[sempre de acordo com a antiga ortografia]

sábado, 13 de maio de 2017



Uma disciplina que se transforma em instinto


“(…) Se os tempos correm mal para a paisagem, podemos dizer que a nossa terra também é pouco propícia à conservação, quanto menos à valorização daquilo que chamamos belezas naturais. No entanto, sem nos afastarmos muito da raia do país, podemos gozar – por exemplo – uma cidade como Sevilha, isolada na vasta campina, que nos oferece um quadro sem mancha ofensiva; e, melhor ainda, mais adiante a cidade de Granada, em contacto directo com uma paisagem acidentada e colorida, formando com ela uma completa harmonia sem falha ou desafinação.
E este milagre é possível porque a Espanha é um país muito conservador, em que perdura ainda a tradição, a tradição que não é, como muitos imaginam, uma veleidade passadista mas resultado da experiência acumulada de gerações sucessivas, constituindo por si uma disciplina que acaba por se transformar como que num instinto.
Este instinto não é exclusivo da Espanha; revela-se noutros países, nomeadamente na França, na Inglaterra, na Holanda ou na Alemanha. Mas entre nós, desde há muito que ele deu o que tinha a dar, e para ele agora pudesse reviver, seriam precisos esforços hercúleos de uma reforma educacional. (…)”
[Arq. Raul Lino, em conferência proferida na Sociedade de Geografia de Lisboa, no dia 16 de Janeiro de 1957, subordinada ao título ”Arquitectura, Paisagem e a Vida”.]
Ao reler esta página, chegando às referências a Sevilha e Granada, logo pensei em Chábeli Jardim a quem remeto estas palavras do seu colega, um dos mais conhecidos arquitectos portugueses do século vinte.
Em 2014, comemorou-se o centenário da inauguração da Casa do Cipreste – a sua morada em Sintra e que, no seu dizer, foi a única obra em que teve completa liberdade – cuja visita a todos recomendo o mais vivamente possível.
Não poderia deixar de aproveitar a oportunidade, mais uma vez, chamar a atenção para a Casa Francisco Costa. Actualmente, está em processo de degradação. Trata-se de mais um imóvel do património municipal que, devido à proverbial incúria e 'cultura do desleixo' está em situação imerecida.
[Ilustr: Raul Lino, retrato a carvão por António Carneiro; Raul Lino: 'Casa do Cipestre' e 'Casa Francisco Costa]

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