[sempre de acordo com a antiga ortografia]

quinta-feira, 3 de novembro de 2011



Miguel Sousa Távares,
ao pontapé na gramática


Desta vez, não me contenho. E não vos tomo muito tempo. Ontem, em diálogo com Rodrigo Guedes de Carvalho, durante o noticiário das oito da noite da SIC, alto e bom som, MST disse quaisqueres – como plural do pronome indefinido qualquer – e aplicou o termo perca, ao pretender referir-se à perda de alguma coisa.

O plural de qualquer é quaisquer. Qualquer miúdo do primeiro ciclo do básico o deveria saber. Ao meu neto, nos seus sete anos – vá lá, condescendam neste registo de avô babado – ninguém apanha em tal erro. Perca é o substantivo que designa um peixe do rio, não podendo ser usado no sentido de perda. A possível confusão derivará da coincidência da forma verbal da primeira e terceira pessoa do singular do presente do conjuntivo do verbo perder [que eu perca, que ele/a perca].


E estamos entendidos. Porém, entre outros deslizes, não sei se já repararam que, também erradamente, a exemplo de muitos falantes portugueses, MST diz am[a]ricano e núm[â]ro*. Confesso que não percebo. Ainda se tivesse nascido nalguma caverna de trogloditas… Mas, santo Deus!, filho de Sophia de Mello Breyner Andresen e de Francisco de Sousa Távares, ambos cultores do melhor português escrito e falado…

MST não é um qualquer anónimo. Pelo contrário, é um comunicador de referência. Em especial, no discurso falado, não pode deixar de ser irrepreensível. Acreditem que não tenho qualquer gosto em apanhá-lo nestas faltas. Respeito-o imenso pelo desassombro, pela coragem na assunção de causas que exigem uma verdade de ser e estar na vida, qualidades máximas de que MST bem pode orgulhar-se. É um cidadão de mão-cheia cujo exemplo de civismo militante é altamente inspirador.

Perto dele, não haverá alguém que lhe chame a atenção? Seria um grande favor, em especial, nos meios de comunicação social, a bem do correcto uso da Língua Portuguesa.

*Bem sei que não é assim que se faz transcrição fonética. Provavelmente, se a fizesse com correcção, muitos leitores não a entenderiam.


5 comentários:

Sintra do avesso disse...

Transcrição do facebook:

Leonor Florentino, Francisco Mouzinho, Ana D'Oliveira e 3 outras pessoas gostam disto.

Dora Santos

Com comunicadores como ele e outros que passam pelos media não admira que cada vez se fale e escreva pior português...
há 23 horas

João De Oliveira Cachado

De qualquer modo, minha cara Dora, julgo ser importante distinguir algumas situações. Creio que, no caso do Miguel, se trata de uma questão de desleixo, de 'puro' desleixo. Noutros, infelizmente, a coisa é bastante mais grave já que se tratará de' pura' ignorância.
há 23 horas

Dora Santos

Desleixo ou não, os media e quem neles comunica tem obrigação de não cometer tantos desleixos seguidos. Um por trimestre é aceitável, vários por entrevista, não!
há 23 horas

Carlos Gordo Obrigador senhor professor; é assim mesmo ! Tenho que me por a pau contigo, para também não ter que levar na tola ;-)
há 22 horas ·

João De Oliveira Cachado Está descansado. Nunca te apanhei em situações que tais. Eras bem novinho - se bem te lembras, conhecemo-nos em 1979 - e já escrevias muito bom português. Quem me dera estar descansado com toda a gente como podemos estar contigo... Não achas que tenho razão? Então isto não é uma praga? À tua medida, faz o mesmo. Não deixes passar sem reparo quem não fale e escreva o Português, como pode e deve. São familiares, amigos, conhecidos? Custa chamar a atenção? Não tenhas dúvida. São os que acrescentam o 's'' à segunda pessoa do singular do pretérito perfeito do indicativo [já fizestes? pedistes, escrevestes, perguntqastes....] É um horror. Vê tu que, nos Serviços de Ensino Básico e Secundário de Português no Estrangeiro, na Direcção Geral dos Ensinos Básico e Secundário, do Ministério da Educação, tive uma colega (professora destacada, licenciada em Românicas, directora de Estágios, que, sistematicamente, cometia este erro! Outros, dizem 'há-des', em vez de hás-de... É um perfeito horror. E, então, no que respeita à sintaxe, às concordâncias, às regências das preposições, é melhor não falar. Aqui há uns anos, costumava videogravar as entrevistas de determinados políticos - estou a lembrar-me da Manuela Ferreira Leite - para, posteriormente, utilizar em acções de formação de formadores. Era uma caça ao erro que, sem me atingir, me envergonhava sobremaneira. É preciso denunciar quem escreve e fala tão mal a sua própria língua. De certeza que, muito dificilmente, poderá pensar melhor...
há 18 horas ·

Carlos Gordo

Tens toda a razão e assino por baixo, (como dizia o outro, MAS SEM QUALQUER CONOTAÇÃO), excepto no que pessoalmente me diz respeito; pois se eu ainda ando a TENTAR aprender !!!! Então agora com esta coisa do novo acordo ortográfico ... Essa de andares a aproveitares as calinadas de figuras públicas é mesmo tipicamente tua mas tem graça, sim senhor. Tens que conhecer um meu compadre, de nome Luciano Pereira, de cujo filho sou padrinho e que tem uma tese de doutoramento muito interessante intitulada «A fábula em Portugal - contributos para a história e caracterização da fábula literária». Ele, como tu, é um militante do bem escrever e falar em português. Tive a sorte de ter trabalhado com ele, como foi sorte ter trabalhado contigo e não só. Fazíamos umas aulas mano a mano, muito engraçadas. Um destes dias temos que nos "ajuntar" e tirar a "barriguinha de misérias". Queres em Sintra, na casa dele em Setúbal ou na minha aqui no monte ?
há 13 horas

Sintra do avesso disse...

Mais transcrições do facebook:

Luis Miguel Correia Lavrador

Ai João, que tenho que ter cuidados redobrados sempre que lhe escrevo. Em relação ao Miguel é preocupante a quantidade de falhas, por se tratar de um jornalista e escritor. Aproveito para elogiar os revisores de texto das nossas editoras, responsáveis pelo extermínio de tanto erro ortográfico :)
há 3 horas

João De Oliveira Cachado

Meu Caro Luís, da sua banda, felizmente, o Português que me chega é irrepreensível. Acho, sim senhor, que devemos ter cuidados sérios de cada vez que aqui nos chegamos a partilhar ideias, sentimentos, impressões. Quem disse que é fácil? Quem ousa dizer ou escrever que, enfim, o que interessa é que nos entendamos e às malvas a correcção? Nunca poderei esquecer um episódio interessantíssimo que testemunhei, em França, de visita a uma família de gente educada, bem na vida, cuidadosa em tudo e também na expressão. Havia duas crianças, uma com onze, outra com seia anos de idade. Em determinada tarde, observando eu uma cena de brincadeira, sou brindado com a seguinte pérola: "Não digas assim, não percebes que não é inteligente?" Era o mais velho que corrigia um erro de concordância que o mais novo acabara de cometer. Porque, meu caro Luís, não era inteligente dizer assim... Aquela criança, afinal, mais não fazia do que evidenciaraquilo que todos os falantes intuem, ou seja, tinha a noção da inteligibilidade do discurso! E incomodava-se, porque a mensagem não 'batia' certa... Que lição, meu Deus! Que lição! Conto imensas vezes este episódio cuja substância é de valor incalculável. Uma criança que, aos onze anos, tinha aquela percepção do discurso, determinando-o, inclusive, à correcção do discurso de terceiros, é algo de surpreendente. É belo! Quem não percebe como é importante expressar-se capazmente, não percebe que o eventual esforço a que está obrigado, no sentido da correcção, constitui um recurso do próprio pensamento. Quem tenta expressar-se com correcção, faz o percurso mais eficaz do seu próprio pensamento. Só assim merecerá o respeito total do interlocutor que, apercebendo-se da atitude, natural-mente, tentará corresponder. Não acha que tenho razão? Abraço grande
há 2 horas ·

Luis Miguel Correia Lavrador Concordo em absoluto e a história que nos conta é deliciosa. Infelizmente não tenho por hábito corrigir os outros, por uma questão de melindre, não vá causar algum embaraço. Mas estou sempre receptivo a qualquer correcção que me seja feita :)
há cerca de uma hora

Sintra do avesso disse...

E continuo a transcrever:

João De Oliveira Cachado

Há sempre maneira de corrigir sem melindrar. Depende muito da situação e, particularmente, da relação com o interlocutor, do muito, algum, pouco ou nenhum à-vontade que se tenha com o outro. Há muito tempo que deixei de ter problema. Primeiramente, preciso é verificar se vale a pena a intervenção. Provavelmente, demasiadas vezes, não vale mesmo. Importa ser realista. Contudo, quando percebo que devo, intervenho mesmo, começando por pedir que não mal interprete a atitude. Com simpatia, sem sobranceria, dando a entender como é por bem, dificilmente entrarei nalgum terreno menos confortável para ambos. Este é um problema tão curioso que, já não sei quantas vezes, me vi na circunstância de explicar a correcção da minha expressão, depois de ter percebido que o outro, treinado e habituado no erro, evidencia alguma reacção. Tal é o caso, frequentíssimo, da conjugação dos verbos que têm duplo particípio. Deve dizer-se 'aceitado' ou 'aceite' quando, conforme as circunstâncias, o auxiliar é, respectivamente, ser/estar ou ter, o mesmo acontecendo com 'eleito' e 'elegido',
'absorvido' e 'absorto',
'acendido' e 'aceso', 'cegado' e 'cego', 'descalçado'e 'descalço','expulsado' e 'expulso', 'limpado' e 'limpo', 'matado' e 'morto',
'morrido' e 'morto', 'pagado' e 'pago' e cerca de mais 30 verbos portugueses. Não queira saber como, por vezes, quem fica na berlinda, sou eu porque, muito simplesmente, me dei ao luxo de conjugar correctamente...

Luis Miguel Correia Lavrador

A nossa língua é assombrosa e pródiga em dificuldades. Agora acrescidas, com o "desacordo" ortográfico...

Anónimo disse...

Creio que MST terá cometido alguns dos erros citados por mero desleixo ou por falar usando a pronúncia "afectada" das pessoas "bem".
Permita-me, quanto a um dos erros apontados, citar o Dicionário da Lingua Portuguesa, da Porto Editora, 8ª Edição, a pags. 1252:
perca, s. f. (Ictiologia, nome vulgar extensivo a um grupo de peixes;
perca, s. f. (pop.)»» perda

O Miguel usou a forma popular e desprezou a erudita ...

Sintra do avesso disse...

Senhor anónimo,

Porque me enchi de paciência para o aturar aqui me tem a fazer algumas considerações acerca do seu comentário que, desde já, lhe afirmo não ter sido particularmente feliz.

Em termos da linguística geral, qualquer dos erros cometidos por MST tem um enquadramento padrão. Para efeito dos casos que assinalei, é perfeitamente secundária a razão que justificará os desvios à norma. Assim sendo, pouco interessa se estaremos em presença de um episódio de desleixo, algo que, aliás, 'en passant', eu próprio referi. Porém, quanto à possibilidade de se tratar de "(...) pronúncia afectada das pessoas bem (...)", desculpará o anónimo - que, tudo leva a crer nada percebe do assunto em que se meteu - essa é matéria bem tipificada pela sociolinguística e que nada tem a ver com o caso vertente. Outra situação, essa de contornos caricatos, em que o anómimo incorreu, foi a de se socorrer do dicionário da Porto Editora como recurso de autoridade. Bom será que aprenda ser o Dicionário da Academia das Ciências de Lisboa o que, na circunstância em presença, deveria reivindicar como fonte de esclarecimento 'oficioso'. Aproveito para informar que, além do da Academia, está disponível, desde 2002, o belíssimo e completíssimo Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, 6 vols, que também mereceu o apoio da Academia das Ciências de Lisboa.

Naturalmente, na minha resposta à sua intervenção, apenas tenho em consideração o que registam ambos os citados. De facto, é quanto basta embora, além destes, ainda pudesse servir-me dos de Cândido Figueiredo, Morais, José Pedro Machado, por exemplo, além dos etimológicos. Tenho-os todos aqui em casa, à minha frente, no escritório onde trabalho. Muito naturalmente, nos verbetes correspondentes a 'perca', tais dicionários referem a acepção do uso popular. Ora bem, senhor anónimo, o facto de um dicionário registar o uso popular do termo - que, afinal, pertence a um campo semântico completamente distinto daquele que a norma aponta - não lhe confere o mínimo estatuto de correcção. Por outro lado, ao contrário do que o senhor anónimo afirma, 'perda' não é uma «forma erudita». Valha-o Deus, tanta confusão!...

Enfim, ignorando estes meandros, não fazendo sequer ideia da sua sofisticação, além de meter os pés pelas mãos, o senhor anónimo ambém acabou por meter a foice em seara alheia. Deixe, a quem sabe alguma coisa, as chamadas de atenção que, só os conhecedores, poderão fazer com um mínimo de autoridade.

Finalmente, repito, como comunicador de referência, MST não pode expressar-se com deficiências, eventualmente, indutoras de réplica sucessiva. Ao expressar-se num orgão de comunicação social, está obrigado ao respeito pela norma do Português padrão [claro que não me refiro à fonética]. Foi nesse sentido que intervim.

E, ao contrário do senhor, aqui me tem a assinar as palavras que lhe dirijo. Passe bem,

João Cachado