O rei nu
Não tenho a veleidade de considerar que
acederei a toda a informação que poderá circular acerca dos trabalhos de Joana
Vasconcelos (JV). Porém, ou eu tenho pouca pontaria e muito azar ou,
invariavelmente, apenas deparo com opiniões encomiásticas que têm contribuído –
e de que maneira!... – para a transformar na artista do regime e, em especial, expoente plástico deste governo que, apesar da propalada falta
de meios para promover Artes e Letras, sempre tem encontrado maneira de a apoiar
inusitadamente.
A atestá-lo, por exemplo, não há muitas
semanas, Clara Ferreira Alves, mulher extremamente bem informada, de cultura sofisticada
e muito abrangente, senhora de invejável e acutilante capacidade crítica, numa
das suas crónicas subordinadas ao título A
Pluma Caprichosa, dava a entender que, para si, em resumo, as obras de JV são, mais ou menos, directamente
proporcionais ao gabarito das obras do Governo.
E, no passado sábado, no indispensável
suplemento ‘Actual’ do semanário ‘Expresso’, é Celso Martins, conceituado
crítico de Artes Plásticas, professor da Universidade Nova, quem,
sintomaticamente, titula um seu artigo relativo à exposição no Palácio da Ajuda
Em grande, A mais popular artista
plástica portuguesa no seu labirinto: crescem as obras, encolhe a arte,
atribuindo à exposição uma estrela, a mínima avaliação possível numa escala de
um a cinco. Se isto não é sintomático, então…
Um caso que não chega a ser
Reparem que o caso de JV não me mereceria
qualquer reparo e, jamais, a escrita de uma simples linha de referência se, tão
somente, a senhora assumisse a sua condição de artesã urbana, que lhe atribuo sem
qualquer conotação pejorativa. Trata-se de alguém que, na realidade, utiliza o
pantógrafo com extrema eficácia logrando atingir um efeito máximo de soluções
que, ao fim e ao cabo, em escala reduzida, vemos em qualquer banca de artesãos
citadinos. Claro que, conforme ela própria não deixa de considerar, é o kitsch que por ali passa.
A escala das peças da JV determina espaços
expositivos de grandes dimensões, é um facto. Mas, assim sendo, a que tentação
cedem os curadores e directores dos museus? Se apenas é a de propor o insólito
convívio das obras de outras eras com estes supostos artefactos, muito pobre e
redutora me parece a iniciativa. Não no Palácio de Versailles, não no Palácio
da Ajuda mas, por exemplo, nas mesmas cidades,
em grandes hangares da Porte de Versailles, à entrada de Paris, ou da
FIL, na oriental zona lisboeta da Expo, não teriam as peças da JV um
enquadramento muito mais afim e adequado, sem interferência de factores distractivos como os suscitados
pelos móveis, reposteiros, porcelanas, ouros, dourados, espelhos e espelhados ,
barrocos, rococó ou românticos?
A propósito, ainda gostaria de ver
esclarecida uma questão que se me tem colocado em relação ao número de
visitantes da sua exposição no Palácio de Versailles. Para o efeito, será que
alguém conseguirá destrinçar quem foram os visitantes, exclusivamente
interessados nas peças de JV expostas no percurso da visita ao Palácio?
Instalada como foi, num espaço com as características de um Palácio-Museu, como
aquele que é dos mais visitados de Paris e arredores, alguém pode garantir que
aquele mais de milhão e meio de pessoas daria um passo diferente para ver
aquelas obras?
Por outro lado, perante tantos manifestos
oficiais de apoio e de bacoca rendição às suas rebarbativas propostas, como é
que JV se há-de enxergar e reduzir à dimensão do pequeno caso que é o seu? É que, deixem-me
recordar-vos, incapaz de se entender com os seus próprios meandros, esta
senhora, ouvi –a eu afirmar, considera-se ao nível de Paula Rego, Júlio Pomar e
análogos grandes artistas contemporâneos nacionais… Então, não irá sendo tempo
de se colocar no seu devido lugar? Ou, então, não vai sendo tempo de dizer como
vai nu o rei?
Hão-de permitir que aconselhe não se deixem
impressionar pelos valores que tais objectos atingem nos mercados da especialidade e em leilões
internacionais promovidos por prestigiadas casas que nada hesitam em fazer os
melhores negócios ainda que à custa de certas perversidades do mundo cultural. Sabem?
A espuma dos dias tem muitas facetas. Quantas e quantas obras-primas de tempos idos, plásticas, literárias, musicais, não
resistiram ao filtro dos tempos? E vice versa?
Finalmente, uma referência a Sintra que,
como tenho tido a gratíssima oportunidade de divulgar, a breve trecho, vai
acolher no seu Casino, à Heliodoro Salgado, a prestigiada Colecção de
Bartolomeu Cid dos Santos, esse sim, um dos tais grandes mestres da Arte
Portuguesa actual que, meus caros amigos – por favor, não confundam! – já não
diria, com objectos de fancaria ordinária, mas com peças que, lá pelo facto de
se acoitarem aos nobres salões das idas monarquias gaulesa e lusa, nem por isso
adquirem a categoria de inequívocos artefactos…
Ainda não ouviram falar de trigo e de joio?
[João Cachado escreve de acordo com a
antiga ortografia]
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