[sempre de acordo com a antiga ortografia]

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009



João Cachado - Sintra


Honra e lealdade,
apesar de tudo…

Há uma instituição que funciona correcta e decentemente. Aquilo que, em qualquer país civilizado e razoavelmente decente seria coisa corrente, nada de extraordinário, em Portugal logo ganha foros de excepcionalidade. Certamente, outras haverá que não nos envergonhem mas hoje, inevitavelmente, teria de estar a pensar na actuação do Tribunal de Contas e, muito particularmente, em quem dá a cara pela instituição, o Dr. Guilherme de Oliveira Martins.*

Sistematicamente, como sabem, através do seu indispensável visto, o Tribunal de Contas tem chumbado os contratos de concessão entre a Estradas de Portugal e as empresas que se propuseram concretizar uma série de auto-estradas com que, tão controversamente, o anterior governo resolveu dotar o território nacional, já tão encharcado por auto-estradas muito pouco frequentadas ou quase desertas.

E, não há quem consiga contestar, tem-no feito, sem apelo nem agravo, na permanente defesa do interesse nacional, considerando os contratos não conformes com o bem comum. Apenas e tão somente o bem comum. Sejam quais forem as considerações aduzidas pelos juízes do Tribunal, não passa pela cabeça de ninguém que não seja aquela a razão fundamental sobre a qual ergueram todo o seu dispositivo de justificação dos sucessivos chumbos.

Naturalmente, o patrão de uma das tais empresas, a Mota-Engil, não está a gostar. Igualmente pouco satisfeito deverá andar Jorge Coelho, cujo recrutamento para a gestão da empresa terá passado pela presunção de que, à partida, acidentes de percurso como os do caso vertente, estariam ultrapassados porquanto a socialista afinidade, entre o dito administrador (ex número dois do Partido e do Governo) e o actual executivo seria argumento de peso bastante para atenuar eventuais desentendimentos.

Ao mesmo tempo que, por alguns, a actuação de Oliveira Martins é saudada com os maiores encómios, o patrão da Mota-Engil e o Presidente do Conselho de Administração da Estradas de Portugal permitem-se aproveitar a janela aberta da comunicação social para ameaçar que, a não vingarem os termos do que entre si contrataram, aí está à porta o cataclismo sem precedentes de milhares de postos de trabalho em risco. Se não me engano, a isto se chama chantagem…

Mas, afinal, para que julgam tão destacadas personagens desta comédia de enganos que serve o Tribunal de Contas? Até dão a entender que o seu visto seria apenas um pró-forma… O Estado Democrático de Direito que Portugal continua a afirmar não considera indispensável esta instância de avaliação e controlo da actividade económica e financeira? Alguma entidade contraente pode considerar como favas contadas o resultado da intervenção do TC?

Naturalmente, as interrogações que coloco não são mais do que a expressão da vox populi. E, com toda a razão, o povo mais atento também se interroga quanto à circunstância de o visto aparecer com um ano de dilação. Se não há condições para encurtar tal período, como se permitem as empresas iniciar as obras, sob risco tão manifesto?

Pois é. Não há dúvida de que saíram as contas furadas à Mota-Engil, não só nas auto-estradas mas também, ainda por exemplo, no vergonhoso contrato entre o Estado e a Liscont, empresa do grupo adjudicatária do terminal de contentores de Alcântara. Não terá contado com a verticalidade e dignidade de alguém que, de facto, leva a sério o juramento que presta quando toma posse das funções que a República o tem chamado a desempenhar.

Afirmo solenemente pela minha honra que cumprirei com lealdade as funções em que sou investido”. São estas as palavras. Palavra de honra, na afirmação de lealdade perante o povo, cuja vontade, expressa através do sufrágio universal, permite e sanciona que determinada pessoa assuma o exercício de determinadas funções durante um certo período.

Infelizmente, não há muitos, como Guilherme de Oliveira Martins, que se empenhem nas tarefas que o povo lhes comete, com a honra e lealdade que o animam. Aliás, e bem a propósito, nem é preciso invocar infelizes e tão recentes exemplos para ilustrar o modo vil, indecente e escandaloso com que, em altos patamares do poder económico e político, certos senhores se têm permitido mal tratar e desbaratar os mais nobres valores.

Não é por acaso que Oliveira Martins é um inequívoco homem de Cultura. E, na moldura deste substantivo que, bem à alemã, escrevo com maiúscula, vejo na personalidade do Presidente do Centro Nacional de Cultura, o cristão profundamente empenhado na resolução das difíceis questões de desigualdades que mais preocupam o país e o mundo.


É Oliveira Martins o socialista exemplar que, sem qualquer risco de incoerência, bem pode apregoar os princípios e os valores da Liberdade, Igualdade e Fraternidade, tão caros a uma doutrina que, diariamente, outros conspurcam com a face oculta ou bem a descoberto.

* Neste mesmo blogue, ler Que comparação!, 24.97.09 e O túnel adiado, 22.10.07.




7 comentários:

P. Cortez Peres disse...

Amigo Cachado,

Dou-lhe os mais sinceros parabens por este texto com o qual concordo cem por cento. Também aprecio muito o Dr. Oliveira Martins que considero mesmo exemplar.
Não sei se viu a entrevista que o Prof. Jacinto Nunes acabou de dar à SIC. Fui algo de magnífico e teve a particularidade de incluir aspectos que o próprio João Cachado escreveu hoje no seu blogue. Achei muito curioso que o velho professor referisse o caso do prazo com que o visto do Tribunal de Contas aparece tal qual como o João Cachado considerou nas perguntas que apresentou a propósito. Renovo os parabens e espero que possa continuar com toda a sua argúcia. É um gosto ler os seus textos e o Português cuidado que emprega. Abraço
Cortez Peres

Artur Sá disse...

Caro Dr. Cachado,

Muito oportuno. Espero que faça tudo para que este e outros textos que tem assinado sejam o mais possível divulgados. Há muitos jornais onde estas palavras deviam aparecer. Preocupa-me muito que as crianças e jovens despertem para o exemplo de homens como o Dr. Oliveira Martins. Dr. Cachado, estamos a bater no fundo. Por regra, os políticos só olham para o bolso. As excepções são poucas e por isso textos como o seu de hoje são uma benção. Saudações amigas,
Artur Sá

Paulo Costa disse...

Também julgo que este seu post é especialmente bom. É muito feliz o contraponto entre Oliveira Martins e outros políticos que v. não nomeia mas estão lá implícitos. Nunca aconteceu desde o 25 de Abril o pais perder totalmente a confiança no primeiro ministro. José Sócrates perdeu o crédito. São tantas as histórias com ele e com a sua família e a sua roda de amigos pouco recomendáveis que já não se atura esta situação. Vejo a situação política de tal modo deteriorada que o Presidente da República terá de intervir como fez o Sampaio quando pôs o Santana na rua. Agora só muda o partido. Dantes era o PSD e agora é o PS. Antes eram as anedotas sucessivas e agora são os escândalos sucessivos. Um nojo.
Lamento termos chegado a isto. Só apetece emigrar.
Paulo Costa

Anónimo disse...

Quem acompanhou hoje debate no Parlamento percebeu porque Portugal está no descalabro. É uma vergonha como os políticos perderam o respeito uns pelos outros. É muito preocupante o que aconteceu ao primeiro ministro, portanto a perda de crédito de todos os partidos e mesmo do PS onde há vozes não alinhadas. Voltando ao texto do João Cachado, Oliveira Martins é um homem do maior respeito, honesto, vertical, digno, um grande senhor, aquilo que se chamava antigamente um espelho de virtudes, portanto o oposto do primeiro ministro.
Concordo completamente com Paulo Costa. Chegámos a um tal ponto que pior não pode acontecer e por isso é importante que o Presidente da República afaste este homem com máxima urgência pois qualquer dia já não pode porque a Constituição impede. Portugal não pode ser representado ao mais alto nível por alguém que o povo não confia. E não venham com essas sondagens "encomendadas" e assinadas por um militante do PS que já se sabe o valor que têm.
D. Santos

Artur Sá disse...

Vejam o semanário SOL de hoje. Há um bom artigo sobre a Estradas de Portugal e o Tribunal de Contas. Mais uma vez se vê como o Dr Cachado tem razão.

Artur Sá

Anónimo disse...

Mas é bom também falar da oposição que tem «telhados de vidro» e que em termos de dignidade e legitimidade, também não está melhor...Apenas querem uma coisa:atirar o país para o fundo para depois poderem armar em «salvadores da pátria»como se também não tivessem culpas no cartório:Dias Loureiro, Oliveira e Costa, Nobre Guedes, Paulo Portas e outros que tais, também são do PS?
Mariana Reis

Paulo Costa disse...

Isto deve ser para rir. Mariana Reis diz que querem atirar o país para o fundo. Mas o país não pode estar mais no fundo... Já chegámos onde nunca estivemos com o Governo a dizer que a crise que nós temos é a mesma dos outros, é a mesma dos países ricos e de facto nãso é. Nós temos miséria como não há nem na França, nem na Inglaterra, nem na Alemanha, nem na Holanda, nem na Bélgica, nem na Áustria, nem na Itália, nem mesmo em Espanha já para não falar nos países nórdicos. Não há nenhum país da União Europeia que tenha o analfabetismo que nós temos. Este e os anteriores governos, a porcasria da classe política que temos, conduziu-nos ao fundo do fundo. Isto não é um jogo do Benfica (governo) contra o Sporting (oposição). Não é a oposição que quer atirar com isto para o fundo porque não podemos ir mais abaixo. E só faltava ter um primeiro ministro que perdeu o crédito do povo, perdeu completamente, como nunca antes desde o vinte e cinco de Abril. Nós estamos muito mal e não podemos perder tempo. Mas é preciso muita disciplina e chamar toda a gente à responsabilidade. Já li neste blogue o que corre por aí nas famílias com filhos a estudar, dar-lhes condições para irem para o estrangeiro que isto é um país sem futuro, bom para passar férias e umas comezainas. Não quero alargar-me e só acrescentei estas palavras ao que escrevi anteontem porque Mariana Reis provocou.

Paulo Costa