[sempre de acordo com a antiga ortografia]

domingo, 14 de abril de 2013




Diva? Divo?
Tròppo difficile...


Ainda a propósito da singelíssima homenagem de ontem, aqui prestada a Monserrat Caballée, por ocasião do seu aniversário, lembrarão que realçava eu, em breve nota, a implícita capacidade de saber reconhecer, perante quem se nos apresenta nos grandes palcos dos melhores auditórios, se por ali passa ou não a centelha do divino.

Reporto-me, portanto, ao caso daqueles que consideramos  divo ou diva, adjectivo italiano, na maior parte dos cas
os, aplicado ao universo vocálico mas que, por extensão terminológica, ninguém se ofende quando reportado a outros músicos do orquestral incluindo os maestros. E já perceberão que esta nota se justifica na medida em que o episódio seguinte se relaciona com uma diva do piano.

Foi há três semanas que Mitsuko Uchida esteve em Lisboa. Na Gulbenkian tocou e regeu, a partir do piano, duas soberbas interpretações dos concertos KV. 453 e 503 de Mozart, Mundialmente reconhecida como «a» mozartiana por excelência, ano após ano, invariavelmente, indispensável na Mozartwoche de Salzburg, ela é uma referência absoluta e máxima.

Pois, se quiserem acreditar, à saída do evento, como sempre, estafado de emoções e completamente rendido à prestação da ‘diva’, trocando umas palavras de circunstância com alguém que encontro muitas vezes por ali – daquelas que se consideram melómanas – me dizia que, sim senhor, é muito boa e, naturalmente, ao nível de Maria João Pires…

Pois, assim, não vale, não é? Perguntarão, com toda a razão, o que me leva a trocar impressões com quem não consegue reconhecer a incomensurável distância entre as interpretações das duas artistas? Responderia que, além da urbanidade, será também a presunção de considerar que pessoas permanentemente frequentadoras dos concertos, terão adquirido a tal capacidade para distinguir entre o que é divino e, vá lá, o muito bom ou bom.

A verdade é que, como acabei de demonstrar pelo exemplo supra, tal conclusão é perfeitamente errada. Tais pessoas, só porque são muito simpáticas, não se riem na minha cara quando afirmo que, de nível análogo ao de Maria João pires, deve haver, sei lá, um considerável número de pianistas, seguramente, umas dezenas. E que, da estirpe de Uchida, há cinquenta anos, depois da morte de Haskil, devem ter aparecido apenas quatro ou cinco, tantos quantos os dedos da mão…

Cumpre ainda acrescentar que o facto de encontrarmos os mais diversos artistas, precisamente, no mesmo prestigiadíssimo palco, seja o da Gulbenkian, do Grosses Festspielhaus de Salzburg ou Carnagie Hall de Nova York, não significa, necessariamente, que são todos grandes e, muito menos, demiurgos, como Uchida ou Caballé. A verdade é que, muitos dos ‘so called’ melómanos, avaliam mal tais presenças, sujeitando-se às mais bizarras conclusões.

Pelo facto de terem assistido a determinado espectáculo, numa das Mecas da música, protagonizado por sonantes nomes do mundo da Música, dificilmente conseguem admitir que o exorbitante preço do bilhete que pagaram, afinal, apenas correspondeu a um razoável evento… A propósito, a quantas vulgaridades não tenho eu assistido nos grandes auditórios, a começar pelo da Gulbenkian e a acabar nos festivalis de Luzern ou de Bayreuth ?

E, de sinal contrário, como não lembrar que assisti a um dos mais espantosos eventos musicais da minha vida, no pequeno auditório da Sociedade de Recreio ‘Os Pimpões’ das Caldas da Rainha, uma ocasião em que a clarinetista Sabine Meyer, a diva ou die Göttin, [a deusa], o seu mais famoso epíteto, ali tocou com o estupendo Quarteto Tokyo, o Quinteto KV. 581 de Mozart, onde não esteve presente nenhum dos tais melómanos da treta?...

Querem que volte a Caballé? Seja. Ao seu nível, actualmente, nem uma consigo apontar. Mas, desaparecidas, ou já afastadas dos palcos, como não lembrar Birgitt Nilsson, Joan Sutherland, Gwineth Jones, Fiorenza Cossoto, Teresa Stich-Randall, Renata Tebaldi, Elisabeth Schwarzkopf ou Maria Callas?
Dirão que me refiro só aos mitos e não a todos… É verdade. Ser diva subentende a condição de mito, pois é.

Finalmente, como resistir a propor-vos outro momento de excepcional partilha do Belo e divino? Caballé, claro, desta vez na gala AIDS Gala, em Berlin, Novembro de 1996, cantando "Ave Maria" do Otello de Verdi . Marcello Viotti dirige a Orquestra e Coro da Deutsche Oper Berlin.

Boa audição!

http://youtu.be/77H8k4d-npQ
 

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