O caminho das pedras…
Finalmente, o governo decidiu apresentar o pedido de ajuda externa para saneamento das finanças públicas nacionais. Teimosa e demasiado perigosamente, até ao limite do insustentável, o Primeiro Ministro adiou a atitude que deveria ter sido concretizada muito, muito antes. Já há meses, os mais creditados economistas, de todos os quadrantes, afirmavam e confirmavam como este desfecho era previsível e inevitável, sendo constante o conselho de acelerar a decisão só agora tomada.
Não deixa de ser sintomático que o anúncio do Governo só tivesse sido feito na sequência de um insuportável ultimato dos mais importantes banqueiros nacionais que, cirurgicamente, foram debitando as suas impressões no contexto de entrevistas absolutamente determinantes e condicionadoras. Infelizmente, como tantas vezes aconteceu durante os governos liderados pelo agora demissionário José Sócrates, estivemos perante outra das suas declaradas faltas de sentido de oportunidade. Mais uma vez, não prestou o serviço que seria de esperar.
Neste fim de ciclo de governação, seria difícil acumular mais e constantes episódios de erro, trilhando caminhos ínvios, evidenciando a mais flagrante e completa baralhação. Em aperto financeiro que, dia após dia, ainda mais se degrada, desta vez, os cidadãos vão ser obrigados ao dispêndio de mais recursos que, afinal, teriam sido evitáveis se tivesse actuado a tempo, algo demasiado penoso, que comunidade alguma merece.
Verdade e esperança
Estou em crer que, só na sequência das diligências das comissões de negociadores internacionais, prestes a desembarcar em Lisboa, poderão os portugueses tomar definitivo e cabal conhecimento da calamidade das contas da nação, através da verdade que lhes tem vindo a ser sonegada e escamoteada. Quase perversamente, poder-se-ia deduzir que, quanto mais não fosse, por isto mesmo, já teria valido a pena solicitar a denominada ajuda externa…
Só o conhecimento da verdade poderá constituir alavanca para a mobilização cívica que se impõe como indispensável à eleição dos futuros deputados. É com base nessa mesma verdade que decorrerão as subsequentes negociações para a formação do Governo. E, não menos importante, será o conhecimento da verdade da situação que levará os cidadãos a aceitar os sacrifícios que lhes serão pedidos durante muitos anos.
Vezes sem conta, a maioria dos portugueses já ouviu afirmar que a comunidade nacional tem andado a viver muito acima das suas possibilidades. Todavia, esta asserção tão lúcida e sábia, não tem tido qualquer tradução minimamente expressiva ao nível da prática quotidiana. No entanto, finalmente, e sem margem para dúvida, agora não há outra solução que não passe pela rápida assunção geral da mudança de paradigma que está prestes a acontecer.
Viver de acordo com as possibilidades implica assumir a verdade de que este país ainda está muito aquém dos índices de desenvolvimento da média europeia, dentro e fora da zona euro, e que a superação das flagrantes desigualdades da distribuição da riqueza só será alcançável em conjugação com os ganhos da literacia, comuns nesta latitude de velho mundo culto e civilizado.
Por outro lado, a crédito de tudo quanto é suposto ter esperança, também se impõe considerar as potencialidades humanas e materiais, por explorar, para gerar a riqueza necessária à sustentabilidade dos compromissos. Este percurso para o desenvolvimento não se faz na facilidade da auto-estrada, antes exige a verdade de um caminho das pedras…
6 comentários:
Verdade, esperança, caminho das pedras, isto parece uma parábola religiosa. Mas tudo o que escreve é certo, infelizmente estou de acordo.
Rute Alves
Não acredito que alguma vez saibamos o estado das finanças mesmo com a entrada do FMI. Temos direito à verdade mas uma coisa é o direito e outra a prática do direito.
Paulo Serra
João Cachado, colega e amigo,
O João Cachado, o Pacheco Pereira , a Ana Gomes e outras vozes tão lúcidas não fazem caminho neste país. As pessoas em geral querem iludir-se, não estão nada preocupadas com a verdade e com a necessidade de mudar padrões de vida. Portanto não se iluda o meu amigo...
Carlos Sousa
O caminho das pedras começa amanhã. Mas muita gente ainda não se convenceu e quando cair na real vai ser muito duro. Tal como escreveu, ainda vamos pagar muitos miulhões (a mais...) porque o Sócrates teimou não pedir a ajuda
pelo menos um mês antes. Nas mãos de políticos como ele e Passos Coelho (que não é melhor...) estamos ainda pior do que julgamos.
S. Pinto
Verdade e esperança? O senhor acredita mesmo no que escreve ou é ingénuo? Com o Sócrates, Passos Coelho, Portas, etc, ninguém pode pensar em conhecer a verdade e quanto à esperança só se for por um canudo.
Só pelo caminho das pedras chegaremos primeiro à verdade e depois à recuperação que vai demorar muitos mais anos do que a intervenção do FMI.
Pedro Ribeiro
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