[sempre de acordo com a antiga ortografia]

quarta-feira, 5 de novembro de 2014



Sintra,
manifesto para o civismo


[Transcrição do artigo publicado na edição do 'Jornal de Sintra' do passado dia 31 de Outubro]

Defender o património, nos tempos que correm, é mais que nunca um dever cívico, porque, avaras, as verbas encolhem, e o interesse público também. Para os militantes dessa causa, este deve porém ser um momento de vigília, e de não deixar que a frágil árvore desapareça na floresta densa de dificuldades, cortes e silêncios motivados pela ditadura da dívida, ou abocanhada por um qualquer Leviathan.

Defender o património, nestes dias dum Portugal cinzento, é estimular a cidadania, e as boas práticas; é pugnar pela educação escolar como plataforma para o seu conhecimento e propagação; é descolonizar a memória de imaginários estafados, acolhendo visões de património, que incluam o imaterial e o das vivências, amanhã seguramente tradições; é resgatar a auto-estima e o “sentimento de nós”, num tempo de cerrar fileiras, e estimular a identidade que constrói a nossa idiossincrasia e peculiar forma de estar no mundo; é lançar pontes e massa crítica, mediar entre o poder público e as comunidades, num trajecto virtuoso que acentue o pathos de ser português, e sê-lo de modo universalista. (…)

[“Defender o património de Sintra é…”, Fernando Morais Gomes, blogue No Reino de Klingsor, 25.10.2014]

Este excerto inicial de um texto subscrito por um bom amigo e conhecido militante da defesa do património, texto denso e pleno de actualidade, não só funciona como um verdadeiro manifesto mas também, para muitos de nós, é a confirmação de uma atitude de vida, por vezes, de dezenas de anos de intervenção cívica que, por muito nos honrar, não estamos dispostos a dar de barato.

Em quaisquer circunstâncias, é suposto que todos os que nos revemos nestas palavras, possamos e devamos dar público manifesto de uma saudável e desejável comunhão de interesses. Então, neste preciso momento, em que a Câmara Municipal de Sintra, na sessão da Assembleia Municipal datada de 20 do corrente, acaba de apresentar aos munícipes o seu entendimento do Estado do Concelho, é-nos lançado um desafio.

Na realidade, implícita e explicitamente, somos chamados à afirmação de uma presença atenta e activa, cooperante e decidida ao maior envolvimento cívico, para que as soluções, longe de apresentadas como factos consumados, pelo contrário, sejam o corolário de exemplar forma de trabalho entre os decisores políticos locais e os cidadãos que representam.

Momento crucial

Assim vindo a suceder, perante a evidência de que está prestes a apresentar propostas que os diferentes gabinetes terão preparado, chegada é, portanto, a altura de a autarquia concretizar as consultas formais às associações cívicas e culturais representativas dos cidadãos, consulta esta que tem afirmado ser sua inequívoca opção para o governo local, que melhor a habilite à resolução dos problemas graves que estão a afectar muito seriamente a qualidade de vida das populações.

Naturalmente, todas as previsíveis diligências, consultas, partilha de informação entre os representantes das associações, autarcas e técnicos da Câmara Municipal, deverão decorrer com a maior cordialidade, abertura de espírito e inequívoca vontade, não só de corrigir o que, durante anos tão mal tem estado, mas também de concretizar as novas e melhores medidas possíveis. As circunstâncias reais determinarão quando manifestar total acordo ou, eventualmente, assumir frontal oposição se a defesa dos princípios e valores que nos animam não nos autorizarem outra alternativa.

Importa valorizar um facto essencial. Felizmente, tudo está em aberto. A título de exemplo, o caso do estacionamento. Como ainda não há quaisquer factos consumados e, de acordo com o anúncio do próprio Senhor Presidente da Câmara na referida sessão da Assembleia Municipal, tão somente, uma vaga indicação relativa à possibilidade de instalar um silo na zona da Estefânea, a expectativa é total, não podendo ser maior a vontade de ouvir, estudar e colaborar.

A propósito, jamais se deverá perder a noção de que, numa perspectiva integrada da intervenção municipal – em especial, num enquadramento tão crítico e exigente como é o de Sintra, objecto da classificação da Unesco como Paisagem Cultural da Humanidade – a defesa e recuperação do património natural e edificado é indissociável da normalização do tráfego, regularização da sinalética, instalação de parques dissuasores de estacionamento periférico em articulação com adequada rede de transportes públicos, rigoroso regime de cargas e descargas, acesso ao centro histórico e pontos altos da Serra e outros itens de perfil afim.

Finalmente, na expectativa de podermos enriquecer a prática da democracia participativa, matriz de toda a intervenção cívica, não deixaremos de sublinhar ser este o momento em que aos autarcas compete suprir o máximo de esclarecimento de tal modo que, ao partilhá-lo com os cidadãos que integram as nossas associações cívicas, todos nos sintamos devidamente apetrechados para o trabalho da representação e satisfação dos interesses da comunidade.

PS:

O Prof. António Lamas acaba de deixar a Administração da Parques de Sintra Monte da Lua. Sabem todos os habituais leitores do apreço em que tenho a administração do Prof. António Lamas ao longo dos seus anos à frente da empresa. A obra que deixa é verdadeiramente espectacular e, tanto mais positiva quanto, em contraponto, sucede a um descalabro que, francamente, não posso nem devo misturar com estas palavras.

Com a sua liderança de cerca de nove anos, o Prof. António Lamas deixa, à Parques de Sintra, aos sintrenses e aos portugueses em geral, um legado de extraordinárias realizações e o paradigma de uma actividade que, infelizmente, é muito raro encontrar entre nós.

Ali, as coisas não correram bem por acaso. Ali, funciona uma equipa de colaboradores, com as características que lhe conhecemos, porque a administração encabeçada pelo Prof. Lamas a soube motivar de forma excepcional.

O Prof. Lamas levantou a fasquia a uma tal altura que não vai ser mesmo nada fácil substituí-lo. Para já, a tutela não podia ter dado melhor sinal ao nomear o Dr. Manuel Baptista que, durante todos estes anos foi o mais activo companheiro no caminho do sucesso que também obra sua. Solução de continuidade, é sem dúvida, e muito bem! Oxalá pudesse ser inequivocamente definitiva…

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