[sempre de acordo com a antiga ortografia]

quarta-feira, 22 de maio de 2013


Wagner, a Condessa e a Avó


Eis-me, novamente, em mais um 22 de Maio. As efemérides várias que só hoje se comemoram, andam a bailar-me na cabeça há semanas. Muito forte, esta é uma data em que não só se congregam mas também se confundem as celebrações da avó Júlia, de Richard Wagner e da Condessa d’Edla.

Como é meu hábito, celebro esta gente em Sintra. Faço-me ao caminho e vou até à Pena. Mesmo durante os anos em que permaneceu ruína galopante, era para o Châlet da Condessa que me dirigia. Por ali, sempre encontrei o ambiente propício à minha demanda. Agora, recuperados casa e jardim, diferente a festa.

É precisamente disso que escrevo, da procura e dos encontros. Começo pela avó. Partiu lúcida, com quase cem anos, já no princípio deste século. Sempre muito presente tenho a sua memória que, neste dia, é impossível não conjugar com a dos outros ilustres. Na Pena, a avó leva-me, pela mão. Não tarda muito, encontramos uma sombra, conversa-se e lemos. A avó é a pessoa que mais vezes eu vi ler antes de eu próprio começar a ler.

No ninho de amor, Elise. Leio-lhe um poema de Ruy Belo, de casas vividas. E percebo, sinto a presença da segunda mulher do Rei, a rainha da Pena. Chega-me ela, com a carga de desentendimentos de que foi pública vítima, mas em sossego. Vem, afinal e sempre, superior às desconsiderações de quem a amesquinhou. Ah, minha querida Emília Reis, que elegância a da «nossa amiga»!…

E que posso eu senão confirmar que Richard Wagner anda muito por ali, também de visita? Vejo Elise, lendo os poemas de Mathilde e ouço-a cantá-las para Fernando. Wagner íntimo, este dos Wesendonck, já ensaiando Tristan. Por ali, tal como o outro Richard, nos dá conta de como também muito o impressiona esta réplica do jardim do grande feiticeiro. Passada a prova das Blumenmädchen, logo nos espreita Parsifal.

Para mim, que caso tão sério este de celebrar Wagner! É coisa a que me habituei desde miúdo. Grandes wagnerianos eram o avô Albano - um bom pianista, que tocava imensas reduções ao piano de temas do grande compositor, nomeadamente as subscritas por Liszt - e meu pai, que não seguindo a carreira musical, tinha o curso superior de violino e ciências musicais. Ouvir tocar um e outro, escutar gravações de óperas de Wagner, em discos que o pai importava directamente para si e seus amigos, eram atitudes muito habituais, aquilo que poderia designar como verdadeiramente familiares.

De facto, tive esta sorte enorme. Mas, como já tenho contado, convivência tão precoce com o universo wagneriano, quase me afectava. Pelos meus treze, quatorze anos, deu-me para ouvir Tannhäuser obcessivamente. Vindo do Liceu, lembro-me de chegar a casa naquela mira de me fechar no quarto a ouvir, não só a avassaladora Abertura, mas também Geliebter, komm! ou Wie Todesahnung-O du mein holder Abendstern. A coisa atingiu tal dimensão que minha mãe chegou a temer pela minha sanidade mental.

Bayreuth, por onde peregrino há dezenas de anos, muito naturalmente, também é hábito que ganhei em família. Não, não sei se conseguirão imaginar o desgosto por não poder concretizar o projecto de lá estar, exactamente neste ano jubilar. Depois da fractura da perna, porque ainda estarei em recuperação, não será possível. De qualquer modo, Wagner é em qualquer lugar e quase todos os dias. Enfim, hei-de recuperar…

Ainda por ali, já noutra dimensão, pairando sobre a Pena, comungamos Parsifal.
É o Prelúdio do III Acto e o tema de Sexta-Feira Santa. Toca a Gustav Mahler Jugendorchester, sob a direcção do discretíssimo Daniele Gatti que tanto me tenho habituado a respeitar, numa gravação colhida em 26 de Agosto do ano passado durante os Proms.

Boa audição!

http://youtu.be/tJaztmR66-I
 

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