[sempre de acordo com a antiga ortografia]

terça-feira, 8 de setembro de 2015



Padre João Resina Rodrigues,
memória perene




Em entrevista publicada no último Sábado pelo Expresso/Revista, Rita Sousa Nunes que, lá fora, é uma referência na investigação sobre o cancro, faz uma referência muito elogiosa ao "(...) padre João Resina Rodrigues, um pároco intelectual e cientista, doutorado em Filosofia, professor de Física no Técnico, mas que era ao mesmo tempo um homem muito simples e humilde (...) Era um padre que muitas vezes denunciava a ostentação da Igreja, a hipocrisia, a fachada do parecer bem. (...) Ele também costumava dizer que não interessava saber se Deus tinha criado o Big Bang e o que realmente acontecera depois disso, o como e o quando - isso eram questões, dizia ele, que a ciência teria de resolver. Para ele, o ponto principal, a mensagem básica do Génesis, era que teria tido intervenção divina (...)"

Esta referência não me podia ter sensibilizado de modo mais flagrante. Para enquadrar esta memória que me é tão cara, preciso é contar que, até 1970, ano em que terminámos os nossos cursos, nos casámos e radicámos em Sintra - onde a minha mulher tantas raízes familiares tem, desde meados do século dezanove - vivi em Lisboa, na zona de Belém, Freguesia de São Francisco Xavier.

A minha paróquia era a de Santa Maria de Belém, com sede no mosteiro dos Jerónimos, onde frequentei a catequese, fiz a Comunhão e casei. O prior era, nem mais nem menos, José da Felicidade Alves, o padre que viria a ser suspenso 'a divinis', por SS Paulo VI, por ter tido a coragem de anunciar o Evangelho como é suposto que a Igreja Católica Apostólica Romana o faça, sem temores, ao lado dos pobres e dos desfavorecidos.

Entre os padres da paróquia, seus companheiros, João Resina Rodrigues, engenheiro e professor no Instituto Superior Técnico, António Emílio, capelão da Casa Pia, que viria a ser prior em Colares, e o mais famoso, Alberto Neto, grande pedagogo, meu querido e pessoal amigo, também posteriormente pároco de Belas, todos eles homens envolvidíssimos nas denúncias dos excessos da ditadura de então, na zona onde vivia a mais poderosa legião de notáveis do regime.

O magistério de João Resina, já há cinquenta anos, e até 2010, ano em que faleceu, foi de uma exemplaridade a toda a prova. Bem posso referir que, no nosso caso, enquanto frequentámos a Faculdade de Letras, a Ana Maria e eu tivemos no Padre João Resina Rodrigues um autêntico farol. Anos seguidos, terminávamos os nossos domingos indo à Missa das sete da tarde aos Jerónimos, muito especialmente, para podermos ouvir as suas espantosas homilias.

Era um jovem, ainda na casa dos trinta, um assombro, «sem papas na língua», um padre de referência cuja militância progressista marcou pontos, além de Belém, também na Capela do Rato, em Santa Isabel, uma voz esclarecida, de uma coragem notável, quando era preciso ter cuidado «porque as paredes tinham ouvidos». Claro que, embora nunca tivesse sido preso, foi 'incomodado' pela Pide, aliás como todos os 'cúmplices' que alinharam nas mesmas hostes.

Antes de se decidir pelo sacerdócio, sabem por quem teve uma inclinação amorosa, que era discretamente aludida nos meios a que éramos afectos? Nem mais nem menos do que pela também engenheira Maria de Loudes Pintasilgo, que, por seu lado, se entregou a uma vida de militância religiosa, em especial no movimento Graal, antes e depois de ter sido a primeira mulher que, em Portugal, ocupou o cargo de Primeiro-Ministro.

Ah, como recordo os já aludidos fins de tarde nos Jerónimos! Pontificava a Palavra necessária, nas suas 'práticas' relativamente curtas, incisivas. O Evangelho em toda a dimensão inovadora, ao serviço de uma Igreja preocupada com os mais frágeis, sem ostentação, dos pobres e para os pobres, uma 'avant-garde' de um Francisco que nos desconcerta. Tal qual, como João Resina desconcertava.
 

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