[sempre de acordo com a antiga ortografia]

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008


Monserrate,
castigo do sucesso (Parte II)

(conclusão)

Feitiço do estuque

Só quem não conhece, se surpreenderá que, a propósito de Monserrate, não hesite eu no uso desta palavra feitiço tão carregada de sentido. A bem escrever, neste caso, forçoso é utilizar o plural já que muitos são os feitiços. E, caro leitor, naturalmente, o do estuque, na verdade fascinante, agiganta-se de modo inequívoco, ao transpor qualquer das portas de acesso ao famoso palacete.

Os estuques do tecto da principal sala de entrada foram dos que, ao longo de várias décadas, mais se ressentiram com a criminosa incúria. Fragilizaram-se, degradaram-se ao ponto de se desfazerem em fragmentos, bem concretos, à mistura com a abstracta vergonha – embora a culpa não devesse morrer solteira… – de se ter autorizado tão grave atentado.

Situação irremediável? Há quem pense, e eu sou dos que o afirmam, que só para a morte não há remédio. No entanto, em determinados casos, como o dos perdidos estuques do tecto em causa, havendo remédio, ele teria de passar por pessoas absolutamente providenciais. E Monserrate, na realidade, só podia contar com a intervenção da maior autoridade nacional neste domínio.

Claro que é Mestre José Clemente do Rosário, um grande senhor que, para além de executar ele próprio, como quando esteve ao serviço do prestigiado Instituto José de Figueiredo e, a exemplo do que está a acontecer com este tecto, também ensina a sua arte há precisamente quarenta anos, tanto como formador do Instituto de Emprego como na Escola Profissional de Recuperação do Património de Sintra.

Mestre Rosário tem intervindo nos mais sofisticados locais como, por exemplo, o Convento de Cristo em Tomar mas considera que Monserrate é mesmo o grande desafio.

Estou metido num autêntico quebra-cabeças que, literalmente, me tem tirado horas e horas de sono. Acordo, a meio da noite, a pensar como resolver alguns dos problemas. A peça estava irreconhecível, com muitas lacunas. Embora tivessem guardado os fragmentos, não existiam os suficientes. Por isso a recomposição foi um puzzle incrível, um desgaste mas, como se vê, está quase pronto".

O que, no seu dizer, está quase pronto, é uma placa onde ‘tudo funciona’ sem que, afinal, se perceba como todos aqueles lindíssimos motivos composicionais não eram senão aniquilados, mortos fragmentos, um aparente lixo, até que a sua mão lhes tocou, restituindo vida, viço e feitiço, reabilitando-os para a fase que se seguirá, ou seja, a da feitura do molde que dará origem à definitiva peça que irá reocupar o nobre lugar de origem.

Qualquer leigo se apercebe da inteligência, da capacidade de decisão indispensáveis aos riscos que corre um homem com o saber e experiência de Mestre Rosário, ao aceitar um desafio deste calibre. Tal como a Arq. Luísa Cortesão, também ele sublinha como, no fim da intervenção, haverá a possibilidade de verificar onde, efectivamente, se interveio, não mascarando a realidade.

Ainda bem. Monserrate bem merece poder contar com este homem que tem formado sucessivas fornadas de artesãos. Provavelmente, Mestre Rosário terá a possibilidade de continuar a intervir, com alguns dos seus ex-alunos, neste edifício que, só na vertente dos estuques, tem trabalho para cerca de dois anos, pensando numa pequena equipa de quatro ou cinco artesãos.

Entretanto, os cães podem continuar a ladrar que, como sempre, a caravana, vai continuar a passar…


1 comentário:

Anónimo disse...

Caro João Cachado,

Conheço bem o Mestre Rosário como técnico de restauro de estuques. Concordo consigo, deve ser mesmo o melhor a trabalhar e a ensinar naquela área. Foi uma grande perda para a Escola do Património o Rosário este ano deixar de trabalhar lá. A directora da escola dispensou o Rosário e o Mestre Henrique da área de madeiras, também grande profissional.
O Cachado que foi lá professor durante muitos anos sabe que a Escola do Património já foi uma referência a nível nacional. Mas agora está pelas ruas da amargura. Tem perdido os melhores professores e nem consegue abrir cursos por falta de alunos interessados.
Pode utilizar esta informação como entender mas, como ainda sou colaborador da escola por favor desculpe o anonimato.