Ortografia como gente
Ultimamente, os defensores da necessidade de concretizar um acordo ortográfico, têm abusado, com o maior despudor – diria mesmo que têm manipulado – ultrajado a memória de Fernando Pessoa, no constante afã de citar A minha pátria é a língua portuguesa. Pois bem, se assim o escrevo é porque não acredito que tais pessoas desconheçam o parágrafo que, da mesma página de O Livro do Desassossego, passo a reproduzir:
“(…) Sim, porque a ortografia também é gente. A palavra é completa vista e ouvida. E a gala da transliteração greco-romana veste-ma do seu vero manto régio, pelo qual é senhora e rainha.”
Eis a confissão do poeta que, deleitado, se roja rendido à grandeza, à magnificência da or-to-gra-fi-a, a concreta e visível substância da língua em que comunicamos.
Como não perceber a omissão dos «citadores oficiantes»? Convém-lhes, naturalmente. Convém-lhes que permaneça obscura, na sombra e reserva das estantes e do silêncio, a opinião de um dos maiores ícones da Arte Literária em Língua Portuguesa de todos os tempos, cuja opinião, como acabo de lembrar através da transcrição supra, sempre seria frontalmente contrária a revisões ortográficas que escondessem a herança linguística que usamos a toda a hora e momento.
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