Ainda a propósito de Falstaff
"(...) Esta é, de facto uma ópera que exige pinças sofisticadíssimas para nela se pegar. Aqui, de modo algum, estamos perante As Alegres Comadres de Windsor, ópera cómica que, quarenta anos antes, Otto Nicolai tinha composto em puro estilo Biedermeier, obra puramente convencional, que o toque de génio de Verdi ultrapassa de longe. Até um crítico tão verrinoso como George Bernard Shaw, que apenas acedeu ao Falstaff de Verdi através de uma redução a piano, desfez-se em elogios, escrevendo que não é mera ópera mas um autêntico «drama musical», resultante da sobreposição dos génios de Verdi, Boito e Shakespeare, aproximando-a de Wagner. Apenas lembro esta apreciação porque, ontem, com Foster a dirigir, não estive perante a radical e absoluta grandeza que se depreende das palavras de Shaw, e, muito mais, me pareceu estar no ambiente de Nicolai… (...)"
Este é o parágrafo do texto que aqui ontem publiquei acerca da récita concertante de Falstaff na Gulbenkian. Como não gosto de deixar no ar aquilo que poderiam considerar como os «palpites» daquele melómano endiabrado, aqui vos proponho hoje a audição de Die Lustige Weiber von Windsor, ópera de Otto Nicolai, estreada em 1849.
Deixem-se impressionar com aquela referência a Biedermeier que considero justa e pertinente mas, por favor, não a conotem logo pejorativamente. Tenham em consideração que o período Biedermeier, mais ou menos, entre 1815 e 1850, coincide com uma vida vienense em que a classe média se volta muito para casa, para uma vida doméstica que é preciso entender minimamente para, simultaneamente, se adquirir uma correcta percepção dos fenómenos culturais em curso durante a primeira metade do século dezanove na capital do império austro-húngaro.
Ainda no rescaldo da Revolução Francesa no fim do século anterior, as medidas contra-revolucionárias do Imperador Francisco e do seu chanceler Matternich, que tiveram como consequência o sistemático encerramento de Lojas Maçónicas, clubes, associações e prisão de muitos dos seus membros, acabaram por expulsar as pessoas dos cafés e dos lugares de reunião pública, empurrando-as para a privacidade de suas casas de classde média, onde ousam imitar os estratos nobres e aristocráticos, adequando aos seus muito mais restritos meios económicos, uma escala de grandeza que, de facto, não é a sua…
Nas artes plásticas e decorativas, Biedermeier é muito característico como estilo burguês. Mas a própria música não escapa a um quadro que, aparente e realmente, a condiciona. É, portanto, neste enquadramento que insiro Die Lustige Weiber von Windsor de Nicolai. Ao propor esta peça, com interessantes características de Singspiel, apenas me interessa que se perceba a distância flagrante que a separa de Falstaff de Verdi.
Eis a ficha da gravação e distribuição dos intérpretes:
Otto Nicolai
DIE LUSTIGE WEIBER VON WINDSOR
Wien, Volksoper
18 de Dezembro de 2010
Sir John Falstaff : Lars Woldt
Frau Fluth : Jennifer O'Loughlin
Herr Fluth : Morton Frank Larsen
Frau Reich : Alexandra Kloose
Herr Reich : Martin Winkler
Anna Reich : Andrea Bogner
Fenton : Daniel Behle
Junker Spärlich : Karl-Michael Ebner
Dr. Cajus : Marco di Sapia
Coro e Orquestra da Volksoper Wien
Maestro: Sacha Goetzel
Boa audição!
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