[sempre de acordo com a antiga ortografia]

sexta-feira, 17 de abril de 2015



8 de Fevereiro de 2015 [facebook]

Efeméride mozartiana

7 de Fevereiro de 1786

Viena: Estreia da ópera "Prima la musica e poi le parole" de Antonio Salieri e do 'singspiel' "Der Schauspieldirektor” de Mozart, na Orangerie do Palácio de Schönbrun.
A propósito da comemoração desta efeméride - à qual aludo no escrito que se segue - recupero umas palavras que dirigi a M Manuela Bravo Serra em Novembro de 2012 as quais também surgem a propósito da minha recente estada em Salzburg por ocasião da Mozartwoiche 2015.
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Os desafios de Mozart

Mozart continua a ser um dos compositores que maior fascínio suscita, tanto ao nível das soluções que encontrou para determinados problemas de composição - o caso da Sinfonia No. 40, KV. 550 é o paradigma máximo desta asserção - como em relação a aspectos da vida pessoal que, ainda hoje, permanecem na sombra.

Poucos músicos, como ele, tanto terão escrito acerca das suas próprias impressões, nomeadamente, no contexto da epistolografia. As suas cartas constituem um património absolutamente inestimável para a compreensão das suas mais íntimas motivações.
 
Conhecemos-lhe estados de espírito, emoções, o que o indignava, o que lhe acicatava o humor e a raiva, como desprezava a mesquinhez e sabia ser grande, em que medida era obrigado a trabalhar para pôr o pão na mesa, em que medida está longíssimo da perspectiva romantizada de uma existência de génio à espera que a centelha da originalidade espicaçasse a inspiração...

O que a sua biografia real está longe da ficcionada por Puchkine, Rimsky-Korsakov, Peter Schäfer e Milos Forman é qualquer coisa de incomensurável. A injustiça que, em seu nome se fez e continua a fazer a um compositor como Salieri - a partir da ficção elaborada por aqueles excepcionais romancista, compositor, dramaturgo e cineasta que, de modo algum perseguiram qualquer objectivo de obediência à verdade histórica já que desta partem para uma realidade outra que é a da Arte - tem prejudicado inusitadamente o correcto acesso ao compositor e ao homem, em especial por parte de um público pouco lido, pouco esclarecido e que tomou como verdade aquilo que não passa de Arte na literatura, na ópera, no Teatro e no cinema.

Quanto mais o estudo, e estudo-o há muitos anos, mais «apanhado» fico na teia do seu magnetismo compósito, de católico, maçon, feminista avant la lettre, revolucionário, lutador pela imposição da sua língua, o alemão, na ópera – esse sim, o antagonismo não com Salieri, pessoalmente, mas com o figurino italianizante preponderante em Viena (vd. o caso do seu Singspiel “Der Schauspieldirektor” à compita com “Prima la Musica, Poi le Parole” de Salieri) – luta pela independência pessoal em relação aos patrocinadores, abrindo o caminho a todos quantos, como Beethoven, se lhe seguiram, finalmente, objecto do reconhecimento do músico como artista, deixando de ser considerado como funcionário.

Ah, é verdade, e o seu ódio à Salzburg provinciana, atrasada, sem teatro de ópera da qual se farta, em definitivo, já pelos seus vinte e cinco anos, depois do episódio com o Príncipe Arcebispo Conde de Colloredo? Esta Salzburg que, hoje, explora a sua memória até à medula de chocolates, bombons, Kugeln que se digladiam numa feroz concorrência por uma genuinidade de receitas, esta Salzburg onde, maravilhados, perdemos as coordenadas, onde nos diluímos, cidade donde partimos de coração estilhaçado.

Feio, de aspecto físico pouco atraente, cabeça grande e desproporcionada a um corpo que não chegava ao metro e sessenta, macilento, bexigoso, pouco saudável desde criança, provavelmente um doente crónico de febre reumática, jogador, gastador, empenhado até à raiz dos cabelos, rastejando indigna e humildemente à procura de dinheiro que lhe salvasse a honra, maníaco, obsessivo, eventualmente bipolar, e tantos mais traços, mais ou menos negativos , a conjugar com o sucesso e outros aspectos radiantes… E tudo isto a reflectir-se na obra? Umas vezes sim, outras…

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