[sempre de acordo com a antiga ortografia]

quinta-feira, 23 de janeiro de 2014






"Orfeo ed Eurídice",
Mozartwoche com início ao mais alto nível




[Salzburg, 23.01.2014] Como não podia deixar de acontecer, o primeiro evento deste Festival de Inverno teria de homenagear Claudio Abbado. O maestro amava Salzburg e era amado
pelos salisburguenses. Se querem que vos diga, neste momento em que já estão onde, mais dia menos dia, todos nos encontraremos, tenho a impressão de que Abbado e Karajan, que aqui nasceu, emparceiram mano a mano, no coração dos melómanos da cidade.

Galáctico que era, tinha lugar cativo nesta que é a Meca da música. Foi no Festival de 2012, à frente da «sua» Orchestra Mozart, que aqui dirigiu pela última vez, precisamente, na Haus für Mozart, o mesmo auditório onde esta noite se fez uma ópera em que o Amor e a Arte vencem a Morte. Também no seu caso, nestes últimos doze anos, Abbado foi um arauto desta máxima, no feroz combate contra a morte, que não levou de vencida, porque os artistas não morrem.

E, para a homenagem, Mathias Schulz e Marc Minkowsky, directores artísticos, respectivamente, do Mozarteum e da Mozartwoche, subiram ao palco para dedicarem a récita da noite ao grande director. Bem sabiam o que faziam e no que se metiam porque, sem sombra de dúvida, esta produção de “Orfeo ed Euridice” é uma das mais bem conseguidas a que já tive oportunidade de assistir.

Articulação absolutamente irrepreensível entre a interpretação instrumental, a cargo de Les Musiciens du Louvre Grenoble, em trabalho conjunto com a Mozarteumorchester Salzburg e as eficazes soluções de cena, a cargo de Ivan Alexandre e de Pierre-André Weitz, que podem contar com a tarimba da escola de cenografia de Salzburg, onde nem a cabeça de um prego pode destoar; formiidável engenharia de luzes, onde a presença da inesgotável criatividade de Bertrand Killy, um «especialista» em Gluck [famoso o seu contributo em “Alceste”, do mesmo compositor, igualmente com Minkowsky no comando das operações na Opéra Garnier] ao serviço de uma obra cujas características desafiam qualquer oficial deste complexo ofício.

Quanto às vozes, meus queridos amigos, dizer-vos que, em ‘Orfeo’, teremos tido aquele que é apontado, urbi et orbe, talvez como o melhor contratenor do mundo [assim o considera o Süddeutsche Zeitung] é, para aqueles que não o conhecem, um indício fiável. Faz o que quer da voz, com uma técnica fora do comum, em todos os registos. Em Salzburg já foi ‘Farnace’ (Mitridate), ‘Didymus’ (Theodora) e ‘Tamerlano’. Actual coqueluche dos melhores teatros líricos, é um assombro.

Em ‘Euridice’, a sueca Camilla Tilling foi muito segura e convincente. É frequente nos mais famosos festivais, de Aix, Salzburg, Glyndbourne, por exemplo, onde o seu repertório abarca a ‘Sophie’ de “Der RosenKavalier”, a Suzanna de “Le Nozze di Figaro”, a Pamina de “Die Zauberflöte”, ‘ Fiordiligi’, de “Cosi fan tutte”, ‘Ilia’ de “Idomeneo”, ‘Governess’ de “The Turn of the Screw"

Em 'Amor', como já sabem, Ana Quintans. Muito bem, na verdade, a deixar aqui uma impressão extremamente positiva. Conhecemo-la tão bem que me dispenso de acrescentar detalhes curriculares. Das três personagens, aquela que, a nível da movimentação em cena, está mais à prova, bem demonstrando como está à altura de qualquer desafio, mesmo dos mais «atléticos». Alguns dos seus saltos são quase temerários.

O Coro, dos melhores da Áustria, Salzburger Bachchor, foi peça de altíssima valia para o êxito que assinalo. Desafiados a uma intervenção cénica exigente, não podiam ter sido mais eficazes. Em síntese, uma récita estupenda, ao nível do que de melhor por aqui tenho visto ao longo dos anos.

Faço votos no sentido de que, também em Lisboa, a versão smi-encenada desta mesma obra de Gluck, hoje mesmo, no Centro Cultural de Belém, tenha satisfeito a expectativa. Um dia destes, Aníbal coutinho, um dos meus sobrinhos, tenor do Coro Gulbenkian, estava muito esperançado no sucesso da montagem. Tenho a certeza de que, se esteve presente, o 'habitué' Prof. José Luís de Moura, não faltará com as suas notas.

Não vos deixaria sem um momento musical da obra. Eis as 'Fúrias' à solta. E, nem mais nem menos do que por Les Musiciens du Louvre Grenoble sob a direcção de Minkowski.

Boa audição!

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