[sempre de acordo com a antiga ortografia]

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

REUNIÃO COM PERITOS DA UNESCO

Hoje gostaria de partilhar convosco o texto que, ontem, terça-feira, dia 12, serviu de base à minha intervenção em Monserrate, durante a reunião para a qual fui convidado pela administração da Parques de Sintra Monte da Lua. Tratava-se de apresentar um testemunho relativo a questões de interesse para o relatório dos peritos da Unesco, em visita de avaliação durante esta semana. Eis o texto.

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Primeiramente, gostaria de agradecer a oportunidade deste encontro com a delegação de peritos da UNESCO durante a sua visita de avaliação. Nunca será demais assinalar ser esta a primeira vez em que, finalmente, é possível uma tal reunião com cidadãos de Sintra. Ao sublinhar tal circunstância, ainda lembraria não ter sido a Câmara Municipal de Sintra a convidar-nos para aqui virmos mas, isso sim, a administração da Parques de Sintra Monte da Lua.

Na realidade, tal convite não é, de modo algum, irrelevante. Tenha-se em consideração que, durante um longo período, anterior à tomada de posse da actual administração, parecia haver, digamos, uma estratégia avessa à comunicação, no sentido mesmo de evitar a participação dos cidadãos nos programas cujos detalhes, características e consequências só mais tarde, sempre só a posteriori, seriam conhecidos.

Tal atitude prova e demonstra à saciedade como a nossa opinião, de facto, não era desejada. Felizmente, as coisas mudaram radicalmente. Hoje em dia, nada impede que reunamos deste modo, se bem que a nossa opinião acabe por ser determinante para a elaboração do vosso relatório. De qualquer modo, esta situação também terá de ser entendida no positivo contexto de atitudes prévias e análogas, envolvendo os cidadãos locais nos programas da PSML.

Entremos na matéria. No que respeita aos trabalhos de restauro e recuperação em curso em certos edifícios classificados, é com a maior satisfação que afirmo não me ser possível apontar seja o que for como crítica negativa. Tanto o Palácio de Monserrate como o Chalé da Condessa, sofisticados casos de estudo, realmente evidenciam uma actividade absolutamente paradigmática, demonstrando a correcção de procedimentos neste domínio, de acordo com o que se encontra internacionalmente estabelecido.

Igualmente, no que se refere à gestão do património florestal, está em desenvolvimento uma campanha que compreende o indispensável desbaste e erradicação de espécies infestantes. É preciso ter em consideração que, em determinados locais, não houve qualquer espécie de intervenção durante décadas. Há alguns meses, algumas vozes bem intencionadas, declararam que a Monte da Lua estava a cometer um crime horroroso.

Naturalmente, tal não era verdade e, contestando-o, técnicos devidamente habilitados, que não apenas dos quadros da Monte da Lua – eu próprio visitei determinadas áreas, na companhia de um silvicultor austríaco que ficou com a melhor das impressões a partir das evidências – repuseram a verdade, esclarecendo como tais trabalhos eram essenciais para a saúde e segurança das espécies em presença. Todavia aquela ignorante opinião não deixou de fazer o seu caminho.

Estacionamento, problemas de trânsito e outras questões específicas


O estacionamento de automóveis é uma das mais preocupantes questões ainda não resolvidas em Sintra, porém, indubitavelmente relacionada com a problemática da preservação do património neste território. Na realidade, ainda não foi generalizadamente assumido, quer pelos cidadãos quer pelas entidades, que o próprio modo como se acede a um monumento, já é uma importante etapa do complexo acto cultural que, no seu todo, a visita constitui.

Assim sendo, ninguém à volta desta mesa poderá negar o desconforto de aceitar de boamente que, principalmente nos fins de semana e feriados, imensos condutores sejam autorizados e até mesmo incitados a estacionar as suas viaturas praticamente ao pé do Palácio da Pena. É uma vergonha. A propósito, igualmente impensável que a Câmara Municipal de Sintra se prepare para instalar um parque de estacionamento para trinta automóveis – sabem os senhores peritos onde? – pois muito bem, intramuros, na Quinta da Regaleira. Não fiquem perplexos. Em Sintra, tudo é possível.

Analogamente vergonhoso o trânsito de automóveis particulares, em ambos os sentidos, para cima e para baixo, na Rampa da Pena, a partir do centro histórico, em direcção ao Castelo dos Mouros e ao Palácio da Pena. De facto a Serra de Sintra está totalmente devassada, sem qualquer política que condicione o acesso dos automóveis particulares aos pontos mais altos. Consequentemente, todos os previsíveis perigos podem realmente acontecer. E, naturalmente, os nocivos efeitos no ambiente são directamente proporcionais à situação em presença.

Não é fácil entender porquê, depois de tantos anos, a Câmara Municipal de Sintra ainda não conseguiu resolver o problema, principalmente através da estratégica instalação de parques periféricos, nas três principais e há muito identificadas entradas de Sintra, nas freguesias de Santa Maria, São Pedro e São Martinho. Como acontece em tantos lugares congéneres, o pagamento do estacionamento em tais parques, estaria incluído no preço dos bilhetes, de toda a espécie de transportes públicos incluindo funiculares e veículos de tracção animal que, a partir desses locais, em estreita articulação, se dirigiriam aos inúmeros destinos.

Mas há outras questões pertinentes que permanecem sem resposta. Como poderemos nós concordar com a inexistência de um civilizado regime de cargas e descargas de mercadorias em toda a Sintra e, em particular, no centro histórico? Como poderemos nós pactuar com uma evidente falta de higiene pública, quer no centro histórico quer noutras ruas e estradas?

Ainda gostaria de chamar a vossa atenção para outra situação bastante desagradável. Não há parque de campismo em Sintra já que, também neste domínio, de há muitos anos a esta parte, a Câmara Municipal não tem sido capaz de resolver o problema. E, nestas circunstâncias, imaginem que, especialmente no Verão, seja possível que os passageiros de quinze ou mais autocaravanas acampem no Rio do Porto, um pequeno parque de estacionamento urbano, a cerca de cem metros dos Paços do Concelho, num inqualificável abuso tolerado por todas as autoridades, sob a desculpa de que não há alternativa…

Problemas de Seteais

Agora a vossa atenção para aquilo que não tenho qualquer problema em considerar como premeditados atentados contra o Património. Não estão longe. No vosso caminho, de Sintra para Monserrate, terão oportunidade de parar em Seteais. Por favor, parem mesmo. É que, mesmo em frente ao Palácio de Seteais, dentro de uma quinta do outro lado da estrada, Quinta do Vale dos Anjos, está a ser construída uma mansão de mil e quatrocentos metros quadrados.

Várias entidades, tais como o IGESPAR, Câmara Municipal de Sintra, ou o Parque Natural de Sintra-Cascais estiveram envolvidas e deram o seu favorável parecer à construção da casa. Verificarão que enormes quantidades de terreno foram removidas e amontoadas ao lado. Verificarão que, implantada num nível superior ao Palácio de Seteais, a fachada da casa tem onze metros de altura!

Eu próprio e outros cidadãos de Sintra escrevemos para a UNESCO em Paris, anexando fotos de satélite e outras atestando o ritmo a que cresce o edifício. Infelizmente, não recebemos resposta, nem para este caso nem relativamente a outra queixa sobre um tanque, parte integrante da Quinta de Seteais, destruído pelo concessionário do hotel, o grupo Espírito Santo, um dos mais influentes bancos portugueses. Pois, no local onde tal destruição se processou, nasceu uma arrecadação de maquinaria.

O Ministério da Cultura, através do IGESPAR, patrocinou, deu cobertura a um tal escândalo e, apesar das minhas denúncias na imprensa, apesar da minha ida à reunião pública mensal do executivo municipal, a Câmara de Sintra não foi capaz de impedir o que aconteceu.

Só para vos dar uma ideia de como as coisas correram, tenham em consideração que recebi do IGESPAR, que acima apelidei de patrocinador da destruição, assinado por um arquitecto, seu funcionário altamente colocado, um e.mail em que me esclarecia: “(…) A construção em curso será coberta por uma laje impermeabilizada, a qual servirá de fundo a um espelho de água criando no final da obra a ilusão de um tanque cheio (…)”.

Se bem entendem, sugeria o Senhor Arquitecto que não havia razão para preocupação porque o IGESPAR havia determinado tal solução. Ao fim e ao cabo, uma ilusão como solução. Surpreendidos? Pois não devem. Qualquer atentado é possível já que, em determinadas circunstâncias, se decide pura e simplesmente ignorar o que está estabelecido a nível nacional e internacional.

Como reparo final, facilmente compreenderão ser importante que a UNESCO responda, em tempo útil, às queixas dos cidadãos.


[Fim da minha intervenção]

Nunca será demais sublinhar o alcance desta possibilidade que a Parques de Sintra Monte da Lua protagonizou, no sentido de dar voz a algumas pessoas que, em Sintra, se preocupam com a defesa do património em geral e com a classificação da Paisagem Cultural da Humanidade em particular.

Estiveram presentes Dinah de Azevedo Gomes e Emma Gilbert, em representação da Associação dos Amigos de Monserrate, Maria José Rau, pela Associação dos Proprietários de Quintas da Serra de Sintra, Adriana Jones da ADPS, Fernando Morais Gomes, pela Alagamares, João Rodil e eu. Através de participações, em geral muito pertinentes, julgo que todos fornecemos elementos de informação indispensável para o relatório dos peritos que aqui estão em missão de avaliação.

Para além do que foi dito e ficou registado, à volta da mesa de trabalho, ainda houve oportunidade para frutuosa troca de impressões, durante o almoço que a PSML gentilmente ofereceu, e que acabaria por se revelar um momento igualmente muito importante para continuar a esclarecer os peritos da UNESCO acerca de outros assuntos de interesse para o seu trabalho sobre o que se passa em Sintra.




4 comentários:

Fernando Castelo disse...

QUE SE PASSA EM SINTRA?

Meu caro João Cachado,

Aqui estou de volta e deixe-me que o felicite pela sua presença na reunião com a UNESCO. Nem sempre há boas notícias como esta.

Mas, tendo ido hoje a Sintra, fiquei deveras preocupado e, rápidamente, abandonei a zona dos Paços do Concelho. Tive medo.

Porquê, dirá o meu Amigo e quantos estão lendo esta minha modesta mensagem.

Porque me deparei com quatro (4) viaturas da Unidade de Intervenção da GNR junto ao Posto de Sintra e, com uma certa aflição, desci até ao Largo Dr. Vergílio Horta onde, o susto se agravou perante viaturas da Polícia Municipal e váris agentes da mesma nas escadas de acesso ao edifício e outros debaixo da entrada.

Estado de Sítio em Sintra?

Realmente havia uma Reunião de Câmara, mas julguei que a coisa seria pacífica.

É certo que havia uma proposta para se comprar a Quinta do Relógio e mais o Complexo de Fitares, coisas que justificarão vários milhões a pedir por proposta do Presidente à banca.

Mais um empréstimo, depois daquele dos 10 milhões de há dias.

Mas, caramba, tanta força de ordem para quê? Proteger o Presidente? Não, isso não seria razoável.

Ficam então algumas perguntas, que alguém poderá responder: Quem anda com medo? Medo de quê? Quem terá alertado as autoridades para uma prevenção com medidas pouco adequadas à pacífica vida de Sintra?

Sintra não merecia isto.

Creia que até fiquei com medo de dar aqui alguma opinião sobre as propostas apresentadas, quanto a mim pouco adequadas a quem não recupera as casas pombalinas (as célebres "embrulhadas de Sintra") alegadamente por falta de dinheiro.

Veja, até, que há muito tempo sugeri (quase pedi) uma pequena biblioteca num terreno municipal que está abandonado desde 1991...1991, e nada.

Qualquer dia, ao falar-se em Cultura grita-se "Óh da guarda...".

Coisa estranha, esta proposta de agora para comprar algo que os donos deviam recuperar. Ou para adquirir um complexo cujas máquinas cada vez estão mais desvalorizadas.

Estas as histórias de Sintra.

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Desculpe a desvio do tema proposto, mas o relato que fez da sua intervenção é suficientemente esclarecedor.

Um abraço,

Fernando Castelo

Anónimo disse...

Parabéns,amigo João Cachado!Felizmente, a PSML convidou-o para estar presente nesta reunião, felizmente, na sociedade civil, nem todos os presentes ali estavam para dizer ámen, para elogiar, para «engraxar» o Sr Presidente da Câmara, sabe-se lá (ou não se saberá?) a troco de quê.Fico menos angustiada,porque confio na força e na verdade dos seus argumentos e sei que defende Sintra, com os olhos,o coração e a alma, só por amor, um amor desinteressado mas empenhado,puro e sincero e sei que os técnicos da Unesco,puderam ouvir que nem tudo são rosas em Sintra(bem pelo contrário)e que o contributo para continuarmos a ser Património da Humanidade, não tem a mesma dimensão para todos os «actores», aliás, enquanto uns defendem «com unhas e dentes»,outros inventam projectos que a descaracterizam e destroem na sua essência.Obrigada, JOÃO, POR TER SIDO A VOZ DE TANTOS,A MINHA INCLUÍDA!
Margarida Mota Paulos

Artur Sá disse...

Amigo Dr. Cachado,

Espero que a partir de agora com conhecimento de vozes autorizadas dos sintrenses a UNESCO fique mais bem informada. Vim a saber que noutras ocasiões os peritos foram «enrolados» com manobras que os impediam de ver o que era importanre. Parece que agora tudo mudou. Fico muito contente. Deu uma boa notícia, fico mais animado em relação ao futuro de Sintra (para desânimo, completamente de acordo com o seu texto anterior da semana passada).
Abraço
Artur Sá

Unknown disse...

Caro sr Fernando

Venho informá-lo de que o autocaravanista itinerante tem tanto direito a estacionar o seu veiculo em Sintra como qualquer outro condutor de veiculo ligeiro. Na lei Portuguesa nada nos obriga a ir estacionar ou pernoitar nos parques de campismo.Somos turistas como qualquer outro cidadão. Numa altura de crise como a que se passa em Portugal e já que o sr defende tanto Sintra, deveria de saber que o autocaravanista itinerante a fazer o seu turismo de laser gosta de ir a restaurantes,comprar souvenirs, visitar museus e monumentos, etc. Dinheiro que entra nos bolsos da Camara de Sintra e dos empresários de Sintra com a criação de postos de trabalho!A imagem que dá de Sintra é a de uma "Bela intocada" onde só os peritos podem ir. Depois vão ser os peritos a custear as manutenções? ou o turista que a visita?
Saudações autocaravanistas
Ana Pressler
Clube Autocaravanista Itinerante