[sempre de acordo com a antiga ortografia]

segunda-feira, 28 de março de 2016




Agradecendo

[publicado no facebook em 19.03.2016]

Comecei a agradecer as vossas mensagens mas não dou vencimento... Pelo meio, vou-mre comovendo, abrando o ritmo, paro mesmo.Tenho toda a escrita atrasada mas, como «é por bem», não estou penalizado.

Como agradecer as vossas palavras? Na maior parte dos casos, como contactamos quase exclusivamente por esta via, só posso prometer que retribuirei, quotidianamente, com a continuação da partilha dos meus meandros. Principalmente, a Música e o amor por Sintra, que nos mantêm em sintonia.

Por vezes, não sabendo onde buscar ânimo para prosseguir, penso em todos vós, indistintamente, e não tenho coragem de deixar de aqui vir.Queira ou não queira, há nisto uma certa carga de «missão», que corresponde a um qualquer tipo de apelo, que «daí» me chega.

Penso numa espécie de desafio ao qual, sem presunção, e nem sempre conseguindo, correspondo com o melhor que tenho. A cada um, fico muito obrigado.

E, já de seguida, mais uma efeméride, um dos «produtos» mais frequentes... Vem, atrasada. De ontem era. De facto, como confirmarão, absolutamente imperdível!

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Viena, 19 de Março de 1788
Efeméride Mozartiana
"(...) única peça independente conhecida em Si menor, que Hutchings coloca nos píncaros. (...)"
Nesta data, Mozart registou no seu catálogo pessoal a seguinte entrada: "A 19, um Adagio para o piano solo, em Si menor". Mais tarde, Köchel, o famoso Cavaleiro Ludwig von Köchel, atribuiria à composição, a referência KV. 540. Em função das características da peça, marcada por evidentes sinais de pessimismo, angústia e nostalgia, bom será que tenham uma noção relativamente aproximada do período em que é escrito este Adagio.

Para o compositor, o ano de 1788 é crucial e cheio de dificuldades. Ainda hoje se desconhece que preocupantes acontecimentos o terão levado a mergulhar num período de tão grande turbulência interior. Certo é que sabemos dos seus problemas de falta de dinheiro. Mas também sabemos que, senhor de rendimentos muito razoáveis, na realidade, gastava muito mais do que os proventos auferidos.

A verdade é que, ao pedir dinheiro emprestado, por exemplo, através da célebre carta a Puchberg, seu Irmão Maçon, se verga a um tal ponto que confessa estaria prestes a perder a honra. Tudo leva a crer que o atormentavam enormes dívidas de jogo. Já depois da sua morte, por outro lado, a irmã Maria Anna (Nannerl) daria a entender como Wolfgang era pessoa inábil em questões relacionadas com o vil metal.

Ao certo nunca se saberá o que estava a montante de tanta perturbação. Tenhamos em consideração que será durante escassos dois meses do Verão seguinte, que ele escreve a fabulosa tríade das derradeiras sinfonias, a penúltima das quais, em Sol menor, KV. 550, cuja simbologia remete para contextos trágicos relacionados com a morte, obra inquietante, misteriosa, a tal que levou Nikolaus Harnoncourt - queridíssimo maestro, a quem tanto devemos, há 15 dias falecido - a mudar radicalmente o curso da sua vida.

Ao longo dos anos, tenho ouvido este Adagio tocado pelos maiores pianistas vivos e também por alguns que já não estão entre nós. É importante lembrar que, no quadro geral da obra de Mozart, estamos em presença da única peça independente conhecida em Si menor, que Hutchings coloca nos píncaros.

Em Salzburg, no círculo dos meus amigos e conhecidos mais próximos, não há quem se atreva a pôr em dúvida quem, actualmente, melhor lê e interpreta esta obra, de acordo com os cânones mozartianos mais exigentes. É nesse enquadramento, do máximo gabarito que, para o serviço ao «divino» Mozart – epíteto com que tantas vezes é invocado pelo MQI José Anes – convoco a melhor das intérpretes.

Como poderão verificar, desde a concentração inicial até aos mais ínfimos detalhes, Mitsuko Uchida, é a ela que recorro, parece não ter senão a matéria essencial à relação com o teclado. Como tantas vezes lhe tenho assinalado, já não é deste mundo a carga de espiritualidade etérea que afecta à interpretação o que não significa que algo fique fora do controlo físico e racional da pianista.
 
Finalmente vos afirmo que, sim meus amigos, tereis agora do melhor Mozart que conheço. Obra singular, a KV. 540 é verdadeira, comovente preciosidade. Apropriem-se dela na justa medida em que tal é possível. Saibam merecê-la.

Boa audição!
 

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