[sempre de acordo com a antiga ortografia]

segunda-feira, 2 de março de 2009

Llansol, palavra certa


“(…) Saí dali [Terreiro do Paço de Sintra] com o sentimento de que, na minha “cidade” [Sintra], onde se desenrolam tantos dos meus livros, eleitos, estranhamente afastados do vivo e do belo, decidiam e devastavam. De que era prudentemente fundada a desconfiança generalizada pelos políticos. De que estes eram um perigo. Que não deixavam sangue nas ruas, mas feridas mortais nos lugares, nas paisagens, nas sensibilidades, na simples e antiquíssima boa-fé. (…) onde os interesses materiais vingarem como fim, o homem não será (…)”.

"Não haverá diálogo entre mortos" Maria Gabriela Llansol, jornal Público, 8 de Dezembro de 2001

Passa amanhã um ano sobre a data da morte de Maria Gabriela Lansol que ficará para sempre ligada a Sintra, também por ter lançado uma das mais violentas acusações contra eleitos locais que não se mostram à altura dos desafios. Na altura, perante a vontade do executivo camarário, de construir um parque subterrâneo de estacionamento na Volta do Duche, a escritora insurgiu-se, através de artigo que subscreveu no jornal Público, em 8 de Dezembro de 2001, do qual extraí a citação supra.

Só se tiverem perspectivas muito curtas é que interpretarão aquelas como palavras que, tão somente, visariam Edite Estrela e os restantes edis, os eleitos autárquicos do momento. Considerando os casos mais recentes de Seteais, Quinta do Vale dos Anjos, bem como, a título de mero exemplo, as tentativas de Monte Santos ou da Cinelândia, entenderão a abrangência de tal discurso, tão certeiro.


3 comentários:

André disse...

Haverá uma pequena iniciativa para assinalar a data, pelas 18h na Livraria da Assirio e Alvim, em Lisboa.

Sintra do avesso disse...

André,

Também já sabia dessa iniciativa na qual, infelizmente, não poderei participar devido a um anterior compromisso.

De qualquer modo, trata-se de uma proposta que há-de juntar uma série de estudiosos, iniciados na obra de Llansol que, como saberá, é tudo menos de fácil acesso ao leitor comum. Llansol é uma excepcional escritora, uma voz curiosíssima da Literatura Portuguesa que, não tenho a mínima dúvida, será um seríssimo caso de interesse nas décadas futuras.

Maria Gabriela Llansol já podia ter começado a ser uma referência desta Sintra que ela tanto amava. O texto do qual retirei a citação é estupendo, revelando o amor que ela tinha por esta terra, texto que ela me leu ao telefone, pretendendo saber a minha opinião, antes de o enviar para publicação no «Público», aquando do meu envolvimento - que ela acompanhava de muito perto - no movimento em defesa da Volta do Duche. Este artigo, para além de outras leituras, também constitui uma poética forma de afirmar uma cidadania que irrompe com inusitada força.

A Maria Gabriela mereceria, em Sintra, uma pública homenagem que contribuísse para a aproximar da comunidade onde viveu tão discretamente. A Câmara Municipal de Sintra, verdade seja dita, não se alheou do reconhecimento da excepcional obra de Llansol mas, preferiu actuar ao lado dos estudiosos, académicos que estão votados à análise do espólio da escritora. Assim sendo, não promovendo a tal homenagem, será de recear que, durante muito tempo, Maria Gabriela Llansol continue uma perfeita desconhecida para os sintrenses.

«contos do mal errante», «finita», «um falcão no punho», «um beijo dado mais tarde», são alguns dos títulos de Llansol que mantenho sempre por perto. É o fascínio sempre à mão, a possibilidade de me encantar, revisitando um discurso, tantas vezes desconcertante, despertando o melhor que há em cada um de nós. Claro que aconselho vivamente.

Um abraço do

João Cachado

Anónimo disse...

Caro João Cachado,

Li este seu texto e também o que saíu no Jornal de Sintra, na sua 6ª Coluna. Completam-se e constituem uma bonita homenagem à nossa querida amiga.

Como eu a recordo, ainda com o Joaquim ao seu lado, na manifestação contra o parque subterrâneo na Volta do Duche. Bem haja!

Rosa Antunes