[sempre de acordo com a antiga ortografia]

terça-feira, 20 de agosto de 2013



Federico García Lorca, 1898 - 1936

Assassinado em 19 de Agosto

Nos tempos de estudante, foi um dos poetas que me aproximou de Ana, minha mulher. A Prof. Maria de Lourdes Belchior, saudosa catedrática da Faculdade de Letras, professora de Cultura Espanhola, não podia ter sido melhor cicerone, não só da poesia de Lorca que, na altura, me faltava conhecer, mas também para a outra que, anteriormente, eu julgava ter entendido em todos os cambiantes.

Personalidade de fascínio, sob todos os pontos de vista, Lorca pede constante atenção, é um poço sem fundo. Cultivo-o desde a adolescência e nunca mais suspendi o contacto, quer a sós quer com a família. Uma das vezes que visitámos a casa onde nasceu, em Fuente Vaqueros, arredores de Granada, foi num dia 19 de Agosto. Como, ainda há minutos, a Ana recordava, algo de verdadeiramente inesquecível.

Hoje, recordar o poeta, mistura-se com o almoço de há pouco. Estupendo, simplicíssimo, um gaspacho com ingredientes que acabamos de trazer do Alentejo, alguns da nossa lavra, outros da de uma boa amiga. Só a água e o gelo não vieram de lá... Lorca, o integral andaluz, esteve connosco, e, de facto, tão a propósito do que estava sobre a mesa...

Lorca, a voz das vozes mais sofisticadas da Andalucia, voz telúrica, minha voz essencial da Ibéria. Peguei em "Lorca", por André Belamich, numa edição da Arcádia, sem indicação de data, mas dos anos sessenta. E, ainda à mesa, bebericando um tinto de produção particular, também do Alentejo, releio passagens que a Ana tinha sublinhado, na sua primeira leitura, em 1968.

Meu Deus, que manancial fabuloso! Por exemplo, acerca de Sevilla e Granada, Lorca escreve imperdíveis pensamentos, dentre os quais este, tão certeiro:

"(...) Aquele que queira sentir, junto ao bafo ruidoso do touro, o doce tic-tac do sangue nos lábios, misture-se ao tumulto barroco da universal Sevilla. Aquele que queira juntar-se à teoria dos fantasmas e descobrir, quiçá nas mais pequenas veredas do seu coração, um velho anel maravilhoso, encerre-se na intimidade da Granada-a-Secreta (...)".
["A Semana Santa em Granada, t. VII, pág. 280]

Porventura, quem não tiver prejuízos com a cultura do touro - que a tourada celebra e vivifica de modo tão sofisticado - melhor coincidirá com a proposta do poeta. Na realidade, faz parte da minha cultura de ibérico saber o que é isso do bafo ruidoso do touro. Felizmente, entendo-o, até à medula, faz parte do meu código genético, descendente que sou de uma família ligada a esse mundo dos touros, dos cavalos, da afición.

Também sei que partilho aquele e outros saberes afins, com Châbeli de Catro-Camacho, a quem dedico este texto e o momento musical que, afinal, com todos partilho. Das '"Canciones españolas antiguas" de Lorca, 'La Maja de Goya', com música de Enrique Granados, que vai interpretada por duas queridíssimas e grandes, grandes artistas da grande Espanha, Pilar Lorengar (1928-1996) e Alicia de Larrocha (1923-2009), que tantas vezes tive o gosto de escutar.

Pois é, em Espanha, tudo é grande. Se soubessem a dificuldade que tive na escolha desta peça... É que outra grande, também muito grande artista espanhola, Teresa Berganza, por quem tenho um carinho enorme, canta Lorca de modo incomparável. Assim sendo, que dificuldade até na adjectivação!... Ah, meu Deus, não fosse esta tão evidente afinidade com a grande Espanha, na minha Ibéria, como suportaria eu a lusa mesquinhez?!...

Boa audição!
http://youtu.be/b0eYrmZxVhQ
 

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