[sempre de acordo com a antiga ortografia]

sábado, 13 de abril de 2013




 

O rei nu

 
[artigo publicado na edição do Jornal de Sintra de 12 de Abril de 2013]
 
Não tenho a veleidade de considerar que acederei a toda a informação que poderá circular acerca dos trabalhos de Joana Vasconcelos (JV). Porém, ou eu tenho pouca pontaria e muito azar ou, invariavelmente, apenas deparo com opiniões encomiásticas que têm contribuído – e de que maneira!... – para a transformar na artista do regime e, em especial, expoente plástico  deste governo que, apesar da propalada falta de meios para promover Artes e Letras, sempre tem encontrado maneira de a apoiar inusitadamente.

 Há anos a esta parte que, praticamente isolado, tenho manifestado perplexidade quanto ao favor que JV ganhou junto do público e da comunicação social. Nada incomodado com as reacções, de vez em quando, lá apareço eu a dizer que o rei vai nu. E, de facto, uma ou outra vez, a opinião abalizada de pessoas que muito considero, fazem-me concluir que, embora algo isolado, não estou só e, longe disso, até muito bem acompanhado.

A atestá-lo, por exemplo, não há muitas semanas, Clara Ferreira Alves, mulher extremamente bem informada, de cultura sofisticada e muito abrangente, senhora de invejável e acutilante capacidade crítica, numa das suas crónicas subordinadas ao título A Pluma Caprichosa, dava a entender que, para si, em resumo, as obras de JV são, mais ou menos, directamente proporcionais ao gabarito das obras do Governo.

E, no passado sábado, no indispensável suplemento ‘Actual’ do semanário ‘Expresso’, é Celso Martins, conceituado crítico de Artes Plásticas, professor da Universidade Nova, quem, sintomaticamente, titula um seu artigo relativo à exposição no Palácio da Ajuda Em grande, A mais popular artista plástica portuguesa no seu labirinto: crescem as obras, encolhe a arte, atribuindo à exposição uma estrela, a mínima avaliação possível numa escala de um a cinco. Se isto não é sintomático, então…

Um caso que não chega a ser

Reparem que o caso de JV não me mereceria qualquer reparo e, jamais, a escrita de uma simples linha de referência se, tão somente, a senhora assumisse a sua condição de artesã urbana, que lhe atribuo sem qualquer conotação pejorativa. Trata-se de alguém que, na realidade, utiliza o pantógrafo com extrema eficácia logrando atingir um efeito máximo de soluções que, ao fim e ao cabo, em escala reduzida, vemos em qualquer banca de artesãos citadinos. Claro que, conforme ela própria não deixa de considerar, é o kitsch que por ali passa.

A escala das peças da JV determina espaços expositivos de grandes dimensões, é um facto. Mas, assim sendo, a que tentação cedem os curadores e directores dos museus? Se apenas é a de propor o insólito convívio das obras de outras eras com estes supostos artefactos, muito pobre e redutora me parece a iniciativa. Não no Palácio de Versailles, não no Palácio da Ajuda mas, por exemplo, nas mesmas cidades,  em grandes hangares da Porte de Versailles, à entrada de Paris, ou da FIL, na oriental zona lisboeta da Expo, não teriam as peças da JV um enquadramento muito mais afim e adequado, sem interferência de factores distractivos como os suscitados pelos móveis, reposteiros, porcelanas, ouros, dourados, espelhos e espelhados , barrocos, rococó ou românticos?

 A propósito, ainda gostaria de ver esclarecida uma questão que se me tem colocado em relação ao número de visitantes da sua exposição no Palácio de Versailles. Para o efeito, será que alguém conseguirá destrinçar quem foram os visitantes, exclusivamente interessados nas peças de JV expostas no percurso da visita ao Palácio? Instalada como foi, num espaço com as características de um Palácio-Museu, como aquele que é dos mais visitados de Paris e arredores, alguém pode garantir que aquele mais de milhão e meio de pessoas daria um passo diferente para ver aquelas obras?

Por outro lado, perante tantos manifestos oficiais de apoio e de bacoca rendição às suas rebarbativas propostas, como é que JV se há-de enxergar e reduzir à dimensão do pequeno caso que é o seu? É que, deixem-me  recordar-vos, incapaz de se entender com os seus próprios meandros, esta senhora, ouvi –a eu afirmar, considera-se ao nível de Paula Rego, Júlio Pomar e análogos grandes artistas contemporâneos nacionais… Então, não irá sendo tempo de se colocar no seu devido lugar? Ou, então, não vai sendo tempo de dizer como vai nu o rei?

Hão-de permitir que aconselhe não se deixem impressionar pelos valores que tais objectos atingem nos mercados da especialidade e em leilões internacionais promovidos por prestigiadas casas que nada hesitam em fazer os melhores negócios ainda que à custa de certas perversidades do mundo cultural. Sabem? A espuma dos dias tem muitas facetas. Quantas e quantas obras-primas de tempos idos, plásticas, literárias, musicais, não resistiram ao filtro dos tempos? E vice versa?     

Finalmente, uma referência a Sintra que, como tenho tido a gratíssima oportunidade de divulgar, a breve trecho, vai acolher no seu Casino, à Heliodoro Salgado, a prestigiada Colecção de Bartolomeu Cid dos Santos, esse sim, um dos tais grandes mestres da Arte Portuguesa actual que, meus caros amigos – por favor, não confundam! – já não diria, com objectos de fancaria ordinária, mas com peças que, lá pelo facto de se acoitarem aos nobres salões das idas monarquias gaulesa e lusa, nem por isso adquirem a categoria de inequívocos artefactos…

Ainda não ouviram falar de trigo e de joio?

[João Cachado escreve de acordo com a antiga ortografia]

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