[sempre de acordo com a antiga ortografia]

sábado, 24 de abril de 2010

Os génios da finança


Em parangona de primeira página e no seu suplemento de Economia, o semanário Expresso de hoje, reporta-se ao caso de João Rendeiro, ex-presidente do Banco Privado Português, que, em cerca de dez anos, tendo recebido mais de doze milhões de Euros a título de remunerações, se deu ao luxo e à pouca vergonha de apenas declarar um quarto de tal montante para efeitos do fisco.

Naturalmente, nada espanta que, com tais princípios éticos, tal personagem sempre tenha exigido a transferência de tão chorudos vencimentos para paraísos fiscais. Muito sinceramente, o que me espanta é que, na nossa praça de ignorantes e incompetentes, muitos dos senhores jornalistas tenham perpetrado a oportuna façanha de alcandorar João Rendeiro à galeria dos génios da finança.

Praticamente, em véspera do descalabro público do BPP, não houve jornal, jornaleco, revista ou canal de televisão que não tivesse ido ao beija-mão do fenómeno, no momento em que apresentava a porcaria de um qualquer livreco de sua autoria, perante a reverência bacoca de quem, com tanta matéria de interesse para noticiar neste pobre país, parece não ter mais nada com que se preocupar…

Muito bom seria que estes piquenos escreventes e escribas, afivelados à mais que duvidosa designação profissional de jornalistas, se preparassem convenientemente para as lides em que andam envolvidos. Se assim acontecesse, talvez não caíssem, pelo menos com tanta facilidade, nas esparrelas que lançam aos incautos certos habilidosos, como este efémero ex-banqueiro de opereta ordinária que, a uns conseguiu apanhar a massa e, a outros, cativar a atenção de que precisou para tempo de antena nos media.

De facto, em Portugal, para ser rei, nem sequer é preciso o tal olho do ditado… Bem ensaiado, bem assessorado por uns vendidos sem escrúpulos, nas mãos de especializada agência de imagem, qualquer ceguinho é capaz de levar no bote os mais ufanos espertalhões, deslumbrados com os fatinhos, os automóveis e as mulheres de capa de revista que esses figurões apresentam aos jornais e às televisões.

Não faltam exemplos desta desqualificada gente cuja vida de enganos é passada aos domésticos écrans como quintessência de quase angelicais virtudes.
Arvorados à condição de paradigma de homens de sucesso, servidos por uma comunicação social acéfala e acrítica, que os vende como se de produto capaz se tratasse, os Rendeiros, os Oliveira e Costa e tutti quanti, vão-se dando bem.

E, mesmo quando alguns se dão mal, a justiça que vamos tendo – tão pressurosa a ilibar corruptos e a incomodar os denunciantes – remete-os à gaiola dourada que lhes sobrou do processo de separação de pessoas e bens, para evitar o arresto do património, convenientemente dotados de pulseira electrónica, com muitas desculpas pelo transtorno…




4 comentários:

Fernando Sousa disse...

Olá João,

Também li o assunto no Expresso. Tem imensa razão e oportunidade o seu texto. Há muito "barulho" nos jornais e nas televisões que se deve ao mau trabalho de umas pessoas que escrevem mas que não são jornalistas. Actualmente, uma percentagem significativa dessa classe até é licenciada o que traduz a desgraça da qualidade de certo ensino superior. O Rendeiro e o Oliveira e Costa não seriam o que se sabe se estes "jornalistas" e os seus directores fizessem o trabalho bem feito. É por isso que o "quarto poder" é tão fraco em Portugal.
F. Sousa

Anónimo disse...

Se virmos as coisas muito
bem os casos do Rendeiro
e do Oliveira e Costa
são parecidos com o do Mexia
e de todos esses génios gestores pagos a peso de ouro.
Como se vê, não há nenhum jornalista a sério que desmascare
esses tipos.

Rute M.

Anónimo disse...

Fabuloso o seu texto
lembrei-me de algumas situações:
- O caso de corrupção Bragparques faz-me pensar que se tivesse-mos bons jornalistas saberíamos mais sobre quem é este juiz, que outros casos passaram pela sua mão, poderíamos saber de outros casos parecidos com este em Portugal ou no estrangeiro e qual foi a sua resolução final etc, etc.
- A colecção Elipse de Arte Moderna e Contemporânea pertencente ao Sr. Rendeiro que até tinha museu aberto em Alcoitão ao pé de Sintra, o que é feito?
- O Sintra Museu de Arte Moderna - Colecção Berardo, que, desde à vários anos da Colecção Berardo pouco ou nada se vê, seja no Museu Berardo em Lisboa ou em Sintra, o que se passa porque não temos os jornalistas a fazer mais perguntas?

Anónimo disse...

Não vamos dizer que a comunicação social é «a» culpada do estado da nação mas o que não há dúvida é que tem muita responsabilidade. O próprio modelo social, a pressa, fazem com que os patrões das jornais, das rádios e das televisões não dêem tempo aos jornalistas para se prepararem e não invistam no jornalismo de investigação que é muito caro como todos sabemos. No entanto, se tratarem a comunicação social em geral como a do futebol o país muda logo.
Ventura Carlos