Neste sudoeste atlântico à esquina do
Mediterrâneo, sou directo herdeiro de um legado que, há milhares de anos, está colado
à grega radicalidade de conceitos que se verteram em palavras inculcadas na nossa
matriz comum de homens, de cidadãos nacionais e europeus. Senhor deste
património, vivo dias de perplexidade, perante a desfaçatez com que são postos
em causa os elos perenes que nos prendem à Grécia. E, desolado, passeio-me
entre os estilhaços da nossa vinculação
ao ideal da Europa unida.
Por enquanto, o que prevalece é a palavra
de desqualificada dos governantes afirmando que «nós» não somos gregos. Vítima
deste tremendo disparate, reconhecendo quem nos
pretende roubar a evidente pertença helénica, percebo-lhes a manobra do tirar a água do capote na tentativa de salvar
a pele de um contágio de aparente praga alheia que, afinal, é bem nossa, qual
endemia que alastra e afecta tantos
milhões de europeus.
Tão grego como português e espanhol ou também francês, inglês e alemão, na profunda
e sincera partilha do estupendo programa proposto por Maurice Schumann, Konrad Adenauer, Paul Henry
Spaak, os grandes construtores da nova
Europa – que, desde muito miúdo, me habituei a admirar pela mão dos meus pais e
avós – eis o meu privilégio de europeu, a braços com uma inquietação impossível
de calar.
Ao discurso da indignidade, à verborreia da
ignorância, à falta de lucidez, como contrapor a honrada luta pelo ideal
europeu e o caminho em direcção à União,
à Democracia, sob os auspícios da Liberdade, da Igualdade e da Fraternidade, a
magnífica tríade cultural que nos define e que tanto deve à herança helénica? Este
o desafio maior ao qual cumpre responder nos atribulados tempos que nos coube
partilhar.
* texto publicado na edição de hoje do Jornal de Sintra
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