[sempre de acordo com a antiga ortografia]

sexta-feira, 8 de outubro de 2010



Republicano exemplo


A propósito da comemoração do centenário da República, trago-vos uma genuína nota de republicana austeridade. Trata-se de um facto que, ao longo de anos, foi testemunhado pela minha avó paterna. Tendo nascido em Belém, ainda no século XIX, a avó Carolina, já senhora casada, assistiu à implantação da República. Embora católica fervorosa, era de família republicana e progressista e, ainda hoje, a sua memória é recordada pela dedicadíssima assistência que dispensava aos pobres da freguesia.

A casa da avó, na Rua Vieira Portuense, muito perto do palácio, permitia-lhe estar sempre a par do que se ia passando com tão ilustre vizinhança. Sempre com uma vibrante admiração pela veneranda figura de António José de Almeida, o médico dos pobres, contava ela que o Chefe de Estado ali chegava, todos os dias, como qualquer cidadão, no carro eléctrico da carreira normal. De eléctrico, meus senhores, aquele que ainda hoje é lembrado como símbolo dos valores da República!

Ah! Como falava a avó deste e doutros episódios por si vividos! Sabendo perfeitamente que estava a transmitir valores, contava-os quase teatralmente, certa do efeito que causava. Naqueles momentos, em que tinha plateia de netos à sua volta, a voz sublinhava, com apropriada ênfase, no uso da melhor retórica, as qualidades ou os defeitos dos protagonistas. Nenhum de nós ficava indiferente e, com certeza, manos e primos - dezasseis, só daquele ramo! - jamais esquecemos.

Naturalmente, vem o caso à baila apenas como paradigma de atitude de contenção, no respeito pelos recursos que a comunidade não autoriza sejam esbanjados. Que estupendo exemplo para os nossos conturbados tempos, em que qualquer medíocre funcionário da administração pública e afins se faz transportar em viaturas de um Estado que não faz contas!...

Ainda aproveitaria este pequeno apontamento para recordar que a tomada de posse do Dr. António José de Almeida também aconteceu num dia 5 de Outubro, mas de 1919, tendo-se mantido na Presidência, durante o inteiro mandato de quatro anos, caso único registado durante a I República.




4 comentários:

Rosa Lourenço disse...

Dr. Cachado,
Obrigada por esta história.
Os senhores políticos de hoje comemoram a República mas não estão dispostos a seguir os bons exemplos dos bons republicanos. Ninguém lhes pede que andem de eléctrico mas uma atitude de austeridade. Em Sintra é uma vergonha a começar nas empresas municipais, As mordomias todas somos nós que pagamos mas essa gente convém esquecer. Talvez comecem agora a sofrer o que andaram a gozar estes anos.
Não interessa se regressam aos postos de trabalho. Não merecem a sua preocupação. Nem eles nem os chefes.
Rosa Lourenço

Ester Cordeiro disse...

Depois do 25 de Abril o único presidente que seguiu este exemplo de austeridade republicana foi o Ramalho Eanes que é um homem muito sério e honesto, que não se serviu da política em seu proveito.
Antigamente a sua avó e os meus avós tinham exemplos para contarem aos netos mas hoje isso é muito difícil.
Ester Cordeiro

Fernando Castelo disse...

Meu caro João Cachado,

Aqui de volta, para salientar um pequeno pormenor, mas que dá um grande exemplo da pobreza política que anda por cá.

Segundo apurei, nos Paços de Concelho de Lisboa, foi o Presidente da República a hastear a bandeira nacional.

Aqui por Sintra, também apurei - por não estar presente - que foram agentes da polícia municipal que fizeram idêntico acto, dizem-me até que com aquele fardamento habitual, com reflectores por causa do trânsito.

Nestas pequenas coisas...

Silva Valdemar disse...

Caro João Cachado
É verdade que António José de Almeida ficará na História do país como exemplo das melhores virtudes republicanas.
Mas quando penso em dignidade na política lembro sempre Fernandes Tomás que foi a figura principal do Liberalismo português. Parece que morreu na miséria o que deve ser a melhor memória que um político pode deixar para o futuro.
Silva Valdemar