[sempre de acordo com a antiga ortografia]

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Erros de palmatória…


Eram oito horas quando, pela primeira vez, na manhã de anteontem, avistei parte do reboque do grande camion. Naquele momento, ao atravessar a Heliodoro Salgado, entre o Museu Berardo e a Caixa Geral de Depósitos, chamara-me a atenção o enorme volume branco que, algo estranhamente, uns metros mais abaixo, evoluía em marcha atrás, ocupando a maior parte da rotunda.

Na tentativa de me inteirar quanto à razão de tão insólita manobra, aproximei-me. Era mesmo um dos mais avantajados TIR que rolam por essas estradas da Europa. Inicialmente, não reconheci a origem da matrícula. Porém, um inequívoco dístico com as maiúsculas MD, a proximidade do Centro Cultural Olga Cadaval onde, precisamente para noite de sábado, estava programada uma récita de Rigoleto pela Companhia do Teatro de Ópera da Moldávia, levou-me à conclusão que os leitores também já decifraram.

Pude testemunhar o alto nível de perícia do motorista destes mastodonte. Era absolutamente impressionante o modo como manobrava. Fascinado, imaginava eu os pés daquele homem, em perfeita sincronia, accionando travões, acelerador, engrenando e desengrenando o avanço do monstro, umas vezes à frente, outras à retaguarda. Uns passos atrás, senhor de toda a cena, via à minha esquerda, a altíssima caixa do atrelado e o espelho retrovisor a milímetros de distância da parede exterior da Vila Alda. E, do lado direito, um pequeno automóvel que, ali estacionado, só aparentemente, era a causa imediata do insucesso da manobra.

Após sucessivas e cada vez mais sofisticadas tentativas de continuar recuando, para se aproximar da entrada de mercadorias nas traseiras do CCOC, o motorista rendeu-se à evidência. Era impossível. Entretanto, fui a casa buscar a máquina fotográfica com o objectivo de registar o episódio. E foi a circunstância de me ver com a objectiva em punho, que levou o condutor a interpelar-me, procurando perceber a minha intenção.

Entendemo-nos em italiano. Expliquei-lhe, então, aquilo que já tive oportunidade de escrever nestas páginas. Por ocasião das obras de adaptação do antigo cine-teatro, ao perceber que o futuro Centro Cultural não estava dotado dos dispositivos de carga e descarga habituais, alertei quem de direito. Claro que ninguém me deu ouvidos. E, também devido às características da implantação do edifício na malha urbana, sem que tivesse havido qualquer preocupação de desobstrução das imediações, naturalmente – como ontem mesmo era tão evidente – a própria rentabilidade da sala ficou comprometida.

Deveras interessado, fui acompanhando o episódio de sábado passado, ao fim e ao cabo, apenas mais um a acrescentar ao rol. Não pensem que foi fácil a resolução. E, tanto assim, que envolveu a intervenção de vários agentes da GNR que, paulatina e muito profissionalmente, foram resolvendo a situação. Afinal, como as imagens bem demonstram, a manobra foi igualmente dificultada pela presença de um outro automóvel cujo estacionamento provocou a chamada de um pronto socorro cuja chegada se verificou, cerca das onze um quarto, um minuto depois de o motorista do TIR já ter resolvido o problema.

Ao contrário do que alguns circunstantes iam opinando, o que ontem aconteceu não se deveu, de modo algum, ao estacionamento indevido, incorrecto, ilegal – qualifiquem como quiserem – de algumas viaturas que, estariam impedindo o acesso do grande camion ao seu destino. Na realidade, desde a inauguração, o que sempre sucede, quando é preciso concretizar idêntico movimento de mercadorias, é, isso sim, a consequência mais que previsível e lógica de uma errada opção técnica que, em devido tempo, a Presidente da Câmara Dra. Edite Estrela, não esteve à altura de colmatar.

Este é apenas um caso paradigmático e bem ilustrativo de como a desatenção, inépcia e incompetência de técnicos combinadas com a impreparação de um decisor político podem ter futuras e tão negativas consequências na comunidade. E, quanto aos custos, de toda a ordem, o melhor é nem abordar a questão porque há tanto pano para mangas que nunca mais daqui sairia.

Bem a propósito, podia lembrar que, na segunda metade do século dezanove, alguém absolutamente genial e de vistas largas, como um Richard Wagner, era capaz de prever, para o seu teatro de Bayreuth, a possibilidade de ali poderem entrar dois vagões de comboio carregados com material necessário à montagem de qualquer ópera… O que não se admite é que, no fim do século vinte e princípio do vinte e um, ainda haja gente tão desqualificada a prejudicar o bem estar de Sintra.

Voltemos ao caso vertente. Para que nenhuma dúvida subsista, o que aconteceu, durante mais de três horas, nas imediações do Centro Cultural Olga Cadaval, impedindo a concretização da manobra de condução de um veículo longo e pesado, hoje em dia perfeitamente corriqueira e sem a mínima sofisticação em qualquer latitude civilizada, só pode e deve ser entendido no quadro de uma deficiência estrutural. Porque a questão do estacionamento, eventualmente indevido, daqueles dois automóveis é coisa de mera circunstância.

Finalmente, uma vez que a situação é o que é, também se impõe que o CCOC pense numa estratégia de comunicação com a comunidade e, em especial, com os cidadãos que, habitualmente, estacionam as suas viaturas naquele local. Um dos agentes da autoridade, depois de se inteirar que, apenas dois dias antes, umas simples folhas de tamanho A4 tinham sido coladas nas paredes do edifício, avisando da impossibilidade de ali estacionar, afirmava que tal não podia ser, pois os responsáveis tinham de actuar com mais antecedência. Sem dúvida, e, acrescento eu, com algo mais visível que o tal papelucho branco, com letras a preto…

Naturalmente, nos nossos dias, é uma vergonha assistir, como há dois dias constatei e voltei a confirmar, à descarga manual de pesadíssimas caixas. Em condições normais, com toda a operacionalidade, os materiais saem do camion, transportados por empilhadores e pequenos porta-paletes, directamente para o interior das salas de espectáculo. Mas, se querem saber, apesar de difícil, há solução radical para o caso e sem grande investimento.

Apesar de não estar ligado ao meio dos espectáculos, uma vez que visito muitos auditórios por esse mundo fora, conheço não um mas vários casos onde, a posteriori – portanto, em teatros construídos há muitos anos – foi possível instalar expeditos cais de recepção, como se tal solução tivesse sido pensada de raiz. Que paradoxo! Até eu, perfeito leigo mas razoável observador, sei como remediar e resolver o assunto. Valha-nos Deus!...

NB:

1.Três horas e meia separam as situações registadas pelas primeira e antepenúltima fotos;
2.Reparem nas duas últimas. À distância de cinco metros, era isto o que se lia da mensagem...;
3.Atentem também na antepenúltima. Como se verifica, não há outra hipótese, senão a manual, para descarga dos materiais.







































[NB: este texto foi objecto de uma série de comentários inadvertidamente eliminados. O meu pedido de desculpa aos autores]

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