[sempre de acordo com a antiga ortografia]

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013



[Passo a transcrever o artigo que subscrevi para a edição de hoje, 25 de Janeiro de 2013, do ’Jornal de Sintra’. É curioso que, ao escrevê-lo, ainda desconhecia que a Parques de Sintra Monte da Lua iria promover uma acção de voluntariado que, de algum modo, também eu propus no post scriptum.

Como sabem, estou em Salzburg. Hoje de manhã passei em Mönchsberg e, agora à tarde, acabo de regressar de Kapuzinerberg, lugar
es aos quais se reporta a «lição» referida no texto. Tudo continua a correr favoravelmente. É fantástico como, tendo a tempestade acontecido há apenas meia dúzia de anos, com consequências horríveis, hoje em dia até pareça que nada aconteceu.]

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A tempestade e uma lição alheia

A meio da manhã do passado sábado, durante a minha caminhada, tanto quanto logo se me evidenciou, pelo que senti, vi e me apercebi, a situação era preocupante. Havia muitas árvores rachadas, caídas por todo o lado, desde a Estefânea a São Pedro, por um lado, ou, por outro, na Volta do Duche, junto ao muro da quinta que bordeja o passeio do lado esquerdo em direcção ao centro histórico.

Mais ou menos longe, mesmo não avistando os carros de bombeiros, as sirenes bem davam conta do desusado movimento de socorro em acção. Continuando o meu vaivém, tropecei em imensos troncos, tronquinhos, ramos, muitos ramos e volumosas ramadas que as rajadas foram arrancando. Olhando para cima, em direcção ao Castelo dos Mouros e à Pena, tive a certeza de que as coisas não poderiam deixar de ameaçar as mais funestas consequências.

De qualquer modo, a dança das árvores, a firmeza de algumas centenárias, grossas, quase impávidas, enquanto à sua volta tudo andava num remoinho , a chuva abatendo-se em bátegas espessas, descendo e redopiando à velocidade das rajadas, o ranger das madeiras doridas da violência dos elementos, de qualquer modo, repito, um espectáculo sublime, num ritmo avassalador que os sentidos mal acompanham.

Regressando a casa, recebi uma nota do gabinete de comunicação da Parques de Sintra Monte da Lua que, nas linhas e entrelinhas bem expressava o que era preciso ir ver à serra. E, não sendo fácil a aproximação dos locais, lá fui como pude. Na Quintinha, junto a Monserrate, junto ao portão do Châlet da Condessa, num dos extremos do Parque da Pena, em especial neste último lugar, a desolação mais confrangedora.

A casa do guarda atingida, um gigante caído a poucos metros do châlet, o jardim indescritivelmente sofrido, a fúria estampada nos verdes desgrenhados, nos castanhos matizados de troncos enegrecidos, canteiros e caminhos enlameados por escorrências descontroladas… E os rostos abatidos, os ombros caídos, sob os oleados molhados, de quem se dói e condói, perante tanta destruição. Que ira aquela, dos elementos que não pouparam o jardim, amoroso, à volta do ninho dos amores… Agora, quanto e quanto trabalho, de mais e mais recuperação, quando tudo ainda estava tão fresco.

Uma estupenda lição

Deixo o local e vou avançando. Há uma quantidade enorme de árvores derrubadas, Fala-se em duas mil, não sei. Enquanto uma natural tristeza ia tomando conta de mim, logo me ocorreu um cenário muito semelhante, só que muito branco, de neve por todo o lado, que presenciei, há uma meia dúzia de anos, na montanha que, de um e outro lado do rio Salzach, emoldura o grande vale ocupado pela cidade de Salzburg.

Ventos ciclónicos, de mais de duzentos quilómetros à hora, tinham arrasado centenas de velhíssimas árvores, anteriores a Mozart e a Haydn que, há mais de duzentos e cinquenta anos, já se passeavam sob as suas densas copas. Naquela altura, os caminhos de Mönchsberg e de Kapuzinerberg, que sempre procuro com a avidez de quem sabe ir encontrar o que só ali existe, estavam diferentes. Tinham acolhido cadáveres gigantescos. De campo santo, isso sim, era o ambiente.

Como costumo fazer estadas prolongadas, fiquei na cidade o tempo bastante para beneficiar de uma das melhores lições que, afinal, tão negativo cenário poderia ter suscitado. Muito resumidamente recordo que as autoridades florestais da região aproveitaram o ensejo para fazer pedagogia pública, precisamente, naquele cenário de calamidade.

Através de painéis estrategicamente distribuídos, circunstanciaram as origens da tempestade e, tendo fotografado as imediatas manobras de remoção, corte e aproveitamento da matéria lenhosa, reproduziram tais documentos que ilustravam curtos textos, muito acessíveis. E, meus caros amigos, no que me pareceu uma das melhores atitudes, noutros painéis, o discurso era no sentido de sossegar as pessoas.

Por um lado, informavam que as consequências da calamidade estavam devidamente enquadradas e que teriam um constante apoio técnico, de acordo com um cronograma também anunciado e, por outro, não deixavam de lembrar a capacidade de regeneração natural, em todos os aspectos, tanto ao nível da flora como da fauna locais.

Uma estupenda lição, assim escrevi em subtítulo. De facto, foi. De facto, continua sendo. Depois deste episódio, já não sei quantas mais vezes lá tenho ido e sempre confirmando como «a lição» foi certíssima e permanece totalmente adequada. Quando lerem estas linhas, é curioso, já estarei novamente em Salzburg. E, de certeza, depois das subidas a Mönchsberg – provavelmente, aquando de uma das minhas visitas ao Museu dos Modernos – ou a Kapuzinerberg, pelo Stefan-Zweig-Weg, passando algumas manhãs e tardes, lá estarei dando conta da formidável maneira como, com a sábia intervenção do Homem, a natureza reage tão surpreendentemente.

Já enviei um recorte destas impressões à Parques de Sintra Monte da Lua, em especial, ao cuidado do Prof. António Lamas e do Engº Nuno Oliveira. [É verdade, porque não lhes enviam um abraço neste momento tão doloroso? Imaginam como gostariam dessa lembrança?]. Talvez seja possível fazer algo de semelhante numa altura em que estamos todos tão consternados. Uma boa lição, como sabem, não tem limite de réplica…

Ps: É verdade, só mais um «recado». Se estamos tão evidentemente preocupados com o que aconteceu, por exemplo, junto ao Châlet da Condessa, porque não nos oferecemos para dar uma ajuda no que for preciso? Ou seremos nós daqueles que nos limitamos a alinhar nas campanhas, subscrever umas petições e atirar «umas bocas» no facebook, no Dia do Voluntariado?

[João Cachado escreve de acordo com a antiga ortografia]
 
 

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