[sempre de acordo com a antiga ortografia]
segunda-feira, 20 de outubro de 2008
Seteais,
polémica no Vale dos Anjos
Pois é verdade. Bem pode afirmar-se que, mesmo sem recurso ao eco, o lugar de Seteais continua a queixar-se. Porém, apesar da geral indiferença, seus lamentos acabam por chegar aos ouvidos de quem não desiste de prestar atenção especial aos sinais de desassossego que, infelizmente, por ali são férteis. Vejamos então como estas não são vãs palavras.
Primeiramente, o encerramento do terreiro. Com base em falaciosos argumentos de segurança – que impediriam o acesso à única área reivindicada de visitas enquanto decorrem as obras, ou seja, o relvado central – mas, de qualquer modo, espaldado pela titubeante atitude da autarquia, o hoteleiro concessionário permitiu-se encerrar o terreiro público, numa atitude tão gratuita quanto ofensiva dos interesses da comunidade sintrense que, em tempo oportuno, manifestou o correspondente desagrado.
Como se tal não bastasse, beneficiando de um incompreensível e lamentável parecer favorável do IGESPAR, foi destruído o conhecido e ingénuo tanque implantado num recanto de lazer da propriedade, bem visível da estrada que segue para Monserrate e Colares. Contra o espírito do lugar e descaracterizando-o irremediavelmente, num acto de autêntica profanação, aproveitando os muros do tanque, está a ser construída uma casa de máquinas, encimada pela cosmética paliativa de um pacóvio espelho de água, hipoteticamente reparador da ofensa perpetrada.
Não há duas sem três
Àquele que era um espaço propício ao convívio dos mortais com deuses e anjos, faltava um terceiro – e derradeiro? – disparate para que se transformasse no lugar geométrico da, já proverbial, sintrense asneira institucionalizada. Vamos aos factos. Tudo se passa na Quinta do Vale dos Anjos, do outro lado da estrada, onde de tal monta são os trabalhos de movimentação de terras em curso que não poderiam deixar de suscitar a natural curiosidade de quem, como é o meu caso, ali passa diariamente a pé.
Há cerca de dois meses, quando houve necessidade de derrubar o muro que bordeja a quinta, para permitir o acesso de máquinas e viaturas, revelou-se o reboliço. Em pouco tempo, atingiu escala perfeitamente inusitada o monte de terra subtraída a uma zona de difícil avistamento da estrada, monte que, entretanto, agora bem perceptível, se vinha acumulando em quantidade e volume desmesurados, precisamente junto à mencionada entrada.
Fez-se esperar mas acabou por aparecer o aviso relativo à obra, embora num local escondido, e a uma tal altura que impede a leitura à vista desarmada. Dificilmente me convencerão de que foi fruto do acaso a colocação do aviso com tamanha dificuldade de acesso à informação nele contida. Enfim, como o mal não era irremediável, muni-me do indispensável binóculo e, finalmente, acabei por aceder ao que passo a partilhar convosco.
Desconchavo
Trata-se da construção de uma habitação cuja área coberta é, nem mais nem menos do que 1.316,51 metros quadrados, distribuídos por dois pisos acima da cota soleira, somando 872,81 metros quadrados, e ainda mais um, abaixo da cota soleira com 443,70 metros quadrados. A cércea anunciada é de 5,20 metros. Como calculam, quando a estes números cheguei, fiquei de boca tão aberta como a vossa…
Como é possível que, em plena zona nuclear do Parque Natural Sintra Cascais (área de protecção parcial tipo 1 do Plano de Ordenamento) aonde é interdita "a edificação e ampliação de construções", na zona inscrita da Paisagem Cultural classificada pela UNESCO, em frente do Palácio de Seteais, imóvel classificado como de interesse público (palácio, construções e terreiro vedado, jardins, terraços e quinta) e propriedade do Estado, tenha sido autorizada e esteja em construção uma habitação com tais características?
Numa primeira tentativa de esclarecimento, contactado o Parque Natural Sintra Cascais, (que integra o Departamento de Gestão da Área Classificada de Litoral de Lisboa e Oeste) obteve-se informação de que, por se tratar de uma reconstrução, o projecto merecera parecer favorável do Parque.
Importa lembrar haver muita gente que bem conhece esta propriedade, vendida há cerca de quinze anos, em segunda hasta pública, já que, na primeira, a oferta de compra fora insuficiente. Muito a propósito, tenha-se em consideração que os raros candidatos à compra e o preço pouco elevado por que foi adquirida, encontravam justificação, precisamente, na inexistência de habitação condigna para uma quinta com uma área total de cerca de treze hectares.
(continua)
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2 comentários:
Meu caro amigo João Cachado,
A este propósito, estou enviando a quantas pessoas conheço a seguinte mensagem:
"À atenção dos Amigos de Sintra e da sua Serra - Área Protegida e Património da Humanidade
Meus amigos, não percam a oportunidade de ver - in loco - como se desenvolve a defesa do património de Sintra e da Humanidade. Arpoveitem e vão até Seteais ver as obras (Alvará de Obras nº. 405/2008) no Vale dos Anjos (ou era dos Anjos?) e, por tudo, para a vossa memória futura e honra dos intervenientes e aprovantes, levem uma máquina fotográfica. Divulguem pelos vossos amigos, porque eles também merecem ver com os próprios olhos. Sintra agradece".
Ao mesmo tempo, também envio algumas fotos, verdadeiramente apelativas a uma visita ao local.
No meio disto tudo, há para aí especialistas em UNESCO que julgam estar a lidar com lorpas, enviesando as palavras e seus sentidos, como é a utilização do termo "reconstrução" numa obra que é totalmente nova e aumentada na volumetria, depois de tudo ter sido deitado abaixo. Nem parte do muro da Rampa da Pena escapou...
Entretanto, pela parte de baixo (já em área de Seteais) há a acumulação de muitas manilhas de visitação de esgotos, o que não deixa de causar estranheza (pelo menos).
No meio disto tudo, em minha opinião um verdadeiro atentado contra o Património, parece que anda por aí um peditório para preservar o...Éden.
Será que já estamos noutro patamar da vida em Sintra, reflexo de um qualquer estudo estratégico a pretexto de uma nova Aliança?
O tempo se encarregará de ajudar ao esclarecimento.
Meu Caro Fernando Castelo,
As minhas desculpas pela resposta tão deselegantemente tardia.
A si não agradeço a maneira tão directa e eficaz como deu sequência ao texto. A sua preocupação, o modo como tem acompanhado e se tem empenhado nesta luta é exemplar a todos os títulos. Bem haja!
Entretanto, é como escreve. Anda por aí a circular um abaixo assinado, vago, outro peditório, como lhe chama o meu amigo, só para marcar presença. Um abaixo assinado é uma arma muito poderosa cujo emprego carece de estratégia clara, inequívoca. Na ausência da estratégia, não passa de caricatura.
Um abraço do
João Cachado
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