Por caminhos ínvios
Em especial, depois da eclosão da crise, muito naturalmente, nos fomos habituando a verificar o aumento do trânsito de automóveis ligeiros nas estradas nacionais que percorremos. Mas, meus caros amigos, nunca como anteontem, ao fim da manhã, circulando na estrada nacional entre Alcácer do Sal e zona da Marateca, me apercebi do aumento absolutamente esmagador de veículos cujos condutores, na mesma via, mas em sentido contrário, fazem opção idêntica.
É a penúria a escancarar as entranhas da crise e a demonstrar a falência dos megalómanos projectos rodoviários com que políticos de todos os quadrantes partidários comprometeram o futuro do país. Os números são eloquentes. O tráfego de veículos ligeiros nas AE tem-se reduzido dramaticamente. O cenário de auto-estradas desertas é confrangedor. O investimento de milhares de milhões de euros foi absolutamente suicidário e está a resultar num prejuízo escandaloso para os contribuintes.
É, escusadamente, o horror instituído num país onde uma boa e coerente rede de vias rápidas - incomparavelmente mais consentâneas com as características nacionais, tanto a nível dos limitadíssimos recursos como da própria geografia - teria resolvido os grandes problemas de trânsito e circulação de pessoas e de mercadorias.
Quem isto mesmo escreveu e propôs, enquanto Ministro da Economia dos II e III Governos Provisórios, foi Rui Vilar, alguém que, na verdade, tem estofo de homem de Estado e que, há quase quarenta anos, percebeu não ser este o caminho das soluções para a rodovia portuguesa. Enfim, não era solução que pudesse enquadrar as estupendas negociatas que as auto-estradas sempre acobertam…
Muito recentemente, com o caso da empresa Tecnovia, que estará prestes a dispensar cerca de 500 trabalhadores, voltou à carga o discurso da pseudonecessidade de construção daquela AE entre Sines e Beja que nos custaria bem mais do que mil milhões. Veja-se como empresários e autarcas coincidem no mesmo irresponsável discurso… Partindo do princípio de que se tratará de um eixo primordial, ligando Sines ao interior da Península, a ninguém terá passado pela cabeça a solução da via rápida? E a ferrovia, vai ou não vai avante?
Claro que ficamos preocupadíssimos com mais esta perspectiva de desemprego que atingirá centenas de famílias. No entanto, precisamente a propósito deste sector, já se chegou à conclusão de que até nem sobra mão-de-obra se esta for afecta à beneficiação e reconstrução do gigantesco e degradado parque imóvel nacional, através de pequenas e médias empresas, dinamizadoras do tecido social. Se o horror que estamos a viver já é totalmente insuportável, porque não vemos passos decisivos neste sentido?
Mas, em geral, o que podemos nós esperar do gabarito dos decisores políticos que temos elegido, ou seja, de gente que, a montante, com a maior incompetência, ignorou os sinais da crise global e nos conduziu ao descalabro do estado de bancarrota e, a jusante, de desqualificados pseudoliberais que, nem por sombras, conseguem entender a situação que era suposto dominar e, muito menos, alterar de acordo com soluções justas e oportunas?
Infelizmente, cumpre assumir que, só na aparência, estão funcionando com regularidade as instituições do Estado Democrático de Direito. Nem o Presidente da República exerce o «magistério» que dele se espera, nem o Parlamento legisla e controla a actividade do Executivo, com a qualidade que os eleitores têm direito, nem o Governo toma as medidas que se impõem. Quanto ao Poder Judicial, com os seus calamitosos atrasos, é o que se sabe e, em relação ao designado «quarto poder», o da comunicação social livre, chegou-se a um ponto verdadeiramente preocupante.
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