[sempre de acordo com a antiga ortografia]

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015



2015, Salzburg IV
MOZARTWOCHE 2015
 

 "DAVIDE PENITENTE", CANTATA DE MOZART

- GRANDE ACONTECIMENTO EM SALZBURG

[facebook, 23.01.2015]


"Davide penitente" KV. 469 é a Cantata de Mozart - estreada em Viena, no Burgtheater, em Março de 1785 (uma adaptação que o compositor promoveu a partir da sua Missa em Dó menor KV. 427) - que a Fundação Internacional do Mozarteum de Salzburg escolheu como a grande produção da Mozartwoche de 2015*. Da concepção cénica desta maravilhosa peça foi encarregado Bartabas, o mestre único da arte de coreografia equina, que coordenou a sua equipa da Académie Équestre de Versailles.

Como ontem tive oportunidade de focar, a arte de Bartabas é praticamente impossível de categorizar já que consegue articular cavalos, pessoas, movimento, luz e figurinos para propor uma espécie de 'gesamtkunstwerk'. Em Salzburg tivemos a rara oportunidade de viver a experiência radical do trabalho de um dos mais aclamados artistas do nosso tempo, cujas mais recentes propostas incluem ousadíssimos espectáculos concebidos à volta da música de Stravinsky e de Bach.

E, de modo extremamente significativo, esta produção de "Davide penitente" - com uma tão forte componente equina, envolvendo seis parelhas de cavalos, que evoluiram como grandes estrelas - aconteceu no grande auditório que aproveitou as estruturas da Felsenreitschule, o picadeiro que os Príncipes-Arcebispos de Salzburg construíram há mais de trezentos anos.

Convém ter em consideração que Salzburg foi um dos lugares europeus onde a equitação e a criação de cavalos mais floresceu. Sinais evidentes de que assim foi, estão um pouco por toda a cidade e, precisamente, na zona que é hoje ocupada pelos três grandes auditórios da cidade, a saber, a Felsenreitshule, a Haus für Mozart e o Grosses Festspielhaus. Aliás, o talvez mais famoso arquitecto do barroco germânico, Johann Bernard Fischer von Erlach, que tantos trabalhos deixou em Salzburg, começou a sua colaboração com os Príncipes Arcebispos com a grande fachada da Felsenreitschule, obra fascinante.

E vamos à peça.“(...) Os membros da Sociedade Vienense para a Protecção de Orfãos e Viúvas, encomendaram uma Oratória a Mozart… Porém, não dispondo de tempo para a composição da obra, aproveitou uma “Grande Missa” incompleta, adaptou-lhe um texto em Italiano, juntou árias e duetos, dando origem a uma ‘Oratória’: Davide penitente, na qual foram suprimidos os coros do Kyrie e do Gloria, sendo acrescentado à fuga um solo em três partes."

É assim que Maximilian Stadler descreve a génese da peça actualmente designada como ´Cantata’, com base na “Grande Missa em Dó menor”, KV. 427, que emparceira com o “Requiem” enquanto obra maior de Mozart no capítulo da música sacra. O concerto incluiu a obscuramente expressiva “Música Fúnebre Maçónica”, KV. 477 e um interlúdio do drama heróico “Thamos, Rei do Egipto”, KV. 345, com a sua lamentação transcendente e ritos arcaicos.

Eis a ficha geral da produção que, não tenho a menor dúvida, foi um marco histórico neste Festival de Inverno que já conta 59 anos dos maiores êxitos mozartianos:

- Marc Minkowski, Maestro, Les Musiciens du Louvre Grenoble e Salzburger Bachchor
- Bartabas, Direcção, Coreografia de cavalos e cavaleiros da Académie Equestre de Versailles.

- Vozes solistas:
Christiane Karg, soprano
Marianne Crebassa, Mezzo
Stanislas de Barbeyrac, tenor

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É, na realidade, de assinalável arrojo a concepção da proposta que, depois de uma tremenda expectativa, ao longo de um ano, ontem vimos concretizada. Em relação à dificílima questão da partilha do espaço, Marc Minkowski decidiu aproveitar os três andares das arcadas da Felsenreitschule para aí 'alojar' a Orquestra, nos primeiro e segundo andares, com as vozes solistas ao meio deste, e o Coro no superior. Fantásticas as condições acústicas da sala que em nada se ressentiram por esta opção.

No palco, algo reduzido em relação às necessidades da movimentação de seis parelhas, apenas evoluíram os animais com os seus cavaleiros. Habituado que estou, desde miúdo, a assistir à apresentação de cavalos em Alta Escola, é claro que a deslocação balética destes estupendos animais, alguns dos quais lusitanos, só não me impressionaria se eu estivesse à espera de algo semelhante ao que tão bem fazem os cavaleiros da Escola Portuguesa de Arte Equestre, sediada em Queluz, sob os auspícios da Parques de Sintra.

Como assim não era, já que a de Bartabas, é uma linguagem artística outra, fiquei muitíssimo bem impressionado. Há poesia, uma elegância suspensa, de muitas toneladas de cavalos, um peso que não se sente, não se ouve, como que deslizante sobre as nuvens em que se transformou aquele piso do palco, tão especialmente bem preparado para que tal sensação se impusesse.

Vozes solistas ao mais alto nível, Orquestra e Coro com um empenho e qualidade inexcedíveis, sob a batuta de Marc Minkowski, averbando um êxito de arromba, como esta manhã assinalava o crítico do “Salzburger Nachrichten”, opinião que já tive oportunidade de partilhar convosco noutro post.
Portanto, meus amigos, a Mozartwoche não podia ter começado de maneira mais auspiciosa. Houve festa. Está tudo dito! E, pois claro, depois correu o Champagne!

PS:
Antes do evento, lendo alguma informação que corria e falando com amigos acerca das «habilidades» a que assistiríamos, insistia-se numa parte da coreografia, em que as cavaleiras montavam sem rédeas. De facto, assim aconteceu, já que braços e mãos evoluem para sublinhar determinada elevação estética. Mas, Deus meu, não percebi que especial expectativa era aquela já que qualquer criança aprende a fazê-lo nas aulas de volteio.

Eis uma proposta de audição da peça, que vos aconselho vivamente.


Boa audição!

 
 
 
 
W. AMADEUS MOZART.- Oratorio - David Penitente Kv 469 1.Chorus: Alzai le flebili voci al Signor 2.Chorus: Cantiam le glorie 3.Aria: Lungi le core ingrato 4.C...
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