[sempre de acordo com a antiga ortografia]

terça-feira, 12 de agosto de 2008

Cada terra com seu uso…


Nem sempre estou por aqui neste período de férias. Por isso, só ao fim de alguns dias de permanência contínua, é que me apercebi. Ontem, por exemplo, e hoje, terça-feira, a cena repetiu-se. A partir das três da tarde, num dia absolutamente normal, em que não há qualquer funeral a sair das capelas mortuárias, nem evento no Olga Cadaval, o trânsito fica num pára-arranca, logo desde a Rua Câmara Pestana até à Regaleira.

Nem mais. Correnteza, Alfredo da Costa, Volta do Duche, Consiglieri Pedroso, pouco a pouco, os carros lá vão avançando. Como só acontecia aos domingos e feriados. A partir do Laxrence´s, agora, estaciona-se de um e outro lado da via. Há cerca de uma hora, dois automóveis não conseguiam cruzar-se junto à Fonte dos Pisões… Carros em cima dos passeios, por ali fora, como sempre, perante a geral tolerância e complacência.

Mesmo junto à Villa Roma [como eu compreendo o desgosto da minha amiga Luísa Salgado…], acompanhando a curva ascendente, mais viaturas, constante e ilegalmente estacionadas. Um pouco mais à frente, logo a seguir a Seteais, mais «estacionamento» (?!) sobre a berma esquerda, roubando espaço à faixa de rodagem. É o caos instalado. Percebe-se que, tão somente, em desespero de causa, actue a força policial. Não pode fazer melhor, a verdade é essa, porque a autarquia não fez nem faz o que deveria.

Como, nos últimos tempos, tenho ido muito a Cascais, não posso deixar de notar como, cada vez mais, a qualidade de vida se vai distanciando entre as duas sedes de concelho e, naturalmente, com desvantagem para Sintra. Por exemplo, este sintrense caos do trânsito, conjugado com o problema da falta de estacionamento, é coisa que por lá se não sente. E não avanço por outros domínios onde, comparativamente, Cascais sempre fica em melhor posição.

A propósito, conto-vos um episódio esclarecedor. No ano passado, por esta mesma altura estival, alojei uma amiga austríaca, em minha casa, durante três dias. Como eu próprio estivesse de partida para o estrangeiro, a boa da Astrid foi para Cascais, para casa de um amigo comum, até ao fim da semana em que ela permanecia na zona de Lisboa. Assim sendo, teve oportunidade de comparar, em sequência imediata, as duas realidades.

Entretanto, só quando voltámos a encontrar-nos pessoalmente, em Salzburg, me confessou como ficara impressionada com a diferença de qualidade de vida entre Sintra e Cascais. Nós que aqui vivemos, praticamente paredes meias, dificilmente consciencializamos o que um estrangeiro imediatamente avalia. A meia dúzia de quilómetros de distância, dizia-me aquela amiga, parece que estamos em países completamente diferentes, com um desnível económico e cultural flagrante. Também não percebia ela como é que eram tão difíceis os transportes entre Sintra e Cascais.

Foi também pensando nesta realidade e evidentes diferenças que, há uns dias, escrevi aquele texto sobre a complementaridade e rivalidade entre estas duas terras. Está claro que logo fiz uma versão em alemão que remeti à Astrid. Não é que já respondeu? E, muito à vontade, até perguntou se ainda continua a haver sujidades à volta do contentor encostado à igreja (de São Martinho)… Ah, que vergonha!...



PS:

Só voltaremos a este contacto em Setembro.
Como já sabem, através das minhas respostas a anteriores comentários neste blogue, estou de partida para Bayreuth onde permanecerei até ao fim do mês. De novo, a estada nas bávaras e wagnerianas paragens para assistir a mais uma Tetralogia. De dois em dois anos, lá vou, para um inigualável gozo melómano, com a certeza de, pelo menos, ir encontrar tudo tão bem como da última vez. De facto, está sempre melhor. Também há terras assim...

quarta-feira, 6 de agosto de 2008

Rádio clássica,
alternativa temporária

Apesar de, durante algum tempo, ter sido patente a irregular qualidade do programa entre as sete e as dez horas da manhã, o despautério só tomou conta do estúdio da Antena Dois da rádio pública a partir do momento em que o radialista Paulo Alves Guerra se tornou responsável pelo Império dos Sentidos (vd. posts publicados nos dias 27, 30 de Junho e 1 de Julho).

Tal como muitos dos meus conhecidos e amigos, também eu deixei de sintonizar o FM 94.4 durante aquelas horas, exausto de muita conjugação dos verbos desfiar e resgatar, incapaz de acompanhar as sucessivas, exaustivas e cansativas revistas de imprensa, com football, cotações da bolsa e referência a todos os crimes de faca e alguidar do dia anterior, farto da desconchavada e crónica ironia de um tal Malaquias.

No meu caso, o matinal jejum vai sendo compensado com o recurso a estações estrangeiras, em especial à BR de Munique. Consoante os pessoais interesses e o individual domínio das línguas, outros amigos têm procurado as alternativas mais convenientes.

Eis que, entretanto, a boa notícia chegou. Guerra & Malaquias iam de férias! Uma cadeia de solidariedade imediatamente foi posta em marcha para anunciar que, durante quinze dias, o jovem André Cunha Leal ia tomar conta do leme. Conheço o André. É um jovem extremamente bem preparado, com sólida formação musical e não tenho a mínima dúvida em lhe augurar um brilhante futuro, seja qual for o enquadramento em que trabalhe ao serviço da música erudita.

Naturalmente, nestes últimos dias, voltei ao Império dos Sentidos e, felizmente, com o maior agrado e proveito. Tenho escutado um interessante trabalho subordinado à efeméride do ducentésimo aniversário das invasões francesas e, como é imprescindível, sigo a lógica da coerência programática, percebo que preparação esteve a montante daquele microfone e, portanto, estou com a minha gente.

Hoje mesmo, na sequência do que vem acontecendo, fez o André a imprescindível referência à estupenda edição de 2008, que confirma o Festival do Estoril, sem sombra de dúvida, como o melhor dos festivais da zona de Lisboa, apenas emparceirando, mais a Norte, em termos da qualidade programática, estrutura e objectivos, com Póvoa de Varzim. Só um aparte para felicitar Piñeiro Nagy e Rui Vieira Nery pela excelente direcção artística de ambos os festivais.

Julgo perceber – assim como o fazem os meus amigos e conhecidos, ouvintes da Antena Dois – a razão pela qual o André Cunha Leal não é o responsável, como já foi e com o maior sucesso, pelo programa em referência. Só não percebo o que lhe faltará, se o cartãozinho ou um padrinho a preceito…

Todavia, a fazer fé nos princípios e valores que o André Cunha Leal e a família professam [felizmente, ainda há gente assim, não se trata de últimos abencerragens…], bem me parece que Guerra & Malaquias, ainda têm pano para desfiar, muita trivialidade para resgatar, editando inenarráveis crónicas de imbecilidades. Enquanto João Almeida pontificar, o melhor é procurar postos além fronteiras, entre as sete e as dez!...

segunda-feira, 4 de agosto de 2008

Cascais e Sintra,
Complementares ou rivais



(Conclusão)

Os festivais de música

A governabilidade, a gestão de proximidade, a actuação dos decisores em tempo útil são factores determinantes da qualidade de vida que acabam por se traduzir em determinados produtos como, por exemplo, os festivais de música. A verdade é que o Festival do Estoril, com as suas conferências, tertúlias, as tradicionais master classes, os concursos de jovens intérpretes e, inegavelmente, no quadro de uma programação de irrepreensível coerência da responsabilidade de Piñeiro Nagy, apresenta salas cheias ou quase totalmente lotadas.

Num pequeno parêntesis poderia referir outros festivais nacionais. Póvoa de Varzim, excepcional, um sucesso absoluto sob a batuta de Rui Vieira Nery. Ou Óbidos que já é o mais sério caso dos festivais nacionais com componente pianística onde, há anos, se conta com a assídua presença de Vitaly Margulis e Paul Badura-Skoda, na sua qualidade de lendários intérpretes e de grandes pedagogos.

Sintomático, não é?... E, enfim, ainda continuando no parêntesis, importaria referir, para quem não está por dentro da realidade da vida musical, que os verdadeiros melómanos constituem um público, realmente muito restrito, sempre a mesma gente, que vai a todas… Vai à Gulbenkian, a São Carlos, à Culturgest, ao CCB, à Casa da Música, aos festivais nacionais e a alguns internacionais. E ninguém se queixa de falta de público quando a qualidade e a divulgação são inequivocamente capazes.
Há que conquistar novos públicos, é verdade, mas é preciso ter muito cuidado para não misturar alhos com bugalhos.

Há dezenas de anos, autarquias como Cascais e Sintra jogam no fomento de produtos culturais sofisticados como são os festivais de música, umas vezes com mais sucesso do que noutras. É natural que assim seja e que, portanto, se façam as avaliações indispensáveis. Tal como considero que Sintra e Cascais são concelhos complementares e interdependentes, também me parece que, ao nível da oferta específica dos respectivos festivais de música, tudo se ganharia numa estratégia de complementaridade e mesmo de interdependência.

Mas, no particular caso de Sintra, não estou nada, absolutamente nada convencido de que algum responsável tenha a coragem de fazer um tal percurso...

sábado, 2 de agosto de 2008

Cascais e Sintra,
complementares ou rivais?


Cascais-Estoril, aqui tão perto, constitui uma unidade com tal pujança e evidente afirmação que, com o seu perfil de centro cosmopolita de nível internacional, nada se lhe compara em termos da lusa e modesta realidade. Não surpreende a invejável a qualidade de vida da sede do concelho, se bem que tal não signifique a ausência de dificuldades e contradições, aliás, a exemplo do quadro dos problemas sociais em que é pródiga a periferia de Lisboa.

Os sintrenses, especialmente os que também vivem na sede de um concelho outro, habituados a realidade substancialmente inferior, sabem como o bom viver ali se revela em múltiplos aspectos e, portanto, reconhecem o flagrante o marasmo desta nossa terra que, embora tão próxima, parece pertencer a um diferente mundo.

Desde que perdeu o protagonismo de que gozou até ao fim do primeiro quartel do século passado, Sintra não tem outro remédio senão o de viver paredes-meias com este sofisticado vizinho a meia dúzia de quilómetros de distância. A capacidade hoteleira instalada, o comércio diversificado que ombreia com o que de melhor se encontra por esse mundo fora, a animação a todos os níveis incluindo o cultural, tudo concorre para que, de modo inequívoco, se imponha como o caso mais favorável em toda a zona metropolitana de Lisboa.

Paradoxos e soluções

E a verdade é que, em vez de, a seu favor, capitalizar a vantagem de uma tal proximidade, Sintra tem passado os últimos oitenta anos a roer-se de uma patológica inveja e, como se isso alguma vez fosse possível, na desesperada mira de, um belo dia, poder vir a rivalizar…

A primeira, de entre muitas medidasa tomar, seria assumir o fosso intransponível da oferta de alojamento e contar com ela para seu próprio proveito. Muito pelo contrário, coitada de Sintra, mais não faz do que queixar-se, sistemática e amargamente, contando os minutos e segundos de permanência dos seus visitantes para chegar, como não podia deixar de ser, à mais triste das conclusões.

Atitude muito mais realista, positiva e fundamentalmente estratégica, consistiria em unir ambas as sedes de concelho com um transporte público rápido e expedito, do tipo metro de superfície, permitido cómodas deslocações aos visitantes. Chega a ser aberrante como, durante décadas e décadas, não se privilegiou esta solução, permitindo que milhares de turistas alojados em Estoril-Cascais sem grande variabilidade sazonal, pudessem aceder e permanecer em Sintra por períodos muito mais prolongados, indispensáveis a visitas mais profícuas. Numa altura em que tanto se fala em comboio de alta velocidade é um verdadeiro paradoxo nada se ouvir a tal respeito...

Actualmente, espartilhados que estão pelos desígnios das agências de viagem – que aqui não encontram as defesas e espaldas de que carecem para fazerem valer os seus particulares interesses – os visitantes apenas têm o tempo bastante para dar uma espreitadela ao Palácio da Vila, comer e comprar um pacote de queijadas na Periquita…

Por outro lado, sem parques periféricos para o adequado estacionamento de automóveis particulares e de autocarros de turismo, sem a oferta de um sistema integrado de transportes públicos, Sintra também não consegue deixar-se usufruir com a qualidade que, hoje em dia, estão habituados nas latitudes consideradas civilizadas.

Efectivamente, durante décadas, Sintra acumulou um atraso de tal modo evidente que, não sendo intransponível, exige a adopção de medidas estruturantes que, de modo algum, os munícipes têm sabido exigir aos eleitos locais. Assim sendo, os sucessivos executivos autárquicos, incapazes da concretização de tais soluções, deixam-se mergulhar e, autenticamente, tragar pelo oceano de proporções gigantescas que é este ingovernável concelho.

A governabilidade

Qualquer isento observador rapidamente conclui que os políticos locais abandonaram a sede do concelho, nomeadamente o centro histórico e as freguesias que constituem a jóia da coroa – lugares que rendem poucos votos em termos eleitorais – com o para confrangedor e conhecido resultado que constitua a sua mais descarada declaração de incompetência, num pecaminoso comprometimento do futuro.

Para a economia deste escrito, pouco ou nada me interessa analisar se a paragem da betonização do concelho a que, tão desenfreadamente, se entregou o anterior executivo municipal, foi estancada pelo actual, como estratégia opcional ou fruto de circunstâncias exógenas. A verdade é que se parou. E ainda bem que se parou.

Entretanto, decorreu o tempo suficiente para que, com sentido de Estado, se pudesse ter legislado e concretizado a cisão do grande concelho em duas ou três unidades coerentes e governáveis, nos termos da proposta que eu próprio e outros munícipes advogamos, à míngua dos meios indispensáveis para a geral mobilização que pressupõe uma tal solução.

Decorreram mais sete anos. Retardou-se uma solução que, decisivamente, contribuirá para a melhoria da qualidade de vida dos cidadãos que habitam neste vasto e compósito território. É um adiamento nada conveniente. No entanto, só será de considerar irremediável se não dermos passos consistentes na direcção que, como está demonstrado, não pode ser outra.

Cascais, ao contrário de Sintra, constitui uma unidade territorial cuja escala, apesar de enormes dificuldades, permite a governabilidade da coisa pública, de acordo com uma gestão de proximidade, ainda adequada às intervenções dos decisores públicos em tempo útil. Basta circular por Cascais, Estoril, Parede, Carcavelos e outras freguesias do interior do concelho para perceber os anos-luz que distam das incomparáveis sintrenses...

(continua)