[sempre de acordo com a antiga ortografia]

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014







Muzio Clementi,
um «génio» de mecânico?...



Então, regressado agora de uma estada de quinze dias em Salzburg, para assistir e participar na Mozartwoche, promovida pela Fundação Internacional do Mozarteum, festival que, nesta 58ª edição, concedeu especial espaço a Muzio Clementi, talvez se tenha proporcionado a oportunidade para vos propor a audição da Sinfonia No. 3, em Sol Maior WO034, cognomina...da ‘Great National’, aquela que será a mais popular obra sinfónica daquele compositor.

Tendo sido expressamente composta para a última série de concertos da Temporada da Primavera de Londres, realizada no King’s Theatre, em 1824, a sua estreia, em 19 de Março, foi um sucesso de tal modo estrondoso que, mediante muitos e insistentes pedidos, foi repetida em 25 do mesmo mês e em 2 de Abril. Mais, segundo o ‘Quaterly Musical Magazine’, este tributo de Clementi à sua pátria de adopção pertenceria a um “(…) género de composições que, de facto, honram a época em que vivemos (…)”.

Hão-de notar que as ideias melódicas do ‘Allegro com brio’, apesar de evidenciarem um recorte clássico, são trabalhadas de acordo com uma retórica posterior. Seguidamente, no ‘Andante un poco mosso’, o conhecido tema de ‘God save the King’ aparece «a torto e a direito»: inicialmente camuflados, alguns fragmentos da melodia emergem gradualmente até à máxima notoriedade, momento em que, depois de uma secção relampejante em Dó menor, todo o tema se manifesta num fortíssimo triunfante.

Ora bem, a partir deste momento, no terceiro andamento, ‘Minuetto. Allegretto – Trio’, há que lembrar semelhanças com a Sinfonia No. 39, em Mi bemol Maior, KV. 543, de Mozart, em especial, reparem, no solo do primeiro clarinete sobre os arpeggios lancinantes do segundo clarinete.

No último andamento, ’Finale.Vivace’ não deixem de ter em consideração a Sinfonia No. 88 de Haydn, já que é o espírito do seu borbulhante final que anda por ali, naquelas pausas desafiadoras e nos golpes de fugato. E, qual cereja no cimo do bolo, mais uma vez, o God save the King que reaparece no centro do andamento, coroando toda a sinfonia num brilhante lampejo em Sol Maior.

O grande problema de Clementi - tal como afirmava Wolfgang Mozart em carta ao pai Leopold, datada de Viena aos 16 de Janeiro de 1782, após um duelo musical que mantivera com o músico italiano promovido pelo próprio Imperador José II residiria no facto de o músico italiano não passar de um «mecânico»?* Mozart, que lá saberia, tinha o gabarito máximo do divino génio para poder dizê-lo com todas as letras… A propósito, um dia destes, se puder, traduzirei tal carta que, além deste, tem mais alguns motivos de grande interesse.

Agora, a Sinfonia em questão. Para poderem acompanhar convenientemente, eis uma distribuição dos tempos de cada andamento: I: Andante sostenuto - Allegro con brio 00:00; II: Andante un poco mosso 11:12; III: Minuetto: Allegretto - Trio 19:44; IV: Finale: Vivace 24:23.

Interpretação a cargo da The Philharmonia, sob a direcção de Francesco d’ Avalos.

Boa audição!

*[Hei-de escrever-vos sobre os belíssimos pianos que este mesmo Clementi produziu. Um deles, que faz parte do acervo do Palácio de Queluz, foi recentemente recuperado, está em formidáveis condições. Ali, no próximo dia 12 de Março, no âmbito da Temporada Tempestade e Galanterie, tão sofisticado instrumento será tocado por Kristiam Bezuidenhout, o grande pianista cujos recitais na Mozartwoche deixaram a todos quantos tivemos o privilégio de o ouvir a mais favorável das impressões.]






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