[sempre de acordo com a antiga ortografia]

domingo, 28 de outubro de 2012




Sintra,
tolerância zero*

[texto publicado na edição de 26.10.2012 do Jornal de Sintra]
 
Infelizmente, basta andar umas dezenas de metros nas mais frequentadas artérias de Sintra, quer do bairro da Estefânea quer da Portela, na freguesia de Santa Maria e São Miguel, em pleno coração da sede do concelho, para verificar como tem estado e se mantém tão comprometida a qualidade da circulação das viaturas de quantos demandam esta área de comércio e de serviços para a resolução dos seus assuntos do dia-a-dia.

Aquilo que acabei de designar como compromisso da qualidade de circulação é algo que contribui, decisivamente,para pôr em causa, em termos mais precisos e abrangentes, a própria qualidade de vida em toda a zona. Entretanto, para que estas considerações sejam minimamente entendíveis e relacionáveis com a realidade local, cumpre lembrar que a articulação entre Estefânea e Portela – dois dos mais importantes acessos de Sintra – ficou fatidicamente prejudicada pela incompetente decisão de encerrar totalmente ao trânsito a Rua Heliodoro Salgado.

Estefânea-Portela, um eixo de asneiras

Tal opção resultou, a jusante, numa solução muito controversa e altamente contundente. A atestá-lo, há mais de uma dúzia de anos, bem sabemos como se instalou um labiríntico circuito de trânsito cujas negativas consequências materiais são inimagináveis. Pensem na poluição gerada, conjecturem sobre a contabilização das perdas de tempo, considerem o stresse decorrente e todos os demais danos colaterais e não vos será difícil concluir como a tanto pôde chegar a falta de ponderação dos responsáveis.
De qualquer modo, para que fique completo o ramalhete das asneiras – que, aliás não me acusa a consciência de não ter denunciado, em devido tempo, aquando da própria apresentação do projecto – ainda teremos de acrescentar o facto de a zona pedonal conquistada, de péssima qualidade de concretização, nomeadamente, nos aspectos técnicos e estéticos, não ter gerado qualquer dos benefícios que os autarcas de então consideravam que seriam inequivocamente alcançados. Foi prejuízo total…
Porém, neste sumaríssimo exercício de análise das dificuldades que transeuntes e condutores enfrentam quotidianamente, estamos longe de ter esgotado o rol dos malefícios em presença. Por exemplo, ainda importa equacionar a medida em que se potenciaram os factores de risco, suscitados por qualquer anomalia, por muito insignificante que se revele, tal como o imprevisto e incorrecto estacionamento de uma viatura que impeça a normalidade do fluxo do tráfego.
Querem um exemplo? Nesta manhã de 23 de Outubro, circulando eu a pé pela Rua Dr. Alfredo da Costa, acompanhei a evolução de uma camioneta de passageiros cujo condutor se viu em palpos de aranha. Chegado à zona do Centro de Saúde, foi obrigado a parar porque os carros estacionados em zonas proibidas, tanto à esquerda, devidamente assinalada no pavimento com largos riscos diagonais amarelos, como à direita, impediam a continuação do serviço. E o homem parou, o tempo que foi preciso, até aparecer o condutor de um dos carros que libertou a via. Uns metros à frente, em plena curva de acesso à Rua Dr. Miguel Bombarda, estava estacionada, em cima do passeio, uma pequena camioneta fechada e, junto ao passeio do lado oposto, estacionada estava outra camioneta de distribuição de refrigerantes. Claro que o homem voltou a parar, não conseguindo fazer a dita curva. Não sei quanto tempo demorou a resolver a situação porque continuei o meu percurso.
Ó da guarda!

Concluamos. Perante o estado das finanças públicas, independentemente de outras pertinentes considerações, a verdade é que, durante uns bons anos, não haverá disponibilidade de verbas para emendar os disparates  que herdámos há já tanto tempo. Pois, então, se vamos ter de continuar a sofrer as consequências de tamanho despautério  – que até poderia ter sido agravado não fora a nossa determinação quando nos opusemos à destruição da Volta do Duche – então urge que, inequivocamente, cada vez mais contemos com a imprescindível acção das forças policiais.
E cá venho bater à porta de quem pode. Com o maior agrado, até temos reparado no bom trabalho que, tanto a PM como a GNR estão a desenvolver, em especial no que se refere ao estacionamento. Temos acompanhado e, ainda assim, eventualmente, não imaginamos as dificuldades que, em nosso nome, enfrentam os agentes. Certo é que não podem estar naquele lugar e naquele momento em que alguém prevaricou e pôs em causa os direitos de terceiros.

No entanto, como não aproveitar este ensejo, para lhes solicitar uma radical tolerância zero para casos idênticos aos que apontei e, portanto, também um especialíssimo controlo do transporte e distribuição das mercadorias, nas ruas do centro vital do concelho, em estrita observância do regime de cargas e descargas? Como poderia perder a oportunidade de lhes solicitar uma intervenção que, cada vez mais, contribua para instalar as práticas civilizadas que tanto admiramos quando nos deslocamos lá fora?
Entre nós, a realidade é bem dura e muito diferente do que, por exemplo, se passa noutros países da União Europeia. Entre nós, infelizmente ,bem sabemos como, bem doseados, os baixos níveis de escolaridade, a falta de civismo, a iliteracia e a ignorância acabam por se traduzir numa mistura explosiva de atitudes absolutamente lamentáveis no domínio do trânsito e do estacionamento. Quanto aos autores das faltas? Pois bem, como sempre, só foram mesmo ali, num instantinho, voltam já… São cenas constantes, recorrentes. Estamos fartos!

Trata-se de gente, infelizmente, ainda tão indisciplinada, gente tão habituada a viver e a conviver com os mais evidentes manifestos da cultura do desleixo institucionalizado, gente que não pode ser objecto do mesmo tipo de tolerância que, noutras latitudes, se observa como algo de perfeitamente excepcional e que, entre nós, em resultado da frequência, se traduz, como todos sabemos, numa tolerância que acaba por evidenciar os mais perversos efeitos.
Tolerância zero! Por favor!

*Depois de tanto já ter escrito acerca deste assunto, é natural que volte a utilizar o título de um artigo que subscrevi há alguns anos, publicado nestas páginas do Jornal de Sintra.

 

 

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