[sempre de acordo com a antiga ortografia]

sábado, 13 de maio de 2017



FESTIVAL DE SINTRA
UMA CRÓNICA DE OUTROS TEMPOS
Ou, por outras palavras,
o glorioso passado e o indigente presente

[publicado no facebook em 11.05.2017]

Já tendo começado a 52ª da edição do Festival de Sintra 2017, a coisa mais natural deste mundo é que me ocorram dezenas de textos que tenho assinado e publicado a propósito de eventos integrados nesta iniciativa em tantos anos.
Com alguma saudade, eis um artigo datado de 2012, precisamente referente à sessão de Abertura da 47ª edição. Naquela altura, ainda nenhum indício havia de que o Festival já estava a viver o fim de uma era e que se entraria no actual período de indigência que todos os interessados isentos têm assinalado.
Então, uma crónica de outros tempos, não tão antigos como poderia parecer. São relativos, portanto, ao penúltimo ano do mandato do anterior executivo da Câmara Municipal de Sintra. Uma conferência por Rui Vieira Nery, Sokolov em recital... Meu Deus, parece outra galáxia!
Enfim, basta verificar os eventos da mais alta qualidade acerca dos quais era possível escrever e comparar com o que hoje acontece...
Os factos actuais falam por si e, contra factos...
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Festival de Sintra,
Abertura 2012,
bons sinais
De acordo com o programa oportunamente anunciado, começou hoje a 47ª edição do Festival de Sintra. Como lembrarão, na passada terça-feira, chamei a atenção para os eventos do dia de abertura, primeiramenbte, a conferência de Rui Vieira Nery e, mais tarde, o recital de Grigory Sokolov.
Quanto à conferência, o conhecido musicólogo obedeceu ao esquema que costuma observar, ou seja, subordinando-se a um tema – neste caso, 'A Viena imperial e a matriz cosmopolita do Romantismo musical europeu' – foi ilustrando as pertinentes considerações com excertos de gravações das peças musicais que, inequivocamente, melhor se enquadravam.
Durante hora e meia, fizemos o fascinante percurso de um século de música, sensivelmente, entre 1815 e 1914, partindo de Beethoven e de Schubert, caracterizando a Viena capital imperial que, a um tempo é conservadora e cosmopolita, fervilhando numa actividade musical verdadeiramente imparável, que acolhe a ópera de Weber, de Meyerbeer, Rossini, Bellini, Verdi, mas incapaz de lidar com a modernidade wagneriana.
Assistimos ao sucesso de Brahms, à contemporaneidade finissecular da valsa, da polka e da marcha, às tentativas de afirmação de novas vozes portadoras de linguagens que vão afirmar-se através de Mahler, Hugo Wolf e Richard Strauss e também de um Bruckner, sempre numa moldura vienense nostálgica, poética, edílica que conhece e convive com as primícias da psicanálise freudiana, de consequências tão decisivas em toda a Arte e, naturalmente, também na Música.
Sem meios sofisticados de apoio, limitando-se à reprodução de CDs, Rui Vieira Nery foi, como sempre, muito eficaz, num ambiente da maior informalidade. O Presidente da Câmara Municipal de Sintra, Prof. Fernando Roboredo Seara – que, tal como o próprio conferencista, está a viver um período difícil subsequente ao recente falecimento do seu pai – fez uma apresentação tão simples quanto rápida mas muito certeira.
Esta proposta de iniciar o Festival com uma conferência é coisa muito sua, modelo que começou a privilegiar, há já uns bons anos, quando, para o mesmo efeito, convidou o Prof. António Damásio. É assim que Fernando Roboredo Seara pretende e também consegue demonstrar como, em tempo de grande contenção financeira, um Festival de Música pode e deve ser lugar de aprendizagens várias e cruzadas, de refrescamento e enriquecimento espiritual, convidando alguém que, à partida, garante que tais propósitos serão, de facto, alcançados para benefício de todos quantos participarem.
Claro que correu bem. Foi mesmo muito agradável. O Festival não podia ter começado com melhores sinais. Ah, é verdade, por motivos de doença, Sokolov só aqui se apresentará no dia 10 do próximo mês de Julho. Vamos esperar que o pianista recupere e que, mais uma vez, em Sintra, não só passeie a sua fabulosa classe de artista mas também continue a brindar o público com a habitual ímpar generosidade de extras.
PS:
Permitam que finalize, roubando ao Rui Vieira Nery - que, sei perfeitamente, não se importa mesmo nada - esta proposta de audição, na interpretação de Elisabeth Schwarzkopf,. Trata-se de "Wien, du Stadt meiner Träume" [Viena, tu cidade dos meus Sonhos]de Sieczynsky, canção com que ele finalizou a conferência. Mesmo sem terem assistido, façam o favor de imaginar o efeito de chave de ouro...
Boa audição!
[Ilustr: Rui Vieira Nery; Elisabeth Schwarzkopf; Fernando Roboredo Seara]

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