João Bénard da Costa
(1935-2009)
O João Bénard partiu há pouco. Acabo de estar com a Ana Maria, sua mulher, boa amiga e colega de tantos anos no Ministério da Educação. Com a querida Guidinha, uma das manas do João, também minha irmã, troquei o abraço fraterno, muito cúmplice, na hora, avesso a essa coisa formal, fúnebre e funesta dos pêsames de circunstância.
Como todos sabemos, ele sim, era um grande senhor da Cultura Portuguesa cujo saber, a rodos, absolutamente enciclopédico, partilhou generosamente. Se, por um lado, não surpreende ver o seu nome sistematicamente conotado com o cinema, por outro, é algo de muito simplista e redutor uma vez que ele era um espírito universal que tudo sabia da Sétima Arte, movimentando-se igualmente muito bem pelos caminhos da Música, da Filosofia, das Artes Plásticas, da Literatura.
O meu testemunho de maior reconhecimento a João Bénard, radica, contudo, na sua paradigmática noção de Serviço, na sua espantosa entrega à causa do serviço à República, consubstanciada, é verdade - entre tantos projectos do mais alto nível, em que se envolveu e concretizou - na reconhecida qualidade da Cinemateca Portuguesa, que tanto lhe deve.
Não era só o Portugal culto e informado que o conhecia, nele enaltecendo a grandeza de um nobre espírito, que bem sabia articular todos os saberes da sua proverbial erudição, em tão subtis quanto sofisticados cruzamentos analíticos, conduzindo a sínteses certeiras, evidentemente lógicas e cheias de encanto. De facto, por esse país fora, muitas pessoas encontrei que, não sendo particularmente afectas às lides da intelectualidade dos grandes meios, me afirmavam a sua admiração por aquele famoso senhor de voz fanhosa e arroucada.
E quanto a Sintra? Desde sempre, desde a mais remota infância, João Bénard era de Sintra. Por exemplo, com Jorge Sampaio, em distintas afinidades e profundíssima amizade - bem patente nos tempos de O Tempo e o Modo - terá protagonizado a mais famosa parelha de notáveis sintrenses. Aliás, fastidioso seria agora nomear os que, tão de Sintra como ele, podiam reclamar-se da sua estima pessoal.
Dele se dirá algo de estupendo, ou seja, o superlativo princípio de ter colocado tudo quanto sabia e podia ao serviço do Bem comum. Não é coisa pouca esta, numa época em que se interpreta, no mais egoísta e restrito sentido, a noção de que deter o saber, dominar um conhecimento é equivalente a ter poder. Só assim podia ser já que, homem superiormente lúcido, tinha perfeita noção da efemeridade e transitoriedade das coisas do Mundo.
Venho da capela mortuária, em São Sebastião da Pedreira. Mas, por ali, em plena Lisboa, a Arrábida. Como eu a senti! E Sintra, meu Deus! Na ponta do continente, míticas serras são estas telúricas paragens, praticamente a pique sobre o oceano, que João Bénard amou, soletrou e, como muito poucos, soube cantar.
PS:
Não deixa de ser curioso que tenha morrido precisamente no dia em que passam oitenta anos sobre a morte da Condessa d'Edla cujo aniversário se celebra amanhã, dia 22 de Maio. E, amanhã, dia do funeral do João Bénard, também é data aniversária de Richard Wagner.
Pois, neste momento em que, definitivamente, se libertou da matéria, proponho que, em memória do espantoso melómano que foi, ouçamos Parsifal, a última ópera do Mestre de Bayreuth e uma das obras máximas da Cultura de todos os tempos que João Bénard colocava no mais alto patamar.
5 comentários:
Caro João Cachado
Parabéns pela sua evocação de João Bénard da Costa que já era uma avis rara. Está a terminar uma geração de insubstituíveis, como ele. Mesmo para além da morte, vai permanecer. Agora as pessoas, mesmo as da Cultura em sentido restrito, são descartáveis. Paz à sua alma e que a terra lhe seja leve.
Heitor Pontes
Caro Dr. Cachado,
Como é amigo da Dra. Ana Maria e da Dra. Margarida, percebe-se que conheceu bem o Dr. João Bénard da Costa, pessoa por quem tinha grande admiração.
Trata-se de uma perda grande para a cultura nacional pois era alguém com quem todos aprendemos, em especial acerca do cinema que era a sua especialidade. Vou ter muitas saudades das suas crónicas. Comprava o jornal Público ao domingo só para o ler. Obrigado por ter dado espaço no seu blogue à memória do Dr. Bénard da Costa.
Sofia Amaral
Meu caro Cachado,
A sua evocação do Bénard da Costa é muito feliz. Bem se vê que você é um homem de cultura, que traz a um blogue a lembrança de um grande senhor da cultura.
Não sei se soube que no dia em que faleceu a SIC transmitiu a notícia com o nome dele mal escrito. Não é um pormenor, é um sintoma da ignorância que mina a imprensa e outros meios.
Um abraço
Fernandes Rosa
Viva João Cachado,
Lembra-se das cr´+onicas em que o Bénard da Costa escrevia sobre as coisas 'muito lá de casa'? De facto só as famílias comsemelhanças à dele podiam perceber a totalidade da mensagem.Vou ter muitas saudades do que ele escrevia. Dá-me vontade de rir quando leio certos senhores de Sintra que se intitulam escritores. De certeza que não sabem como escrevia o Bénard da Costa.
Também eu agradeço pela seu belo texto. Saudações amistosas
Carlos Alves de Abreu
Viva João Cachado,
Lembra-se das cr´+onicas em que o Bénard da Costa escrevia sobre as coisas 'muito lá de casa'? De facto só as famílias comsemelhanças à dele podiam perceber a totalidade da mensagem.Vou ter muitas saudades do que ele escrevia. Dá-me vontade de rir quando leio certos senhores de Sintra que se intitulam escritores. De certeza que não sabem como escrevia o Bénard da Costa.
Também eu agradeço pela seu belo texto. Saudações amistosas
Carlos Alves de Abreu
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