[sempre de acordo com a antiga ortografia]

sábado, 28 de janeiro de 2012

Mozart,
27 de Janeiro, em Salzburg



Como há muitos anos acontece em 27 de Janeiro, estando sempre m Salzburg para assistir à Mozartwoche, passo o aniversário de Amadé cumprindo um certo ritual que compreende três momentos matinais e um vespertino. Já agora, porque não é segredo entre dois irmãos maçons, um que passou ao Oriente Eterno há duzentos e vinte anos e outro, este humilde escriba que ainda por cá andará por mais algum tempo até se lhe juntar, ficam a saber o detalhe.

Primeiramente, vou comprar dois ramos de flores, sempre aos mesmos floristas ambulantes da Praça da Universidade, junto à grande igreja da Colegiada. Depois, dirijo-me à casa-museu onde nasceu o compositor para ir colocar um dos ramos junto ao retrato de Mozart que o seu cunhado Joseph Lang deixou inacabado. Finalmente, avanço para o Mozarteum onde entrego o outro ramo à Prof. Geneviève Geffray que, até Maio do ano passado, foi a Directora da célebre Biblioteca Mozartiana e principal guardiã dos tesouros dos Mozart.

Esta grande senhora é minha amiga de longa data. Jamais teria a minha vida tão facilitada em Salzburg não fora a sua interferência. Ela é uma verdadeira instituição. O mundo mozartiano deve-lhe imenso. Tem tido alguns reconhecimentos nacionais como a Legião de Honra da França, nomeadamente por ter sido ela a primeira grande investigadora a fazer a tradução para o Francês de todas as cartas da família Mozart. E, aqui, na Áustria, a concessão do título de Prof, análogo ao que, entre nós, é o doutoramento honoris causa.


Hoje mesmo nos fartámos de brincar a propósito de uma piada que ela própria assume a respeito da sua relação de trabalho com Amadé, ou seja, a relação de uma vida inteira dedicada à nobilíssima tarefa de o dar a conhecer em múltiplos aspectos e de preservar a sua herança. Assume a minha amiga a dupla condição de «Frau Mozart» e de «Mozats Witwe» ou seja, de Senhora Mozart e de viúva de Mozart…


Temos cumplicidades várias e, inclusive, o facto de tal como a minha mulher, ter atravessado um difícil problema de saúde, felizmente, ultrapassado com o maior sucesso, já lá vão treze anos. Com o seu exemplo, foi uma fonte de motivação e ânimo em minha casa.


É uma senhora queridíssima com quem, na minha dupla condição de membro do Mozarteum e também de maçon, tudo tinha combinado mas não consegui levar a cabo no sentido de, no Museu do Grande Oriente Lusitano, expor peças originais de Mozart e falar acerca desse espólio. A nossa obediência afirmava não dispor de verba para o efeito e, apesar dos meus esforços e dos do Venerável da minha Loja, não conseguimos fazer vencer o argumento de que a própria exposição constituiria uma séria fonte de receita. E ainda dizem que os maçons são terríveis para o negócio…


Continuemos, então, com o meu ritual, na sua componente vespertina. A coisa acontece na igreja de São Pedro onde se sabe que Mozart passou alguns momentos muito agradáveis. É curioso que, tanto para mim como para a minha amiga G. Geffray, este templo recatado, na maior parte do tempo até bastante sombrio, tem uma especiaslíssima carga do nosso Amadé. Não, não é coisa que se explique mas anda no ar…


É ali que vou ouvir uma gravação da Missa em Dó menor, KV 427 que lá mesmo foi cantada pela primeira vez em 26 de Outubro de 1783, tendo Constanze como intérprete de uma das partes de soprano. Se me perguntarem como faço, nenhum problema terei em dizer-vos que, praticamente, é em versão artesanal, com um CD player portátil. Pois, sim senhor, tenho um desses aparelhos mais recentes MP qualquer coisa mas não me entendo. E estou tão habituado ao outro que o esforço de adaptação não vale a pena. E assim faço a minha celebração, convindo lembrar que celebrações oficiais não há.


Então, a cerimónia

Não é frequente que a Mozartwoche se inicie no dia de aniversário do compositor, como este ano acontece. Hoje, 27 de Janeiro, nos duzentos e cinquenta e seis anos do nascimento de Amadé – já ontem vo-lo tinha anunciado – começa o Festival de Inverno mais famoso do mundo, com uma abertura solene, de acesso por convite e reservada aos membros do Mozarteum, entre os quais tenho a honra de me incluir.


Sem entrar em grandes detalhes, dir-vos-ei que estava apinhada a Wiener Saal do Mozarteum onde decorreu a cerimónia, singela mas tão sofisticada, como só aqui sabem fazer quando pretendem honrar a Música e os Músicos. Começou, com o Adagio do Quinteto KV 593 que, também ontem, já vos dei a ouvir. Continuou com discursos mais ou menos de circunstância, aqui e ali salpicados de genuína emoção, sempre quando se referiam ao homenageado.


Falaram o Presidente da Fundação, o Bürgermeister (Presidente da Câmara) de Salzburg, o presidente da Região, o representante da Ministra da Cultura, o Director artístico da Mozartwoche que fez a laudatio de András Schif. Foi concedida a medalha e, então, falou o pianista. Lentamente, muito emocionado, comovida e empenhadamente envolvido com os difíceis momentos que se vivem na sua Hungria natal, disse o que deve a Salzburg e ao Mozarteum e, principalmente, ao próprio Mozart.

Sublinhou aquilo que, tantas vezes, eu tenho dito e repetido – algo que me faz vir a Salzburg todos os anos, em especial, durante a Mozartwoche – isto é, como está grato por a Fundação continuar a proporcionar programas contra a lógica comercial, do marketing das grandes companhias discográficas. Falou de si, naturalmente, para se apoucar perante a notoriedade excepcional de quem o precedeu nesta excepcional distinção, tais como Karl Böhm, Bruno Walter, Paumgartner, Nikolaus Harnoncourt…

Naturalmente, aplaudindo vibrantemente e de pé, todos o saudámos com a maior sinceridade e emoção, gratos por tantos e excelentes momentos musicais de serviço a Mozart. Seguidamente, o mesmo conjunto de músicos – entre os quais se incluía a violinita Yuuko Shiokawa, mulher de András Schiff, também presença constante enquanto membro da Cappella Andrea Barca – interpretou o Menuett da mesma e já referida peça.


Só para que tenham uma pequena ideia do savoire faire desta boa gente, pois fiquem sabendo que a cerimónia de Abertura da Mozartwoche que começou cerca das cinco da tarde, teve aqueles discursos todos, mais dois momentos musicais do mais alto gabarito, seguindo-se um beberete estupendo e quando faltava um quarto para as sete já toda a gente saía. É verdade, hora e meia é quanto basta e ninguém se maça.


Até porque não podia ser de outra maneira já que, às sete e meia, no Landestheter, a cerca de cinquenta metros, seria apresentado o primeiro espectáculo do programa oficial da Mozartwoche sobre o qual, mais logo, vos apresentarei outro texto.


E, a finalizar, a peça completa, da qual a Fundação Internacional do Mozarteum de Salzburg seleccionou o Adagio e o Minuetto para audição na cerimónia de lançamento do Festival. Não deixem de reparar nos intérpretes desta gravação.



Boa audição!


v_qXHMzCXzs Mozart -

String Quintet No. 5 in D major, K. 593 http://www.youtube.com/

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