiteiro Geral/HCI Construções e, também de acordo com a lei vigente, a indicação HCI – Construções, S.A./Alvará de Construção nº 1401.

Na faixa inferior, também dividida em três zonas, identifica-se a Coordenação de Segurança e Ambiente/Tabique/Wellive ao nosso lado esquerdo; na central, os Projectistas PV, Arquitectura, Lda., Procaf/CPF Engenharia, Carlos Lisboa, Lda.,Consultoria de Engenharia; finalmente, no canto inferior direito, a indicação do Acompanhamento Técnico/Igespar, Instituto de Gestão do Património Arquitectónico e Arqueológico, a primeira entidade oficial mencionada.

Significado e significante

Como inequivocamente fica documentado, em parte alguma do painel se deduz a real condição do dono da obra que, na realidade, não passa de um mero concessionário. Não é dono das instalações, não é dono daquele património imobiliário nem, tampouco, da zona de jardins que o envolvem em tão singular enquadramento paisagístico. E haveria algum inconveniente em que tal condição fosse anunciada? Assim como não ficaria mal ao Grupo Espírito Santo a demonstração do privilégio de tal concessão, não acham que também o Estado deveria ter o cuidado de pôr os pontos nos ii?

O que aquele painel comunica à saciedade, é a exuberância de um poderoso grupo económico que, de armas e bagagens, está instalado em Seteais, procedendo a uma grande intervenção que, em termos técnicos, podia ser mas não é supervisionada, podia ser mas não é coordenada, podia ser mas não é fiscalizada por um pobre mas digno Instituto público que, afinal e para todos os efeitos, está reduzido à atitude (ou à actividade?) de um tolerado acompanhamento.

Continuemos. Umas semanas depois, apareceu um outro painel. Corresponde este a uma diferente necessidade de informação, a partir da qual o emissor considerou conveniente abrandar uma postura inicialmente demasiado telegráfica, seca, nada preocupada com a reacção do receptor.


(continua)

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