Sokolov,
Fecho de temporada Gulbenkian 12/13
Ontem, penúltimo dia de eventos musicais antes de entrar em obras – amanhã ainda haverá nova récita do Otello de Verdi que, aproveito a oportunidade para recomendar, simplesmente pela prestação de Dina Kuznetsova, belíssimo soprano que protagoniza a Desdemona - o Grande Auditório da Gulbenkian acolheu o recital de Grigory Sokolov que, tendo estado agendado para 11 de Novembro de 2012, foi adiado por doença do pianista.
Com um programa distribuído, na primeira parte, por duas peças de Schubert, Impromptus, D. 899 e Drei Klavierstücke, D. 946 e, na segunda, pela Sonata nº 29, em Si bemol Maior, op. 106, Grosse Sonate für das Hammerklavier, tratava-se de uma proposta de tal modo sublimemente tentadora que, na verdade, qualquer melómano jamais perderia, a não ser por motivo de força maior.
Antes de partilhar uma ou outra impressão sobre a execução das peças, gostaria de assinalar um facto que, certamente, não tem passado desapercebido àqueles que, mais de perto, acompanham as lides dos grandes pianistas internacionais. Não raro, quando é adiado um concerto – até mais um recital, prova de fogo tão desafiante – o público que, por vezes espera tal oportunidade com expectativa inusitada, fica num estado de frustração absolutamente compreensível.
Em geral, apesar da perda de um momento de Arte muito aguardado, o público entende que foi no seu próprio interesse que o artista cancelou. Mas, ontem mesmo, conversando com algumas pessoas, reparei como, em relação a Sokolov, as opiniões se dividiam. É que, na realidade, nos últimos anos, estes episódios de cancelamento e adiamento têm-se repetido. E quando disse àqueles companheiros que o recital de ontem, que já era consequência de um adiamento, esteve mesmo para ser definitivamente desconsiderado, por motivos de doença, então ainda ficaram mais perplexos.
Por muitos críticos considerado o maior e mais dotado de todos os grandes pianistas da actualidade, com sessenta e três anos, Sokolov não é um velho. Extraordinário artista, tem uma saúde com alguns problemas e, como tantos reputados intérpretes do universo das música erudita, está obrigado a um elevado número de compromissos negociados com anos de antecedência. Não surpreende, portanto, que haja falhas pois ninguém tem o futuro na mão.
Que, com todos estes condicionamentos, apesar de alguma fragilidade, Sokolov consiga propiciar uma leitura da op. 106 como ontem aconteceu, eis o milagre da Música ao vivo, Arte feita no tempo, no momento irrepetível. Claro que um recital não é uma gravação de estúdio. Acontecem deslizes por cima dos quais o melómano passa, porque o que está em jogo, entre aquele homem e o piano, nada fica comprometido por uma nota eventualmente pisada.
Tal como ontem aconteceu. A proposta do Sokolov de hoje para a leitura da op. 106, é tão diferente da do Sokolov que interpreta esta obra em 1975! Meu Deus, que subtis matizes… Os tempos, mais «contidos» actualmente observados, as pausas, um diluir-se físico na expressão dos acordes, as suspensões. Que epifania, meus amigos, aquele último andamento da Sonata, em especial, a derradeira Fuga a tre você, con alcune licenze, em que as três vozes jogam mesmo, em contraponto e com recurso ao trilo, num mundo harmónico que o Steinway, naquelas mãos prodigiosas, ia soltando para um espaço ávido e rendido ao portento.
Desde as peças iniciais de Schubert, sabiamente concebido, o programa do recital foi percorrendo um caminho cada vez mais afim de uma interioridade, onde nada mais é possível cavar para alcançar um êxtase, muito próximo da desconstrução e da fragmentação que um Beethoven, extremamente racional, procurou nas obras deste período (1817/18) e na fase final de produção. Que fabuloso momento musical este do encerramento da temporada 2012/13!
Naturalmente, vou deixar-vos com a Sonata no. 29, op. 106 de Beethoven. Primeiramente, assinalada com «*», a execução desta peça por Sokolov, em 1975 e, depois, os seus quatro andamentos, separados, numa gravação datada de 9 de Março deste ano, em Valencia. Comparem e tirem conclusões.
Boa audição!
http://youtu.be/wssrWj6xU0c («*»)
http://youtu.be/7F8RsQvc23Y (I)
http://youtu.be/oyiMYV5vxBY (II)
http://youtu.be/tGoNit4Dios (III)
http://youtu.be/YPK5Z9jUaOo (IV)
Fecho de temporada Gulbenkian 12/13
Ontem, penúltimo dia de eventos musicais antes de entrar em obras – amanhã ainda haverá nova récita do Otello de Verdi que, aproveito a oportunidade para recomendar, simplesmente pela prestação de Dina Kuznetsova, belíssimo soprano que protagoniza a Desdemona - o Grande Auditório da Gulbenkian acolheu o recital de Grigory Sokolov que, tendo estado agendado para 11 de Novembro de 2012, foi adiado por doença do pianista.
Com um programa distribuído, na primeira parte, por duas peças de Schubert, Impromptus, D. 899 e Drei Klavierstücke, D. 946 e, na segunda, pela Sonata nº 29, em Si bemol Maior, op. 106, Grosse Sonate für das Hammerklavier, tratava-se de uma proposta de tal modo sublimemente tentadora que, na verdade, qualquer melómano jamais perderia, a não ser por motivo de força maior.
Antes de partilhar uma ou outra impressão sobre a execução das peças, gostaria de assinalar um facto que, certamente, não tem passado desapercebido àqueles que, mais de perto, acompanham as lides dos grandes pianistas internacionais. Não raro, quando é adiado um concerto – até mais um recital, prova de fogo tão desafiante – o público que, por vezes espera tal oportunidade com expectativa inusitada, fica num estado de frustração absolutamente compreensível.
Em geral, apesar da perda de um momento de Arte muito aguardado, o público entende que foi no seu próprio interesse que o artista cancelou. Mas, ontem mesmo, conversando com algumas pessoas, reparei como, em relação a Sokolov, as opiniões se dividiam. É que, na realidade, nos últimos anos, estes episódios de cancelamento e adiamento têm-se repetido. E quando disse àqueles companheiros que o recital de ontem, que já era consequência de um adiamento, esteve mesmo para ser definitivamente desconsiderado, por motivos de doença, então ainda ficaram mais perplexos.
Por muitos críticos considerado o maior e mais dotado de todos os grandes pianistas da actualidade, com sessenta e três anos, Sokolov não é um velho. Extraordinário artista, tem uma saúde com alguns problemas e, como tantos reputados intérpretes do universo das música erudita, está obrigado a um elevado número de compromissos negociados com anos de antecedência. Não surpreende, portanto, que haja falhas pois ninguém tem o futuro na mão.
Que, com todos estes condicionamentos, apesar de alguma fragilidade, Sokolov consiga propiciar uma leitura da op. 106 como ontem aconteceu, eis o milagre da Música ao vivo, Arte feita no tempo, no momento irrepetível. Claro que um recital não é uma gravação de estúdio. Acontecem deslizes por cima dos quais o melómano passa, porque o que está em jogo, entre aquele homem e o piano, nada fica comprometido por uma nota eventualmente pisada.
Tal como ontem aconteceu. A proposta do Sokolov de hoje para a leitura da op. 106, é tão diferente da do Sokolov que interpreta esta obra em 1975! Meu Deus, que subtis matizes… Os tempos, mais «contidos» actualmente observados, as pausas, um diluir-se físico na expressão dos acordes, as suspensões. Que epifania, meus amigos, aquele último andamento da Sonata, em especial, a derradeira Fuga a tre você, con alcune licenze, em que as três vozes jogam mesmo, em contraponto e com recurso ao trilo, num mundo harmónico que o Steinway, naquelas mãos prodigiosas, ia soltando para um espaço ávido e rendido ao portento.
Desde as peças iniciais de Schubert, sabiamente concebido, o programa do recital foi percorrendo um caminho cada vez mais afim de uma interioridade, onde nada mais é possível cavar para alcançar um êxtase, muito próximo da desconstrução e da fragmentação que um Beethoven, extremamente racional, procurou nas obras deste período (1817/18) e na fase final de produção. Que fabuloso momento musical este do encerramento da temporada 2012/13!
Naturalmente, vou deixar-vos com a Sonata no. 29, op. 106 de Beethoven. Primeiramente, assinalada com «*», a execução desta peça por Sokolov, em 1975 e, depois, os seus quatro andamentos, separados, numa gravação datada de 9 de Março deste ano, em Valencia. Comparem e tirem conclusões.
Boa audição!
http://youtu.be/wssrWj6xU0c («*»)
http://youtu.be/7F8RsQvc23Y (I)
http://youtu.be/oyiMYV5vxBY (II)
http://youtu.be/tGoNit4Dios (III)
http://youtu.be/YPK5Z9jUaOo (IV)
Sem comentários:
Enviar um comentário