Aquilino Ribeiro, sempre!
Em 2013, passa meio século sobre a morte de Aquilino Ribeiro, um dos nossos imortais. Muito antes, porém, da cerimónia do Panteão de Santa Engrácia, já ele ganhara a imortalidade. Conquistara-a pelo Amor, em todas vertentes, com que se jogou a uma vida eminentemente telúrica e apaixonada, pela Força das convicções e das decorrentes atitudes, sempre inequívocas, sempre grandes, francas e generosas, merecera-a pela Beleza que espalhou, vulcânica, a rodos, por quase setenta obras do mais alto gabarito.
Amor, Força e Beleza, eis o ritmo triádico da Arte, de que Aquilino tinha perfeita consciência, quando escreveu, à guisa de prefácio a Andam Faunos pelos Bosques, as seguintes palavras que, afinal, se aplicam à totalidade do seu fecundo labor:
"(...) O que fiz é honrado; não plagiei; não extorqui a jóia mais humilde ao mais invulgar dos escritores; não cedi às correntes que hoje são cortejos triunfais, amanhã depenadas Danças da Bica. Perdurei o que sou por temperamento, e adquiri por educação e algum estudo. Confesso essa soberba. Escrevi com o meu sangue; nunca molhei a pena na pia da água benta, nem nos lavabos perfumados das viscondessas. Arranquei as minhas figuras aos limos da terra, às mãos ambas, e amassei-as com a devoção de Machado de Castro ao mundo gnómico de seus presépios. Valem pelo que são. Criando, no sentido restrito do vocábulo, rendo como S. Francisco de Assis a minha homenagem ao Criador. (...)"
Que formidável Autor! Que belíssima afirmação de Autoria e de Autoridade! Que confiança, na qualidade das suas criaturas, figuras arrancadas aos limos da terra...
Celebração pessoal
Com que palavras e a quem agradecer por me proporcionar o convívio com a obra de Aquilino, obra que me orgulho de bem conhecer? Pois, primeiramente, ao próprio Aquilino Ribeiro, em páginas e páginas de sua sumarenta prosa, onde busquei e encontrei os vestígios, o testemunho de uma arte de ser, de uma arte de viver, que acabaram por crescer comigo, transformando-se num património imperdível.
Em segundo lugar, aos meus avós e pais, em cujas casas os livros ocupavam um lugar absolutamente determinante na vida de todos, livros herdados, livros que se iam comprando, livros que, é verdade, me habituei a cobiçar… É que eu via os mais velhos a ler, a ler, a comentar o que liam, às vezes a rir, outras a sorrir e, mesmo antes de saber ler, claro que já sonhava com o momento de os poder ler para perceber que gozo era aquele dos adultos.
Naturalmente, o Aquilino também andava lá por casa, acabando por me «ser apresentado», pelos meus treze anos, através de O Jardim das Tormentas. Ainda hoje, muita gente não considerará adequado a tão precoce idade. Pois li-o, mais ou menos pela mesma altura em que me 'apoderei' de O Crime do Padre Amaro – (mal) escondido, que também surripiei. Tenho a certeza de que o Eça não viu com maus olhos tal «vizinhança» literária… A verdade é que, juntamente com não sei quantas mais, tais obras iam assumindo contornos de via iniciática para outros voos, tão determinantes, para a minha vida.
Um pouco mais tarde, mas ainda antes da Faculdade, foi tempo de me aperceber, por exemplo, da importância de O Malhadinhas, tão universal como O Velho e o Mar de Hemingway, e de que A Casa Grande de Romarigães é uma grande alegoria deste país. Para esse entendimento, pressupondo leitura um tanto ou quanto mais sofisticada, contribuiu o imenso saber e entusiasmo de duas grandes senhoras, Manuela da Palma Carlos e Helena Dá Mesquita, minhas professoras no Liceu D. João de Castro, cuja memória está em mim tão presente como a dívida de que são credoras.
Ainda gostaria de acrescentar que tive o gratíssimo privilégio de conhecer e, periodicamente, de conviver com Aquilino Ribeiro Machado, filho do grande escritor, a quem me ligava uma afinidade nos grandes valores e princípios, fraternalmente partilhados, os quais, na sábia inteireza da sua atitude cívica, acabavam por coincidir com as grandes linhas de rumo que o pai havia traçado na sua cidadania exemplar.
Mágoas deste meu tempo
Grande mágoa de hoje é verificar como Aquilino Ribeiro não passa de perfeito desconhecido para as levas de estudantes das últimas três décadas. Sob o estigma do falsíssimo «carácter regional» da escrita aquiliniana – que, ao fim e ao cabo, apenas mascara a dificuldade de domínio de um léxico riquíssimo – está posta de lado, num sossego em que não deve nem pode estar, a obra deste grande cultor da Língua Portuguesa, vulto máximo da nossa Literatura.
páginas e páginas de Aquilino, verdadeira Beleza ao alcance de um gesto. Esse gesto não acontece, fundamentalmente, devido a uma generalizada ignorância.
Tristemente verifico que, hoje em dia, quer os governantes, medíocres gestores do Sistema Educativo, enredados em estatísticas para inglês ver e em tlebs* para português confundir, quer uma grande maioria de professores, mesmo que pretendessem redimir-se de tamanho pecado de subtracção, até já não saberiam o que, onde, quando e como fazer a «reabilitação» do autor.
Portanto, se a ausência de Aquilino da Escola nos magoa, não deve surpreender. Talvez, daqui a uns anos, venham tempos mais propícios. Entretanto, nós que admiramos e sabemos como a sua Arte é imprescindível à Educação das crianças e jovens, não percamos a oportunidade de o fazer sentir, pelo menos, junto dos que estão mais próximos.
*Terminologia Linguística para os Ensinos Básico e Secundário que, com a graça de Deus, foi providencialmente suspensa…
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