[sempre de acordo com a antiga ortografia]
terça-feira, 18 de novembro de 2008
Outonal passeio
Como têm reparado, vai estupendo o Outono em Sintra. É a época por excelência deste incomparável lugar. É a luz deslumbrante de um Sol que, tão docemente, desce sobre as faldas da Serra até à urbe, jamais conseguindo desfazer o sortilégio de sombras perenes e magníficas. São os telúricos odores, tão diferentes em Sintra, na promessa da renovação. É o concerto geral da natureza, em sinfonia que dispensa partitura. Tudo certo e perfeito.
Errada e imperfeita, no entanto, a mão do homem que, há muitos anos, não tem estado à altura do alto privilégio de Sintra. Conjugar o belíssimo Outono, em Sintra, com a infeliz realidade de Sintra, não é exercício fácil mas, inevitavelmente necessário para que não caia o sujeito em depressivo estado de alma...
Como muito prezo os meus amigos e fiéis leitores, pretendo aliviar-vos, ainda que fugazmente, dessa permanente tristeza causada pelas malfeitorias de que Sintra é constante vítima. Por isso, hoje mesmo - e talvez nos próximos dias - proponho que saiam a passear. Não vos convidarei para grande afastamento, descansem os menos habituados a grandes andanças.
Tudo se passa, afinal, no perímetro da Vila velha, numa voltinha em que a beleza não vos larga e espreita, em terra onde tanta e desqualificada gente se tem afadigado no seu aviltamento. Primeiramente, aconselharia o horário da tarde, cerca das quatro, de tal modo que, lá mais para o fim da passeata, aproveitem a tão especial luz crepuscular.
Comecem, então, na Praça da República, junto ao edifício do Turismo, e tomem o caminho da Regaleira. Ah, é verdade, convém não olhar muito atentamente para certos pormenores como, por exemplo, o estado de degradação daquela fonte do outro lado da estrada, à passagem pelos Pizões, porque, caso contrário, ainda soltam uma série de imprecações contra quem, não esqueçam, só deseja o vosso bem...
Chegados àquele esplendoroso monumento arbóreo que é a sobreira dos fetos, junto ao gradeamento da Quinta do Relógio, tomem a vossa direita. Passando o largo e a vizinhança das obras, entrem na Rua Trindade Coelho e prossigam, passando pelas quintas Schindler e do Castanheiro. Estão a internar-se numa parte muito esquecida da Sintra, em que as quintas se sucedem, aliás, como noutros recantos.
Não se contenham. Se vos apetecer e assim vos permitir a necessária agilidade, espreitem sobre os muros, debrucem-se, empoleirem-se, se puderem. Dêem lugar à curiosa criança que continua a andar por aí. Continuem, sempre tendo em consideração as minhas recomendações. Pensem positivo*apesar de se aperceberem do estado em que estão estas propriedades e de tanto quanto há a fazer.
Passados cerca de trezentos metros, vão encontrar uma bifurcação. Desta vez, voltem à direita pelo Caminho dos Castanhaes. Estão a entrar em terra batida e continuam a desfrutar um panorama magnífico, à vossa esquerda, sobre as trazeiras da Vila, baloiçando o olhar entre as vertentes de um minúsculo vale de abundante e colorida vegetação. Agora atravessam a zona onde Eça de Queiroz passou temporadas com a família, numa quinta que, na realidade, até nem era do agrado de sua mulher, D. Emília de Castro (Resende).
Neste momento do trajecto, já trazem a alma lavada. O Outono exerceu em vós o feitiço do costume. Se desconheciam os Castanhaes ou, há muito tempo, deles andavam arredados, perceberam os meus amigos como era acertado o meu conselho. E também o objectivo de vos permitir voltar a sentir uma certa marca sintrense, que os 'responsáveis' ou desconhecem ou, se conhecem, estão positivamente marimbando - desculparão a vulgaridade do verbo - para a sua requalificação.
Mas, c'os diabos, pensem positivo! É que ainda não terminou o passeio, ainda têm de subir uma íngreme e irregular calçada, passar pela Pendoa e por todos aqueles desconchavos desleixados do centro histórico. Portanto, não se deixem acabrunhar pelos pormenores... Olhem, de uma coisa estejam certos, é que o Outono volta todos os anos. Pelo contrário, há para aí uma série de senhores, incapazes de gerir coisa tão especial que, em próximos anos, já não estarão por cá, percebem?
Tenham esperança. Continuem a passear. Reparem nos pormenores à vossa volta. E, por favor, pensando sempre positivo, não se demitam!
*Mas não se confundam. Olhem que o itálico tem que se lhe diga...
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5 comentários:
Meu caro Amigo,
Já estava quase rendido ao silêncio e à meditação sobre este tão belo trajecto, não tivesse aqui referido a Pendoa. Fiquei estragado e é uma pena que esta seu espaço não coloque umas fotos de vez em quando...
Junto às Escadinhas da Pendoa está aquele coisa inqualificável de uma obra propriedade da Câmara Municipal de Sintra. Na sequência do incêndio, o antigo edifício dos Inválidos foi arrasado e começou a reconstrução. Depois a queda de um muro de suporte no Beco do Briamante, serviu de motivo para a suspensão das obras.
Já não falo de quem passa por lá. Não chamo aqui a imagem que os nossos visitantes que se instalam no Hotel Tivoli têm, podendo a certas horas filmar as ratazanas e outros animais que por ali aproveitam o espaço, gentilmente cedido.
Refiro - e alerto os responsáveis, caso existam - para o facto de no terreno ter existido um poço com pelo menos profundidade de 4 metros, que foi atafulhado com o entulho das escavações para a obra.
Ninguém cadastrou esse poço que estava coberto? Quem fiscalizou por parte da Câmara não se apercebeu? Quem vai ser responsabilizado por isso?
Assim vamos, meu amigo,
Amigo Castelo,
Como sabe, deverei ter sido a primeira pessoa que, publicamente, denunciou a situação daquelas obras. Fi-lo imediatamente após início do trabalho. Naturalmente, a CMS nada informa. Pois se os serviços se permitem ignorar o próprio Cardim, director do Museu de Odrinhas e uma autoridade nacional que, relativamente ao assunto em questão, devia ter sido consultado e não foi, o que havemos nós de esperar?
Há uns poucos dias,mal acabando de subir as escadinhas, deparei com um sofa-cama esventrado, junto àquela indescritível vedação. Observei o móvel e, acto contínuo, senti-me observado. Nem mais nem menos, um casal de alemães, hóspedes do Tivoli, comentavam a cena de perfeito terceiro mundo. Uma vergonha.
Amigo Castelo,
Estamos entregues à bicharada, como diz o povo. Os «responsáveis» afivelaram a máscara, perderam a vergonha e, cheios de arrogância, passeiam as suas insuficiências.
É a Feira das Vaidades no seu melhor...
Abraço do
João Cachado
Por ser um dos passeios que mais gosto de fazer, em Sintra, em qualquer época do ano é bonito,não podia deixar de o comentar.
Não estou de acordo com o João Cachado quando diz que aquilo é "uma parte muito esquecida de Sintra". Sim, só porque ainda lá não chegou o “progresso”. Ali podemos admirar e imaginar como terá sido Sintra no sec.XIX e mesmo XVIII. Se, no fundo do Caminho dos Castanhais virarmos para a esquerda encontramos, ainda, recatadas, algumas preciosidades, com as traseiras do Palácio de Seteais, sobranceiro, a dominar a paisagem. Não falou dos soberbos castanheiros, (um deles que quase abraça a casa da Quinta que lhe tomou o nome), com muitos séculos de existência que estão classificados, julgo. Podemos ainda admirar os indispensáveis tanques de rega, e lazer, (um dos da Quinta Schindler também rodeado de bancos do tipo conversadeira como o de Seteais) onde era aprisionada a água para rega das hortas e jardins.
Agora, com o mau exemplo que o próprio IGESPAR deu ao abrir o precedente de transformar num piroso espelho de água o histórico tanque que fazia parte do TODO que é o classificado Palácio e Quinta de Seteais, não nos vamos surpreender com o que poderá vir a acontecer ao da Quinta do Vale dos Anjos que lhe está próximo, e aos outros que, felizmente, ainda existem por aquele vale.
Enquanto os SMAS continuarem a alimentar as nossas torneiras vamo-nos esquecendo que esse bem essencial para podermos estar vivos, que é a água, também começa a escassear e que as nascentes da Serra de Sintra de onde corria, para as Fontes e os Tanques de Rega também mereciam algum cuidado.
emília reis
Emília Reis, cara amiga,
Lamento que a minha espressão a tenha induzido a um errado entendimento do que eu pretendia afirmar. Ao escrever que o caminhante se internava numa «esquecida» parte de Sintra, longe de mim estava a ideia de a conjugar com uma qualquer atabalhoada noção de «progresso», como a Emília dá a entender. Chega mesmo a afirmar que não concorda comigo quando, sem qualquer margem para dúvida, coincidimos totalmente.
A minha afirmação relativa ao «esquecimento» tem a ver com a
inequívoca falta de atenção das designadas «autoridades responsáveis». Esqueceram-se elas desta parte de Sintra porque não têm feito qualquer obra de beneficiação de pavimentos nem ligam aos SOS dos proprietários das quintas referentes a trabalhos inadiáveis a concretizar. Para a autarquia, não esquecer uma determinada zona do burgo, significaria estar atenta aos sinais de degradação que vão surgindo e, a tempo e horas, tratar de os remediar em articulação com todos os interessados. Passa uma pessoa por aquele caminho e sabe a Emília muito bem que tudo é uma desolação. Os pavimentos,as valetas, as sargetas, os muros, os portões - e só me refiro aos aspectos exteriores das belíssimas quintas que bordejam o caminho - nada está como deveria.
Sabe, Emília, eu lembro-me muito bem de ser miúdo, de passear por ali e de ver as coisas como deveriam estar sempre. Há mais de quarenta anos, quando namorava por ali e por outros recantos de Sintra, nada me acicatava este sentimento de profundo desgosto que me assalta hoje em dia. Não sei como lhe diga, como me parece que, então, esta parte de Sintra não estava «esquecida», percebe?
Por outro lado, a tal noção de «progresso». Muito gostaria que, sem qualquer hipótese de mal entendido, a Emília tivesse em consideração que progresso teria havido se as coisas se apresentassem como acima dou a entender, portanto, devidamente arranjadas, sem mácula, sem ofensa, no respeito pela mão do homem que, durante séculos, por ali andou para nos legar uma maneira de estar que não tem sido respeitada.
Ao fim e ao cabo, na realidade, não houve progresso, não houve modernidade descaracterizadora. Não,felizmente, por ali não existem os sinais e sintomas de tal modernidade. Por outro lado, infelizmente, não se progrediu no sentido de assumir uma identidade, que, de facto, está «colada» àqueles pavimentos, muros, portões, a um «espírito do lugar» que só estarão efectivamente interiorizados quando a maioria da população adquirir como sua esta perspectiva que tanto a Emília como eu comungamos.
Vamos a outra vertente do seu comentário. Naturalmente, Emília, não fui exaustivo. Sabe a Emília que eu conheço aquele caminho, a pé, a palmo... É evidente que passei por algumas coisas como cão por vinha vindimada. Também não sugeri, e podia tê-lo feito, tomar a esquerda no fim da Trindade Coelho e prosseguir, pelo belíssimo Caminho da Fonte dos Amores, em direcção às Quintas da Boiça e do Pombal, às quais, nem queira saber quantas recordações me ligam...
Espero ter a oportunidade de propor muito mais passeios. E espero ter oportunidade de entrar em pormenores. Acerca da Quinta do Castanheiro, como da Schindler, dos Castanhaes, por exemplo, há tanta história a contar... Porém, em função do meu objectivo - que, como muito bem terá percebido, aproveitava a sugestão do passeio para aludir certos desconchavos - como não podia fazer mais, apenas lhes lembrei o nome como referência de passagem. Todavia, tinha e tenho o propósito de, no blogue, escrever um pouco mais sobre tais quintas. Há tanta informação, tanta história a partilhar sobre o que se vê cá de fora e sobre o que vai lá por dentro.
Olhe que não há por aí muita gente que, como nós, conheça e frequente estes lugares. A propósito, não vou escrever aqui para não o envergonhar, o nome de alguém nascido em Sintra, aqui entre a Estefânea e a Portela, quase na casa dos sessenta que, noutro dia, referindo-me eu aos Castanhaes, deu a entender que não sabia onde fica. Mais umas frases e percebi que não conhecia nada da zona do Caminho dos Frades e sítios adjacentes... Mas diz-se e toda a gente o conhece como sintrense dos quatro costados. Parece inacreditável mas é verdade. Se calhar, muitos mais há, no mesmo estado de ignorância.
Uma coisa que se podia sugerir aos «responsáveis» era um concurso, género passeio mistério, a partir de informação previamente colhida nos livros do José Alfredo, com o especial objectivo de os miudos das escolas irem à descoberta das velharias de Sintra. Cada vez mais, penso ser junto das crianças e dos jovens que vale a pena trabalhar.
Já vai longa a peça.
Um beijo do
João cachado
Atenção
ao erro, logo na primeira linha, da minha resposta a Emília Reis. Claro que é expressão com [x].
JC
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