[sempre de acordo com a antiga ortografia]

domingo, 8 de agosto de 2010

Beirões e Zé Povinho

Cada vez mais elucidado [e enojado, direi de passagem…] com certas atitudes, protagonizadas por altos dignitários da medíocre classe de governantes, parlamentares e detentores do poder judicial – que, impune, ufana, bacoca e airosamente, se serve do povo, sabendo de antemão que este é incapaz de lhe responder à letra – deparei ontem com uma entrevista concedida ao Expresso pelo Procurador Geral da República, juiz conselheiro Pinto Monteiro.

“(…) Um beirão honesto nunca desiste daquilo em que acredita (…)” afirma Sua Excelência, com a convicção derradeira do argumento de pertença ao regional rincão pátrio. Independentemente de se saber se aquilo em que acredita o senhor juiz conselheiro é coisa sequer ponderável, releva do seu discurso a ideia de que aquela origem provinciana lhe confere o especial estatuto de calar a boca a todos quantos, não sendo beirões, já há muito tempo se quedam humildes e reverentes perante tão douta razão.

Pouco convencido, dei por mim fazendo contas. O que estarei eu devendo aos eventuais notáveis beirões da nossa praça? Porém, quando logo acudiram as duas figuras que mais contribuem para o desassossego dos meus dias, o Primeiro-Ministro e o Presidente da Câmara Municipal de Sintra, não tive qualquer vontade de continuar com a contabilidade. Caramba! Que significativa conta de beirões a minha!…

Tal como o PGR, também estes se recusam a desistir daquilo em que acreditam… Bem se vê ao que tem conduzido a teimosia destes beirões e a rica herança que vão legar, depois da polémica gestão da coisa pública, nos diferentes patamares do poder em que tão efemeramente [o poder é sempre efémero, embora haja quem esqueça...] se posicionaram. A verdade é que acederam a tais posições na sequência de votações democráticas. Pois é, em certas circunstâncias, a própria democracia consegue ser perversa…

De facto, por um lado, o governo do país nunca se confiou a alguém tão pouco competente e, por outro, em Sintra, fácil é a avaliação, basta percorrer as ruas da sede do concelho. Cabe perguntar se, pela cabeça destes beirões, passará a peregrina ideia de que a sua descida à capital do reino e arredores foi uma inevitabilidade salvífica? À Pátria e ao concelho, exangues, expectantes, não restaria outra atitude que não fosse terem-se prostrado, rendidos às inenarráveis capacidades de chefes marcados por cromossomas tão vernaculares?

Pensem só nas obras e omissões de tais personagens e não vos restará a mínima dúvida… Valha-nos Deus! A propósito, muito recentemente, passaram quarenta anos sobre a data da morte do mais famoso dos beirões, o tal que, orgulhosamente só, nunca desistiu daquilo em que acreditava. Enfim, com base naquela mesma sofismática convicção, e como tão copiosamente se demonstra, os seus continuadores não deixam escapar créditos para alheias mãos…

À guisa de remate, em resposta a quem ainda considere pertinente o beirão argumento constante da inicial afirmação do Senhor Juiz Conselheiro, apetece-me contrapor a linguagem gestual e inequívoca do nacional Zé Povinho, sempre de eficassíssima resposta a todos os petulantes que para aí nos atazanam os dias. Acerca desta proposta é que nenhuma incerteza se me oferece quanto à excelente companhia de inúmeros cúmplices…


PS

Bom vinho, boa leitura


Vá lá, por favor, não se excedam nas manifestações gestuais... É que faz imenso calor. Recomendo que se protejam, ficando por casa, em boa leitura, regando as horas vespertinas com um bom branco seco. Aqui há uns meses, recomendava eu um vinho frutado, com base Gewürztraminer. Logo me apelidaram de elitista. Confesso que acolhi o epíteto de boamente já que não veio a despropósito.

Renitente, e, assumindo o elitismo da circunstância, hoje, aconselharia um Riesling. Se não tiverem em casa, passem por uma boa enoteca e estou certo de que se surpreenderão com os preços favoráveis. No que respeita à leitura, a propósito da canícula que nos atormenta, vão por mim. Então, do Eça, queridíssimo e sempre actual, saboreiem lá o seguinte naco de prosa:

“(…) Entrei no quarto atordoado, com bagas de suor na face. E debalde rebuscava desesperadamente uma outra frase sobre o calor, bem trabalhada, toda cintilante e nova! Nada! Só me acudiam sordidezes paralelas, em calão teimoso: - «é de rachar»! «está de ananazes»! «derrete os untos»!... Atravessei ali uma dessas angústias atrozes e grotescas, que, aos vinte anos, quando se começa a vida e a literatura, vincam a alma – e jamais esquecem (…)”

(A Correspondência de Fradique Mendes)

O enquadramento da citação é precioso e a sequência absolutamente primorosa. Por amor de Deus, não se fiquem por este aperitivo. Obra curta, de deleite máximo e garantido, A Correspondência é indispensável à cabeceira dos queirosianos. Se quiserem descobrir porquê, logo verão como deixam de dar maior atenção às bacocadas dos engenheiros e bacharéis, sem eira nem beira, que por aí pululam, no governo e nas Câmaras…



5 comentários:

Anónimo disse...

Os senhores são mesmo elitistas, porque quando as questões são postas pelo povo, que não teve oportunidade de sair daqui, de estudar e de viajar para ficar culto como vós, não ligam.
Mas somos nós, os sem cultura e dinheiro para ir ver coisas boas a outros países que temos que viver cá, apenas com o que nos dão e nos tiram.

Fernando Castelo disse...

Meu caro João Cachado,

Permita que também me sinta atingido pelo comentário "ANÓNIMO" anteriormente publicado.

Salvo melhor opinião pouco claro, já que se abordava um tema transversal à sociedade portuguesa e o relaciona com uma certa e falsa vaidade que muita gente - não só boa, mas também má (politicamente, entenda-se)- pretende espalhar sobre eventuais virtousismos.

Temos aqui colocado os mais variados artigos e denúncias de factos que envolvem toda uma comunidade - incluíndo os eventuais interesses dos anónimos, no caso de serem sintrenses.

Então abordar-se a hipotética compra da Quinta do Relógio por mais de 6.500.000 euros (vai assim com zeros para se ver melhor) tem alguma coisa de elitista? Quando o presidente Câmara de Sintra diz que 48 por cento dos alunos do concelho são filhos de pais carenciados? Quando teme que o dia de amanhã pode ser pior que o de hoje? Quando diz que andou a rapar tudo o que era possível no orçamento de Câmara para o apoio social?

E tanta, tanta coisa que por aqui se fala, se alerta, mas a que ninguém do poder constituído liga, ou por despeito, por má fé ou por teimosia?

Compreende-se estas intervenções, anónimas, porque o que está em causa é a denúncia e a independência deste blogue.

Como seria bom que, pessoas assim, fossem mais concretas, apontassem, fizessem cartas-abertas se a tanto engenho tivessem arte.

Pela minha parte, se aqui escrevesse todas as coisas boas que vejo noutros países (também há más, sossegue o "ANÓNIMO") não teria capacidade para abordar os grandes problemas de Sintra. E abordo-os.

Um abraço, que o blogue está no caminho certo.

Anónimo disse...

Compreendi bem que o elitismo que o João Cachado diz que foi acusado no texto ontem publicado é por causa do vinho que aconselhou. Parece que não se deve confundir com os dois comentários anteriores.

Gostei muito e concordo com este post sobre os beirões. É muito irónico e está muito bem escrito. Infelizmente também tivemos a louraça trasmontana, não se esqueça...

Pedro Castro disse...

Colega Cachado,
Este beirão Procurador
conduziu o Ministério Público
ao degrau zero da dignidade.
Este beirão primeiro ministro levou o país para
o buraco que o Presidente
Sampaio não deixou o Santana Lopes levar. Este beirão Presidente da Câmara de Sintra
vai ficar na história como o autarca que em 10 anos
fez menos e pior do que qualquer dos seus antecessores.
De facto o João Cachado tem razão: - a Beira Alta
e a Beira Baixa não podem
orgulhar-se nada destes filhos apesar dos tais "cromossomas vernaculares"...
Saudações amigas,

Pedro Castro

Anónimo disse...

Acaba um texto sobre beirões ofendendo com um remate a recomendar um copo de branco seco. Não sou beirão e também não sei quase nada de vinho mas o melhor era um Dão.