[sempre de acordo com a antiga ortografia]

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Entrevista para entrever*


A cerca de mês e meio das eleições autárquicas, a pré-campanha que parece estar a suscitar menos interesse aos eleitores é a da coligação que, durante os últimos oito anos, tem gerido este concelho de Sintra, apesar do foguetório quase diário, traduzido pelo anúncio de convites a figuras que aparecem na televisão, vindas do futebol e da canção popular.

Enfim, uma certa apatia, um desinteresse com que, certamente, estariam contando os partidos da referida coligação já que se trata de reacção bem comum à maior parte dos políticos que, sem obra, pretendem prolongar o poder. E, no caso vertente, sem nada de especial a assinalar que marcasse a diferença relativamente a anteriores vereações.

Aliás, outra coisa não seria de esperar. Ao fim de dois mandatos, quaisquer munícipes, por muito desatentos que possam parecer, passaram a conhecer razoavelmente bem o presidente, a equipa de vereadores, e até mesmo alguns técnicos, administrativos e pessoal auxiliar dos respectivos gabinetes… Sabe-se e respeita-se-lhes as virtudes, desgosta-se dos defeitos, esperam-se os truques, não surpreendem os tiques.

Como calculam, por via desta janela escancarada que é o sintradoavesso, e também através de reacções aos artigos que publico no Jornal de Sintra, continuo a contactar com muitas pessoas que, malgrado o desencanto e a falta de oportunidade para a intervenção cívica que gostariam de protagonizar, não baixam os braços. Neste tempo de defeso e de expectativa, os meus cúmplices estão em trabalho de sapa, acompanhando as várias pré-campanhas, a separar o essencial do acessório, à cata de tudo o que possa aproveitar-se e induza o ânimo indispensável à possibilidade de alterar e melhorar o statu quo.

Num dos últimos dias da semana passada, no afã de nada perder de importante, alguns amigos e eu próprio teremos visto acender uma luzinha neste sintrense túnel que já parecia não ter fundo. Refiro-me à entrevista que a Dra. Ana Gomes, cabeça de lista do PS, deu ao Diário de Notícias do dia 20 do corrente. Vale a pena transcrever – e, com a devida vénia o faço – entre outras, as palavras que tanto nos arrebitaram:

“(…) O trânsito há muito tempo que devia estar condicionado através de parques periféricos e de transportes gratuitos. Temos de recuperar os planos dos funiculares para levar os turistas à Pena e ao Castelo dos Mouros (…)”

Neste momento, se o quisesse fazer, gastaria umas boas linhas só para fazer a citação da data dos textos que publiquei em jornais, revistas e neste blogue, a batalhar pela concretização deste sumário de ideias que a Dra. Ana Gomes refere. Não menos difícil seria mencionar todos os encontros em que, individualmente ou em grupo, ao longo de anos, mantive em vários serviços camarários, bem como a correspondência trocada, sem qualquer resultado prático, acerca destes assuntos afins da mobilidade dos cidadãos, do fluxo de trânsito, transportes individuais e colectivos, estacionamento e similares.

E, de repente, com a naturalidade de alguém que muito pensou acerca de gravíssimos problemas que têm afectado a qualidade de vida de centenas de milhar de sintrenses e forasteiros, eis que uma candidata a Presidente da Câmara, vem expressar a revolta que nos consome e, liminarmente, numa espantosa economia de palavras, aponta as soluções que urge concretizar. Sem ambiguidades. E, muito menos, sem os grosseiros erros que todos nos lembramos de ter visto incorrerem alguns autarcas, quando, por exemplo, desconhecendo o que seja um funicular, falavam do teleférico

Mais à frente, inquirida quanto ao resultado das audições públicas que fez nas vinte freguesias: “(…) Além da saúde, as questões da educação surgem de forma recorrente porque há 5000 crianças em lista de espera para jardim infantil, escolas sem refeitório (…) faltam 600 salas para assegurar a escola a tempo inteiro. É uma realidade muito pior do que imaginava e implica um plano de emergência (…)”.

A isto se chama saber pôr o dedo na ferida. Bem pode o actual executivo, por exemplo, insistir na ideia de que alimenta e mata a fome a não sei quantos milhares de criancinhas (na verdade, apenas contribui com uma quota parte de vinte e tal por cento na despesa da refeição…) quando a realidade geral do concelho no domínio da educação é extremamente preocupante. Por estas (palavras) e por outras, cumpre estar atento aos sinais que a Dra. Ana Gomes dá ao eleitorado ao seleccionar os exemplos que privilegiou.

Finalmente, gostaria de afirmar que estou perfeitamente à vontade para a expressão deste meu comentário tão encomiástico em relação à Dra. Ana Gomes, tanto mais quanto é sabido quão crítica foi a minha reacção à sua escolha para encabeçar a lista do Partido Socialista**. Entretanto, perante a evidência de uma posição que tão correcta se me está revelando, iria eu calar o positivo efeito que me causou? Só se fosse hipócrita ou tivesse algum impedimento que me toldasse o entendimento e prejudicasse o independente exercício da liberdade de expressão que tanto prezo.

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*entrever - avistar, descobrir, descortinar, distinguir, divisar, encontrar, enxergar, lobrigar, perceber, vislumbar;

**vd. sintradoavesso, textos datados de 14 e, em especial, de 16 de Abril de 2009.

4 comentários:

Artur Sá disse...

Amigo Dr. Cachado,

Se a sua independência não o impede de estar tão ao lado da Dra. Ana Gomes, então eu que não sou votante do Partido Socialista também sou independente. Olhe que o senhor é capaz de ter muita razão e contra si próprio porque a princípio a sua opinião foi muito contrária a esta candidatura. Vamos ver no que dá isto tudo porque estou muito farto das
curvas e contracurvas do percurso tão sinuoso do Dr. Seara que é muito simpático mas não anda nem faz andar. Abraço do
Artur Sá

José Lourenço disse...

João, Nada tenho a ver com Sintra, não voto aí nem se calhar devia meter a colherada. Mas devo dizer-te que entendo bem a tua reacção quanto à Ana Gomes. Acho que é uma pessoa que vale a pena apoiar porque é séria e do melhor que há no Partido Socialista que nos tem dado tantos desgostos. Vocês estão muito mal com a presidência do Seara. Uma alma caridosa mostrou-me a última entrevista que o Seara deu ao 24 Horas. Li a entrevista e percebi a pobreza daquele personagem que se autoproclama o careca do benfica. Oxalá que todas as candidaturas lhe descubram a careca e que os sintrenses votem bem. Não sei se é na Ana Gomes mas de certeza que não deve se no Seara. Boa campanha.
J. W. Lourenço

Vitor Rodas disse...

João Cachado,
A Ana Gomes afinal parece que foi uma boa aposta do PS. Do Baptista Alves da CDU já se sabe o que esperar e o André Beja do BE também é uma esperança. Se a coligação Mais Sintra perder talvez isto tudo dê uma volta. Bem merecemos todos. Um abraço
Vitor Rodas

Anónimo disse...

Amigo,

É bom vê-lo aproximar-se do terreno socialista que lhe tem merecido tanta crítica negativa ao nível local e do governo. Vai ver que ninguém lhe morde...
António V.