[sempre de acordo com a antiga ortografia]

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014





[Salzburg, 03.02.2014]


Ainda hoje lá passei várias vezes. Mas, agora, quando a noite até já estava «fresca», nos seus três negativos, deu-me uma séria pancada e, em vez de ficar por casa a ler e a escrever – como vos disse, ainda tenho o diário por actualizar, embora quase em dia – fui por aí fora, Linzer Gasse abaixo até à Staatsbrücke que atravessei, para me dirigir à Universitätsplatz.

De vez
em quando é isto. Um qualquer magnetismo que, à noite, me atrai àquele sítio. Há ali uma sábia iluminação nocturna, que não percebo como terá sido resolvida para surtir o efeito de que vos dou conta. Não, não pensem tratar-se de alguma e recente tecnologia porque, em mim, este fascínio tem décadas.

Não é coisa que toque toda a gente mas, dentre os meus amigos, há um que, condescendente, sorri dizendo que é mania minha, um casal que concorda sem a febre de exaltação que só eu evidencio e a Geneviève, a famosa Prof. Geneviève Geffray, que me dá toda a razão. Enfim, podia ter-me dado para pior. Mas, na tentativa de perceber, de desmontar o que há ali de particularmente atraente e atractivo, até tenho uma teoria.

Tal como em toda a Altstadt, ou seja, literalmente, a cidade antiga, também na Universitätsplatz, as fachadas das casas, pintadas com as cores tão caras ao barroco, nas várias gamas dos secos, vão desde os verdes, rosa, creme, azuis, aos cinzentos, atenuando estes numa tão vasta paleta que mais parece a escala do Theodor Dreyer.

À noite, este cromatismo muito denso, em resultado de as casas de quatro andares, se sucederem umas encostadas às outras, portanto, sem intervalo, dialoga com o estupendo volume, alto, espesso, elegante, branco, imenso e branco, da Kollegienkirche, pérola do barroco austríaco saída do traço de Johann Bernard Fischer von Erlach.

Pois bem, é o resultado desse jogo de difusas tonalidades que, à mistura com uma luz artificial, nada impositiva, quase fantasmagórica, suscitará o tal reboliço que, só de nele pensar, me faz saír de casa, mesmo com a maior intempérie. Talvez a minha amiga Arq. Châbeli de Castro-Camacho possa corroborar ou, pelo contrário, desfazer este complicado 'transe'...

Enfim, lá fui acalmar o desassossego em que já estava, dei mais uma breve volta, pela Residenz para voltar ao mesmo lugar, passando pelo pequeno túnel do livreiro Höllrigl, que, como saberão, é o mais antigo comércio de livros da Áustria, aberto desde 1594.

Logo tive de afastar do pensamento os casos que, inevitavelmente, ocorrem acerca de boas e antigas livrarias de Lisboa, que vão desaparecendo a ritmo preocupante, dando lugar a um qualquer ‘franchising’ de sandes, pizzas ou o diabo que leve tão insonsos negócios de comes e bebes…

Regressei a casa para tudo isto vos contar antes de me deitar, não sem que me esquecesse de ter de vos passar informação sobre o concerto de ontem à noite. Olhem, tivesse ele sido absolutamente excepcional e já o saberiam…


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