[sempre de acordo com a antiga ortografia]

segunda-feira, 14 de março de 2016



Nikolaus Harnoncourt

Luto.
Luto carregado das mais alvas tonalidades!


[publicado no facebook, em 06.03.2016]

Tenho a impressão de que não devo, a nenhum músico dos nosso dias, algo de semelhante ao crédito que, sobre mim tinha Nikolaus Harnoncourt. Há quarenta e tal, cinquenta anos que Harnoncourt era o meu máximo mentor. Foi quem me abriu os olhos para a verdade de muitos «momentos» musicais que eu pensava serem e estarem bem alicerçados e que ele me veio abalar da maneira mais bela e definitiva.

E, depois, que estupenda pessoa! Tive o privilégio de o conhecer pessoalmente, em Salzburg, cidade que ele amava e onde voltava, constantemente, numa relação inextricável, de suas memórias e de nossos permanentes manifestos de apreço, de consideração máxima e de orgulho desmesurado.
Em 2006, durante todo o ano em que comemorámos em Salzburg os 250 anos do nascimento de Mozart, o que acrescentei eu ao meu património, fruto do ensinamento que dele recebi, nesse tempo de jubileu que ele sobe potenciar de modo inusiutado?

Além da música, que nos soube devolver na sua máxima autenticidade, pureza, verdade sem mácula, devo-lhe a palavra. Discursos espantosos com que nos cumulava, em pleno Grosses Festspielhaus, durante o tempo que lhe apetecesse, de microfone na mão, num Alemão impecável, que eu ouvia como se alemão fosse, como muito dificilmente acontece com estrangeiros que, sabendo Alemão, não são alemães…

Palavras acerca das peças, acerca dos compositores, desmontando as particularidades e circunstâncias do tempo em que as obras tinham sido concebidas, com uma verve, um conhecimento de causa e uma poesia absolutamente contagiantes. E, ainda, o homem elegantíssimo, Nikolaus, Graf [conde] Harnoncourtt, sofisticado mas próximo, como sempre acontece nas pessoas da sua estirpe.

Penso em Nikolaus e, imediatamente, não posso deixar de o «alinhar» com Alice, sua mulher. Como é possível pensar no Concentus Musicus Wien, em actividade desde 1953, sem nela pensar? Meu Deus, eu esperava ansioso a sua entrada em palco, sabendo como era importante a sua presença para o «produto» resultante da prestação de todos. Como se sentirá hoje, também ela, nos seus 86 anos?

Não há músico algum cuja partida pudesse ser tão sofrida para mim. As idas a Salzburg eram sempre «combinadas» a partir da certeza da sua presença. Vou deixar de contar com estas relações – já delas estava apartado desde que as suas condições de saúde lhe começaram a ditar as ausências – sei que esta circunstância vai acelerar o meu próprio processo de envelhecimento…

De luto, meus queridos amigos. Estou de luto carregado. A minha mulher veio dar comigo, inconsolável, a chorar, agarrado à mesa sobre a qual trabalho à frente deste computador. Choro a perda, sem remédio. Em sua memória gostaria de vos propor que, comigo, ouvísseis a Sinfonia No.40 de Mozart, Sinfonia em Sol menor, tonalidade da grade perturbação, tonalidade da própria morte que, dizia Harnoncourt, tão revolucionária era que revolucionou a sua própria vida.
 
Que Deus o tenha em Sua Glória! Ninguém mais o merece!

https://youtu.be/AyDVcW22tb4

Boa Audição!
 
 
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