[sempre de acordo com a antiga ortografia]

sábado, 2 de janeiro de 2016



[Meus amigos,
Vou sair para Lisboa. Daqui a pouco, estarei em São Roque para assistir ao programa que vos anunciei nestes dois últimos dias. Dois 'Te Deum', de Zelenka e Händel, peças de música sacra de Acção de Graças. Escutá-las-ei também nesse contexto de agradecimento por todas as experiências vividas durante o ano findo. Indubitavelmente, enquanto privilegiada via de contacto convosco, o facebook merece lugar de destaque nessa atitude de reconhecida gratidão por tudo quanto me proporcionaram. Muito obrigado]
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Em 31 de Dezembro, fim de ano, dia de celebrar o futuro

A EFÉMERA PASSAGEM DOS DIAS E O IMPERATIVO DO DESPOJAMENTO.
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"Porque toda a carne é como a erva, e toda a glória do homem como a flor da erva. A erva seca e a flor cai."
São Pedro 1, 24
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Em fim de ano, dia de celebrar o futuro, eis que se agigantam a noção de transitoriedade e o carácter efémero da vida, evidenciando inequívocas matizes de um mesmo quadro de referência, nos termos do qual o apelo ao lúcido e inevitável despojamento da matéria é coisa absolutamente decisiva, para ser atendida e posta em prática em todos os tempos, de tal modo que prevaleça o espírito e que, liberto este das amarras dos bens tangíveis, possa aceder à Arte, à Beleza, ao Conhecimento, como sublimes atributos da própria ideia da divindade.

Em dia de celebrar o futuro, penso nos meninos que, aqui perto e em todas as latitudes, também hoje, vivem e morrem a anos luz destas preocupações. E, de facto, assim é porque nos vamos esquecendo de que “(…) a glória do homem é como a flor da erva (…)”. Pedro bem no-lo deixou expresso, mas, até prova em contrário, tudo leva a crer que os tempos não vão propícios à sua assunção…

A propósito, sim

Por uma série de afinidades e conotações, não consigo deixar de relacionar a reflexão que convosco partilho com uma tão fundamental como conhecidíssima peça do romantismo alemão musical tardio. Trata-se de “Ein deutsches Requiem”, op. 45 de Johannes Brahms, obra datada de 1868, que, apesar do título, não reveste a forma da canónica missa que, muito naturalmente, se associa ao conceito de requiem.

Neste caso, Brahms procedeu a uma livre e criteriosa selecção de estratos da Bíblia, traduzidos para alemão, que, nada tendo a ver com o latino ordinário da missa de defuntos, nos remetem para uma visão despojada, necessariamente mais serena da existência humana, talvez mais próxima da mundividência cristã protestante, ainda que o compositor não fosse crente.

Hoje, dia especial de celebração da Vida, o homem crente que sou, articula-a e conjuga-a com a Morte no trilho de uma hegeliana síntese triádica, em que ambas se relacionam com a Música, a Arte que me é mais próxima e que, como toda a Arte, mais me aproxima do sublime.

Se puderem, acompanhem-me na audição de “Ein deutsches Requiem”, no entendimento de que faz parte da simbologia da libertação do acessório. Deixo-vos com uma gravação de absoluta referência:

Barítono -- Dietrich Fischer-Dieskau
Soprano -- Elisabeth Schwarzkopf


Coro -- Philharmonia Chorus London
Maestro -- Otto Klemperer
Orquestra -Philharmonia Orchestra London
Orgão -- Ralph Downes


I. "Selig sind, die da Leid tragen"
II. "Denn alles Fleisch, es ist wie Gras"
III. "Herr, lehre doch mich"
IV. "Wie lieblich sind diene Wohnungen"
V. "Ihr habt nun Traurigkeit"
VI. "Denn wir haben hier kleine bleibende Statt"
VII."Selig sind die Toten


Boa audição!
 
 
 
Johannes Brahms - Ein Deutsches Requiem Op. 45 for soprano and baritone solo, chorus and orchestra. Baritone Vocals -- Dietrich Fischer-Dieskau Chorus…
youtube.com
 
 
 

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