[sempre de acordo com a antiga ortografia]

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

João Cachado - Sintra


Romantismo?

Aquele desconchavo desmiolado que é a campanha Sintra, capital do Romantismo, promovida pela Câmara Municipal tem, como fundamental objectivo, fazer permanecer, em estadas mais prolongadas, os forasteiros que por aqui passam quase como cão por vinha vindimada.

Assim sendo, nada mais óbvio do que pensar em fazer com que tais pessoas se desloquem, natural e necessariamente a pé, através dos belíssimos caminhos que, ainda hoje – apesar do reinante desleixo, prova real da incapacidade de gestão da autarquia – têm ressonâncias, vislumbres, laivos de um ambiente que o comum mortal se habituou a conotar com uma certa ideia de romantismo.

Em Sintra, felizmente, abundam esses lugares de passagem, que convidam ao passo lento, a pedir quietação e ritmo remansoso, detença nas paragens mais propícias aos avistamentos e à surpresa de silêncios cortados pelo grave ruído de troncos que rangem ou se tocam nas alturas, de um bater de asas, que apenas se pressente, à mistura com os cantos mais singulares.

Conhecem os caminheiros a melhor hora para fazer determinados trilhos. Há sempre uma certa luz, consoante a altura do ano, em que um recanto ganha especial interesse. Preciso é saber olhar e escutar, saber viver o privilégio.

Já aqui tenho escrito sobre o Caminho dos Castanhais.* Faz parte de um périplo que deverá começar muito antes, na igreja de São Martinho, seguir pelos Pisões, Regaleira e Caminho dos Frades para, então, se iniciar junto à Quinta dos Alfinetes e prosseguir, inolvidável, até se esbater, num fim de castanheiros quase até ao centro histórico, terminando-se o passeio já no Terreiro do Paço, passando pela Rua dos Arcos.

Esta caminhada pelos Castanhais poderia fazer parte de uma tal Sintra, capital do Romantismo? Talvez, se não houvesse as razões de queixa que gritam o escândalo de tanto desalinho, tanta falta de cuidado, tanta degradação. Pois é. Eça de Queiroz, por exemplo, palmilhava-o diariamente, quando passava temporadas em Sintra com a família, na Quinta dos Castanhais. Que rica maneira de homenagear a sua memória!...

Verdade é que o Romantismo cultiva a dose certa de nostalgia, suscitada pela finitude da coisa que se esvai, do muro que já foi e se arruína. É verdade. Mas não, nunca, jamais a degradação e o aviltamento que acontecem nos Castanhais. Vão lá. Entreguem-se ao paradoxo do deleite outonal mesclado pela desgraça que não descrevo, deixando-a ao vosso desgosto.

Sintra, capital do Romantismo? Assim? Mantendo-se esta incapacidade da autarquia em fazer justiça a pérolas que não sabe cuidar? Assim? Não passa do mais piroso slôgane de promoção de um turismo ordinário, a enganar papalvos ou cativar os pares muito românticos interessados em a aliviar os apressados amores num desses motéis de duvidoso gosto que, bem articulados com a delambida e pirosa estratégia de marketing, a autarquia tem deixado instalar às portas da vila.


*
A propósito do Caminho dos Castanhais, ler neste blogue Criminoso esquecimento, 02.12.08 e Outonal passeio em 18.11.08.

5 comentários:

Pedro Esteves disse...

Colega João Cachado
Há muitos anos que Sintra anda a viver à custa de uma imagem que já não existe. Antigamente andava toda a gente a pé, via-se tudo e todos os pormenores. De automóvel escapa muita coisa que está mal. Estou consigo nestas denúncias. Força e coragem.
Pedro

Fernando Castelo disse...

Meu caro João Cachado,

Fala o meu amigo do caminho dos Castanhais e logo refere a Rua dos Arcos...melhor fora que a omitisse, a riscasse mesmo do mapa sintrense, até ao dia em que algum trágico acontecimento a torne alvo de observação colectiva.

Convide-se os leitores mais curiosos a passarem por lá, apreciarem aquelas "instalações" de gás e a higiene pedonal. Quantas vezes tenho abordado aquele nojo sanitário.

Isto na zona "rainha" do Centro Histórico, onde o edifício do Turismo, acabadas as obras de limpeza, logo começou a ter plantas nas junções, cujo crescimento podemos observar diariamente.

Para ajudar à matéria em análise, citaria aquele painel de azulejos no Casal de S. Domingos (edifício camarário em Sintra) que há anos está danificado, sem que sejam atendidos os alertas. Pois é, os responsáveis passam de costas, de carro.

Em síntese, com o quadro que é mostrado diariamente, falar em Sintra do Romantismo não abona muito os conhecimentos que muitos actores têm sobre esse movimento.

Claro que a cultura é indispensável para ajudar a compreender estas coisas.

Anónimo disse...

Não é com vereadores da cultura da categoria dos que lá têm estado que se pode melhorar a qualidade dos caminhos românticos de Sintra. Como escreve Fernando Castelo é tudo uma questão de cultura.
Suzana Barros

Jaime Serra disse...

Nesta coisa de «romantismo» à sintrense, o Fernando Seara faz figura de palhaço rico e o vereador Patrício de papalhaço pobre. O primeiro pede ao outro para tocar uma musiquinha romântica e o outro pega no serrote para saír a "Sintra capital do romantismo".
Todas as pessoas de bom gosto já estão habituadas às propostas pirosas e sem qualquer qualidade que saiem da cabeça daqueles dois. Gente culta, gestores culturais são outra coisa. Estes dois trabalham mais para a "Caras" e coisas do género da "TV Guia". Já diz o povo "cada macaco no seu galho" e estes dois macacos estão pendurados na árvore do mau gosto.
Jaime Serra

Anónimo disse...

Dr. Cachado,

Acabo de percorrer o Caminho dos Castanhais. Lindo mas uma vergonha. Tem toda a razão. Deixar chegar aquele estado é um desgosto. Agora que choveu é difícil de aceitar.

Emília