CARTA DE DESVINCULAÇÂO DO PARTIDO SOCIALISTA
- FÁTIMA CAMPOS SUBSCREVE NOTÁVEL DOCUMENTO
[Texto publicado no facebook em 19.02.2013]
Acabo de ter acesso à carta que Fátima Campos remeteu a Marcos Perestrelo. Como verificarão, é mesmo um documento notável. Tal como previa quando, esta manhã, partilhei a notícia que se soube, já estão a circular lamentáveis comentários anónimos "encomendados". Eis a peça que reputo do maior interesse e actualidade.
João Cachado
Caro Marcos Perestrelo,
As decisões graves - com conteúdo de elevada importância e consequências substantivas – carecem de uma reflexão aturada a precedê-las e de uma explicitação inequívoca.
Se a primeira vem sendo realizada há vários meses, é agora, resoluta que estou, o tempo e o modo de concretizar a segunda.
Como, não sendo uma formalista, ainda sou uma institucionalista, e igualmente porque tenho estima por ti, entendi dirigir-te estas linhas, que seguem uma lógica de fundamento-decisão.
O Partido Socialista (PS) está mal, meu caro Marcos.
Bem sei que é um problema geral (de todos os partidos, especialmente dos que concentram maior poder), até sistémico, mas é no PS que milito e é nele que deixei de me rever.
O processo de deterioração leva já longos anos, mas acelerou-se neste século, com um percurso de uma eficácia terrível: das bases para o topo, tal como a “metastização” de um corpo enfermo.
O concelho de Sintra é um infeliz mas elucidativo exemplo do que referi. A degradação – até mesmo o aviltamento – dos processos e dos responsáveis partidários socialistas é arrepiante. A representatividade foi substituída pelo individualismo, a qualidade pelo amiguismo “encarneirado”, o trabalho pela intriga, o bem-estar da população e o progresso do território por interesses individuais ou de grupo marginais aos que deviam ser imperativos.
Podia citar-te dezenas de exemplos, mas a bem da economia do tempo de ambos, passo a referir uma mão cheia deles, escolhidos pela sua gravidade e variedade.
- ausência de um verdadeiro acompanhamento, com apoio efectivo e articulação de posições entre a concelhia do PS e os autarcas eleitos pelo concelho, nomeadamente os das Juntas de Freguesia (em especial presidentes de Junta). Do célebre caso das linhas de muito alta tensão à contestação à distribuição desigual de verbas, por parte da câmara, entre as freguesias lideradas por autarcas da Coligação Mais Sintra e por autarcas Socialistas, o denominador foi/é o mesmo: eleitos do PS deixados “à sua sorte”, sem o apoio expectável da estrutura partidária local
- escolhas absurdas para cargos/posicionamento nas listas que, pela ausência de qualquer outro critério inteligível, apenas poderão ter sido realizadas numa óptica de amiguismo e compadrio, que consegue, de uma só vez, afastar quem tem capacidade e merece estar nestes lugares e lá colocar quem não tem perfil nem curriculum. Refiro, concretamente e sem falsos pruridos, entre muitos outros episódios, aquele em que me vi relegada para as calendas de um trigésimo e tal lugar na lista concorrente à comissão política concelhia de Sintra do PS. Tenho a certeza que as minhas capacidades, o meu percurso e o reconhecimento público do meu trabalho (pelos vistos, bem maior do que o interno) justificavam um outro lugar na mencionada lista
- a intriga permanente e o desejo de sabotar o trabalho de quem é um obstáculo às aspirações individuais/de grupo de quem tem ou pretende vir a ter lugares de responsabilidade/chefia no PS-Sintra ou em representação do PS nas instituições de democráticas. Insere-se estritamente nesta lamentável lógica, a instrução dada, por alguém com responsabilidades partidárias a nível concelhio, a um elemento do Executivo da Junta a que presido, no sentido de “apanhar alguma coisa de ilegalidade para podermos lixar a gaja.”.A encomenda acabou por me ser relatada, exactamente nestes termos, pelo tentado operacional da cilada, que acabou por me relatar todo o sucedido e identificar o mandante
- a autêntica “chapelada” a que pude assistir (como delegada) nas últimas eleições para secretário-geral do PS (relatada por mim na respectiva acta) e que me fizeram supor/projectar o pior noutros actos eleitorais internos
- a escolha (afinal local ou nacional?) do candidato à Câmara Municipal de Sintra, alguém que, pese embora a notoriedade nacional e mediática, não tem qualquer experiência ou vocação autárquica conhecida, nem ligação a Sintra, muito menos um percurso político coerente
- o processo de escolha do candidato à Assembleia de Freguesia da União das Freguesias de Massamá e Monte Abrão, que em nada tem sido transparente e que simula uma decisão aberta a ser tomada no próximo dia 25, quando, de facto, tudo já está decidido. Acresce, e no meu caso particular acresce com muitíssimo relevo, que, em todo este tempo, nunca me foi dada uma só palavra esclarecedora sobre o que iria ser feito. Sou “apenas”, a presidente da Junta de Freguesia de Monte Abraão há mais de 15 anos (com maioria absoluta), e autarca há perto de 20 anos, com trabalho reconhecido pelos cidadãos e instituições locais, e que na liderança de uma equipa que soube escolher, tantas e importantes vitórias possibilitou ao PS
Meu caro Marcos Perestrelo,
O panorama nacional, e como muito bem sabes, também não é animador. E o problema não é de hoje.
Comecei por ver, com profunda tristeza, logo no início do seu consulado como primeiro-ministro, o ataque gratuito que o também anterior secretário-geral do partido (José Sócrates) fez aos autarcas através da vistosa mas inócua (como agora bem se percebe) lei da limitação dos mandatos autárquicos.
Prossegui o meu espanto, então já acompanhado de indignação, em inícios de 2010, com a ausência de defesa dos presidentes de Junta (ou mesmo silêncio cúmplice) por parte de altos-responsáveis do PS, após a infâmia do então ministro das finanças, Teixeira dos Santos, em pleno Parlamento (o salário dos presidentes de junta serem “money for the boys”).
Finalmente, constato, no último ano e meio, a ainda menor (diria mesmo já inexistente) meritocracia no interior do partido, desde que este secretário-geral foi eleito. É notório por quem decide e por quem vai ocupando, ao jeito de teia meticulosamente urdida, os lugares intestinos no partido. O PS parece hoje uma coutada dos amigos e de alguns tolerados de António José Seguro.
Todo este estado de coisas desencorajou-me a continuar na casa onde milito desde 1990. O partido não é o mesmo, os princípios e as condutas alteraram-se, as referências de quem dirige nacional e localmente o partido aviltaram-se.
Continuo – nos ideais e na referência da história democrática – a ser socialista. Mas o Partido Socialista português mudou, alterou-se para pior. Degradou-se. Ao ponto de nele já não conseguir coexistir com pessoas e processos que são tudo menos indiciadores de competência e até democráticos.
Não milito num partido político por necessidade. Não faço da militância partidária um investimento na carreira profissional. Não tenho dos partidos uma concepção interesseira que os transforme, aos meus olhos, numa agência de emprego. Por formação cívica e humanista e, felizmente, por total independência profissional e financeira.
E sou autarca por vocação. Não é/foi um trampolim, não é por mim considerada um bom emprego (até porque me retira imenso tempo à família). Também neste campo (político), o meu trabalho e o meu perfil permitiram-me ser autónoma, não necessitar de partidos nem de pactuar com processos (e pessoas) que reputo de nada recomendáveis.
Por tudo o que te referi, serve a presente comunicação (em e-mail e também por carta), não sem dor, para formalizar a partir da data da sua recepção, a minha desfiliação no actual Partido Socialista.
Rejeito alistar-me – como tantos outros “camaleonicamente” o fazem – noutra “trincheira”, mas, pelo que igualmente mencionei, não sacrifico os meus direitos de plena cidadania e a minha vocação para servir a comunidade à circunstância de me ver forçada a sair de uma instituição que se afastou mais do que o tolerável dos princípios e normas que orientaram a sua fundação e boa parte da respetiva história.
Com amizade,
Fátima Campos
Militante No. 22.444
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