[sempre de acordo com a antiga ortografia]

quarta-feira, 30 de julho de 2008

Fait divers

Pois é, o pequeno acontecimento, facto de pouca, relativa ou nenhuma importância. De algum modo, também a miscelânea da silly season, este tempo de Verão tão fértil na afirmação e assunção dos mais diferentes disparates. Pois então, se estiverem afim, acompanhem-me nesta referência breve a um fait divers que já conhece vários capítulos.

Confesso-vos que até já andava algo preocupado. Nas duas últimas semanas, depois do insensato, torpe e ordinário ataque ao Engº Baptista Alves [que aproveito para cumprimentar, na sua dupla qualidade de Capitão de Abril e de Vereador da CMS, que me merece o mais profundo respeito pela seriedade do trabalho que vem desenvolvendo], objecto de carta aberta publicada no Jornal da Região, mais nada!

De Monte Abraão, da pomposa Junta de Freguesia da Cidade de Queluz, nada soava. Pelo menos, que eu tivesse dado por isso - e, como calculam, é coisa que não me dá particular cuidado - não havia qualquer sinal daquela patológica sede de afirmação pessoal à qual, no seu perfeito juízo, já ninguém dá o mínimo crédito. Nenhum esbracejar, nenhum alerta que mantivesse aceso o facho de uma querela praticamente esquecida naquelas franjas do subúrbio.

Ontem, porém, regressando de um concerto no Centro Cultural de Belém, ao sintonizar um posto para ouvir as últimas notícias, eis que uma inflamada voz afirmava a primeira pessoa do singular, com tanta ênfase, a propósito de levar um certo processo a não sei quantas instâncias judiciais, nacionais e internacionais, até às últimas consequências, que não tive mais dúvidas. A história estava de volta!

Entendi então a notícia que apanhara a meio. O douto Tribunal de Sintra não dera razão à causa que Monte Abraão julgava procedente. Contra tudo e contra todos, contra a própria ciência que ainda investiga para poder pronunciar-se daqui a uns anos sobre as linhas de muito alta tensão (vd. caso da Faculdade de Farmácia), ei-la, a voz que não deixa perder o filão e lança mais umas palavras de ordem.

Fait divers é isto. De facto, parece mas não é coisa importante. No caso vertente, o facto é absolutamente virtual. Ainda não existe. Está ainda na pasta das dúvidas... Naturalmente, certos profissionais da comunicação social, menos bem preparados, acabam por colaborar no logro, não cuidando de avaliar como alimentam uma novela de qualidade mais que manhosa, ao serviço de interesses facilmente detectáveis.

Apesar da pouca, relativa ou nenhuma importância do facto em si, uma vez que consiga atingir a ribalta do jornal, da rádio ou do canal de televisão, sempre haverá quem perca e quem ganhe com a o quiosque. No caso vertente, não é precisa muita perspicácia para perceber quem ocupa o pódio.

terça-feira, 29 de julho de 2008

Cruz Alta, a pé…

(conclusão)

Em segundo lugar, a cerimónia em si. Nem sequer me passa pela cabeça insinuar que lhe terá faltado dignidade. A Igreja Católica Apostólica Romana, guardiã de um savoir-faire milenar, não esteve com demasias e, como competia, em função da natureza do acto, fez-se representar pela dignidade episcopal de um dos seus mais notáveis ministros portugueses, o Senhor D. Carlos de Azevedo, bispo auxiliar do Patriarcado de Lisboa, que celebrou e presidiu.

Todavia, aquela que era uma cerimónia inequivocamente religiosa, também pressupunha uma dimensão cultural que, efectivamente, não aconteceu. Por exemplo, não creio que fosse difícil, sem custos significativos, ter proporcionado um momento de leitura de textos. Entre outros, lembro o caso de Francisco Costa que, cada vez mais esquecido, precisamente se referiu à Cruz Alta. Com incontida emoção, penso em Maria Germana Tânger, imaginando como teria gostado de se prestar a tal serviço!...

E a música? Pois também não houve. Não tocou a banda nem qualquer músico ou agrupamento de câmara. Nem é caso para invocar exemplos da Alemanha, Áustria ou Espanha. Qualquer remoto lugarejo da bem portuguesa província teria feito soar uns acordes em honra do Senhor Jesus cuja Cruz não é coisa de somenos. E, santo Deus, há tantos belíssimos textos musicais a propósito, sei lá, de Bach, Haydn, Liszt…

Era coisa para convidar os artistas da ordem – ao todo, dois três – e, por ali, ter montado rudimentar palanque, disponibilizando uns bancos corridos ou simples cadeiras. Não poderão replicar que seria investimento incomportável. Ao prazer da queijadinha e dos frescos sumo ou branco seco, da tenda do sempre atento Dr. Silva Carvalho, acrescentaríamos outro alimento, de não menor importância que, pelos vistos, continua muito esquecido…

sexta-feira, 25 de julho de 2008

À Cruz Alta, a pé…


No primeiro quartel do século dezasseis, cerca de 1522, o Senhor D. João III a mandou edificar e colocar no cume da serra de Sintra. Quatrocentos e muitos anos depois, coube ao Senhor D. Fernando II a iniciativa de lá erguer uma outra, em substituição da original que fora danificada por sério temporal. E agora, depois de ter sido atingida por um raio que a destruiu em 1997, eis nova réplica, solenemente inaugurada no passado sábado.

A simbologia que encerra, enquanto sagrado objecto e ícone máximo da cristandade, a presença naquele mítico lugar, ao longo de quase cinco séculos, depois da breve ausência de onze anos, constituíam motivos para a grande expectativa que precedeu a sua reposição. Da incumbência se encarregou a empresa de capitais públicos Parques de Sintra Monte da Lua (PSML), nestes nossos dias em que o poder da res publica já não está confiado às monárquicas pessoas para se entregar a plebeias mas, por vezes, também nobres mãos.

Nobre – digo e escrevo bem – nobre gente é esta que, depois de outra, de desgraçada memória, nos está a devolver o direito ao usufruto dos privilégios da serra, nomeadamente de Monserrate, do Castelo dos Mouros e da Pena que nos foram subtraídos por décadas de escandaloso desleixo. Naturalmente, me refiro ao conselho de administração presidido pelo Prof. António Ressano Garcia Lamas que é merecedor dos maiores encómios. *

Elogio e invejas

Não tenho regateado elogios e espero poder continuar a fazê-lo, como soe dizer-se, por muitos anos e bons, a esta equipa que não deixa créditos por mãos alheias. Tudo quanto tem vindo a ser concretizado é sistemático, obedece a um plano que se inscreve numa perspectiva sistémica e integrada, num território de extrema fragilidade ecológica, dotado de notabilíssimo património edificado, um conjunto onde as intervenções se vão sucedendo com o cuidado das pinças dos gestores e dos técnicos.

Mas não nos desviemos e, tão somente, atentemos no caso da Cruz Alta. Desde já quero assinalar que muito se engana quem possa pensar que o trabalho da PSML se limitou a mandar replicar o monumento pétreo e a recolocá-lo. Isso que já seria muito e que, afinal, correspondia ao singelo desejo da maioria das pessoas, habituada a ter o mínimo dos mínimos, foi altamente ultrapassado pelas obras que a empresa desenvolveu.

A circunstância foi aproveitada para recuperar e totalmente beneficiar o acesso que, desde o Picadeiro, conduz o visitante até ao cume. É uma obra notável, em paralelepípedo de granito, dotado das respectivas valas laterais de escoamento, obra esta, aparentemente discreta mas essencial, que se processou à medida que também se procedeu à limpeza de vegetação e ao desbaste arbustivo nas imediações, num misto de preocupações de ordem estética, de higiene florestal e de respeito absoluto pelo património, mais um exemplo do dedicado empenho da equipa sob coordenação do Engº Jaime Ferreira.

Está, pois, de parabéns toda esta boa gente da PSML, que enfrenta tantas dificuldades como as demais entidades públicas e privadas que, apesar de todas as contrariedades, vão fazendo coisas em Sintra. Num país a atravessar tão grandes dificuldades, onde o mínimo sucesso é olhado com imoderada desconfiança, não admira que a PSML seja alvo do pior defeito dos portugueses, ou seja, a invejazinha torpe e ordinária.

Quanto mais pública e notória é a evidência do bom trabalho que nos chega daquelas bandas, mais vozes pretendem denegrir um trabalho cujos responsáveis têm o nome que, com tão grato prazer, lembro nestas linhas. Pudesse eu fazer o mesmo acerca de outras pessoas que, coitadas, inglória e quotidianamente, se limitam a arrastar a grande pedra de Sisifo, sem que jamais encontrem a sua centelha de Prometeu!…

A bela e o senão…

No entanto, não se deixem embalar por tão expressiva loa já que, mais especificamente, naquela manhã do passado sábado nem tudo correu como deveria. E, de algum modo, apesar de toda a boa vontade, não é possível deixar de atribuir, também à PSML, alguma quota parte de responsabilidade pela desatenção que terá revelado, não cuidando de salvaguardar os aspectos que me permitirei destacar.

Primeiramente, não posso deixar de trazer o mais veemente protesto pelo facto de a esmagadora maioria dos participantes na cerimónia se ter deslocado até lá acima em viatura própria ou oficial. Não dei por que estivessem presentes velhinhos decrépitos, deficientes motores, grávidas, ou outras pessoas, cuja particular dificuldade de deslocação justificasse a utilização de veículo automóvel poluente, atravessando um verdadeiro santuário, onde só a mobilidade a pé ou a circulação em hipomóvel devia constituir regra inequívoca.

Assim se perdeu a soberana oportunidade de promover e fazer a pedagogia de uma atitude não só a privilegiar como, inclusive, a impor. Podia ter-se recorrido às digníssimas autoridades presentes na cerimónia, obrigando-as ao patrocínio público da prática da caminhada a pé no acesso a um local com tais características. Foi um imperdoável esquecimento.

Já tenho ouvido alguns responsáveis que, a torto e a direito, invocam o exemplo de Neuschwanstein, na Baviera, comparando-o com a Pena. Depois de os ver, chegando à Cruz Alta de BMW e Mercedes Benz, fico na dúvida. Terão mesmo lá estado nas germânicas paragens? É que, se fosse verdade, estou em crer que se envergonhariam por não terem sabido copiar e aplicar o modelo.

Quando, como já aconteceu em tempos idos (e muito bem!), há a intenção de fechar o trânsito a automóveis particulares na Rampa da Pena, entre outros objectivos, também como medida de preservação do ambiente, mal se entende como se proporciona um comportamento, tão a despropósito, no interior do próprio parque, coisa normal entre nós mas que urge alterar a todo o transe…

Como seria interessante ter visto o inefável Senhor Ministro do Ambiente – por sinal anafado e a precisar de exercício – bem como outros sintrenses típicos casos de defensores do património (?!), subindo pelo seu pé até à altura de merecerem os incontáveis benefícios de local tão especial… Pois não senhor. Todos de carrinho ou de carrinha, que derrapavam no areão recém aplicado, ainda solto sobre a granítica pedra, à entrada de rotunda no meio da qual está a Cruz, levantando a poeirada que imaginam. Cena muito edificante…

(continua)


*Atenção, caros leitores, muito naturalmente, na alusão à gente de desgraçada memória, não está incluído o Engº António Abreu, pessoa que, aliás, me merece a maior consideração.

Aproveito a oportunidade para reiterar admiração pela sua coragem, ao denunciar a cobertura que deram a actos controversos da gestão do biólogo Serra Lopes os então Ministro e Secretário de Estado do Ambiente, respectivamente, José Sócrates e Pedro Silva Pereira (texto de António Abreu publicado pelo Jornal de Sintra em 24.12.2004).

quarta-feira, 23 de julho de 2008

Sintomático...

Não tinha pensado publicar hoje qualquer texto. Entretanto, o meu amigo Dr. José João Arroz, um dos mais conhecidos melómanos de Lisboa, especialmente no domínio da ópera, veio a este blogue apresentar um comentário sobre o Festival de Sintra de 2008, cuja pertinência me parece inequívoca, razão pela qual o passo a transcrever sem mais comentários.

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Meu caro João,

Ainda estou sob a fortíssima impressão do concerto da passada segunda feira na igreja dos Salesianos que o festival do estoril proporcionou. Que coisa absolutamente espantosa! Aliás, não há margem para dúvida nem a mínima surpresa: o Carlos Mena é um contratenor da mais alta craveira, ao mesmo nível do Andreas Scholl e o Bach Consort Wien que me tinhas recomendado, em resultado das tuas idas a Salzburg donde os conheces, na verdade, é excepcional até porque se trata de um agrupamento de câmara, constituído por intérpretes relativamente jovens que dominam à perfeição a estética barroca em todas as suas especificidades.

Na sequência da conversa que mantivemos com aqueles nossos amigos da faculdade, venho ao teu blogue para intervir a favor do Dr. Pereira Leal, pessoa por quem nutro a admiração mais justa.Como sabes sou um frequentador esporádico do festival de Sintra. Este ano só fui ao concerto do Sokolov, única coisa que verdadeiramente me interessava embora toda a oferta musical fosse de qualidade. Mas, com a nossa idade, já vi e ouvi em todo o lado sempre os melhores do mundo e, por isso, só me desloco quando sei que lá está um dos que me fazem sair de casa tanto em Portugal como no estrangeiro. Fui a Sintra, encontrámo-nos, adorei o recital, saí regalado.

Já to tinha dito no ano passado e agora confirmei que o festival de Sintra se transformou numa coisa sem pés nem cabeça. Aquela coisa dos contrapontos é uma graça. Passou a ser um caldeirão onde cabe tudo. Nem é preciso qualquer habilidade, desde a Traviata ao Requiem de Mozart, à Literaturinha e a não sei que mais, tudo é possível meter para encher a programação.

Eu gostava muito das noites de bailado em Seteais mas, para dizer a verdade, nunca concordei que o festival de Sintra também tivesse dança. Já os nossos pais, deves lembrar-te, eram de opinião que Sintra devia ter apenas um festival de música. Mas, enfim, ainda se admitia a música e a dança. Bem sei que a ideia dos contrapontos é muito interessante mas só se for como tu tens lembrado, portanto, seguindo a concepção do nosso velho Claudio Abbado que conseguiu impor o figurino em Salzburg no festival da Páscoa que, concordo totalmente contigo, talvez seja o mais sofisticado do mundo.

Tenho muita pena de o dizer mas em Sintra não sabem o que estão a fazer. Se calhar estão a matar o festival porque a imagem actual é de uma coisa sem lógica nem coerência. E é preciso ter muita atenção porque o público é escasso na música erudita. É capaz de ir à Póvoa do Varzim onde o Rui Vieira Nery está a fazer um trabalho incrível, é capaz de ir ao Estoril onde o programa é estupendo mas começa a rir-se de Sintra.

Eu tenho ouvido comentários muito desabonatórios de Sintra. Aqui entra a alusão que fiz ao Pereira Leal porque sei de boa fonte que ele não tem nada que o relacione com isso dos contrapontos que Sintra não soube adaptar. Não sou advogado do Pereira Leal nem ele precisa que o defenda. Mas que queres tu, não consigo ficar calado ao ver alguém ser injustamente atacado. Enquanto que Sintra perdeu público, a Póvoa e o Estoril recomendam-se e crescem a olhos vistos.

Ainda tu escrevias noutro dia que Sintra tem o melhor director musical que é possível. Concordo em absoluto. Mas ele é que sofre as consequências das asneiras de outros que se permitem misturar o que não é admissível. Portanto, aqui me tens a defender a sua causa sem que, vê bem, alguém me tenha pedido. Acompanho os teus textos no blogue, sei como gostas do festival de Sintra e por isso mesmo te escrevo estas palavras esperando que faças delas o melhor uso. Tenho pena que o festival de Sintra esteja a atravessar este período de menor aceitação. Com a nossa idade, já vivi o suficiente para lembrar os tempos da Marquesa de Cadaval em que nada disto podia acontecer.

Um grande abraço do

José João Arroz

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Não interessa que saibam até que ponto concordo ou discordo do texto supra. O que interessa é que tenham em consideração tratar-se de uma opinião que se vai ouvindo nos meios frequentados por certos melómanos. E, na realidade, uma coisa é certa: estive já na Póvoa de Varzim e no Estoril este ano, onde tudo está a decorrer com enorme qualidade e de acordo com uma programação irrepreensível. Já há estrangeiros que se deslocam de propósito. E são locais com excelente oferta de alojamento. Será preciso alertar mais?

segunda-feira, 21 de julho de 2008

Cosmética

A propósito da destruição do tanque de Seteais, não vos dava eu a entender, há umas semanas, como seria previsível que alguma atitude de cosmética fosse concretizada, no sentido de atenuar o impacte causado pela ofensa perpetrada naquele lugar, contra o ingénuo e discreto bem patrimonial, sacrificado à prosaica necessidade de construir um reservatório de água?

Pois, para quem alguma dúvida tivesse quanto à minha sugestão, aqui vos venho confirmar quão pertinente ela era. Não que tivesse sequer confirmado a notícia que passarei a partilhar convosco já que, por mais diligências empreendidas, nada transpirou. Na realidade, apenas os operários que ali continuam a trabalhar me anunciaram qual o destino da placa-tecto de betão que cobre o depósito edificado a partir dos muros da primitiva construção.

Um espelho de água é o que nos espera. Nem mais nem menos, espelho de água, cenário construído sobre o betão puro e duro de uma realidade patrimonial descaradamente desrespeitada, cuja legitimidade certamente haverá quem reclame, afirmando como até se relaciona com o espírito do lugar... Pois não era um espelho de água o que via o observador quando havia água no tanque?...

Olhem, sabem que mais? O que eu e vós somos, com estas nossas exigências pelo repeito e defesa do património, é uma cambada de fundamentalistas, avessos a qualquer tipo de intervenção que, a exemplo desta, lá por aplicar umas toneladas de betão em cima do que havia, até acaba por alindar o recanto...

Aliás, se ainda não tinham assumido, preparem-se para serem confrontados com a acusação de que somos tão retrógrados, tão trogloditas, que nem percebemos como aquela intervenção betonal - valha-nos Deus, ainda por cima num tanque insignificante - se inscreve na atitude de compaginar os antigos testemunhos patrimoniais, por maior que seja a sua respeitabilidade, com a intimidade de novos materiais. Isto mesmo nos dirão, reparem, invocando o caso do Louvre, por exemplo, com as suas recentes pirâmides de vidro que, depois de tanta controvérsia, hoje são universalmente aceites...

Eu e vós, que já tudo ouvimos, estamos preparados. À descarada ignorância de um grupo de provincianos papalvos, que destroi e julga saber justificar toda e qualquer destruição, atirando a areia que sobra para os olhos de quem ousa enfrentá-los, contrapunhamos a couraça da lucidez. Apenas isto nos resta.

quinta-feira, 17 de julho de 2008

Sokolov em Sintra

(conclusão)

Esta é uma obra cuja estrutura organizativa poderá remeter para o Cravo Bem Temperado de J. S. Bach ou também para os Vorspiele op. 67 de Hummel (c.1814). Seja como for, aquilo que constitui os Prelúdios em ciclo é a sistemática e permanente presença de uma célula geradora e unificadora, situada em locais estratégicos de cada uma das vinte e quatro peças. E, de algum modo, esta obra de Chopin constitui um ponto de ruptura a partir do qual são possíveis homónimas, compostas por Debussy, Fauré, Heller, Alkan, Scriabine, Rachmaninov, Szymanowski, Chostakovitch ou mesmo Maurice Ohana.

É surpreendente como Sokolov se adequa à lógica específica, sólida, inabalável de cada compositor, aos fraseados de Mozart e de Chopin, através de uma técnica assombrosa e de uma contida sensibilidade que faz de cada compasso interpretado uma revelação de expressividade à descoberta de um novo mundo de conotações.

Nesta obra de Chopin, a sábia noção do todo, a condução harmónica das peças, as gradações cromáticas, a exploração das mais remotas possibilidades do Steinway, tudo isto esteve presente nas mãos deste demiurgo que muitos críticos por esse mundo fora consideram o maior pianista vivo. Raramente, ao ouvir estes Prelúdios, terei sentido tão apropriadas as palavras de G. Sand que os considerava ideias terríveis ou dilacerantes as quais "(...) à medida que nos encantam o ouvido, nos partem o coração".

Eu tinha avisado. Este recital foi um acontecimento cultural excepcional, a tal excepção que confirmou a regra da mediana e boa qualidade geral. Ainda bem que, novamente, foi possível trazer Sokolov a Sintra. Aqui temos como se evidencia a sábia intervenção do Dr. luís Pereira Leal, Director Artístico da vertente musical do Festival. Não é só um grande senhor, é o melhor, um dos poucos insubstituíveis, em cuja mão está a chave do contacto com os maiores artistas em todo o mundo, fruto da sua excelente preparação pessoal e da cátedra que ocupou na direcção do Serviço de Música da Fundação Gulbenkian ao longo de dezenas de anos.

E terminou a edição quadragésima terceira, em momento de restrições orçamentais, infelizmente, sem o brilho de outros tempos. Desta vez, nem sequer um evento tivemos no Palácio da Pena. Que pena!, exclamamos todos os amantes da boa música naquele lugar de excepção. Bem, se nisso ainda acharem conveniência, poderão reler Quarenta e três, que o Jornal de Sintra publicou no passado dia 6 de Junho.

Avisos e recomendações

Finalmente, chamar-vos-ia a atenção para dois festivais do mais alto gabarito, Póvoa do Varzim e Estoril, já a decorrer. Trata-se de casos condenados ao sucesso porque, entre outros factores também acontecem em lugares com muito boa oferta hoteleira, permitindo a permanência durante alguns dias, não só para o gozo da grande Música mas também de outros factores culturais de primeiríssima ordem.

Cumpre assinalar que, em ambos os casos, as programações são extremamente equilibradas, não fazendo qualquer concessão à inclusão de propostas à trouxe-mouxe e, ao contrário do que é fácil acontecer, também evitam ceder à tentação de certas misturas de alhos com bugalhos, independentemente da qualidade de uns e outros, colocando em risco a coerência geral da proposta, embora aumentando significativamente o número de espectáculos.

Para aqueles que não puderem prolongar a sua estada, aí vão alguns conselhos acerca dos eventos absolutamente imperdíveis. Em relação ao do Norte, tenham em consideração, por exemplo o contralto Sara Mingardo com Concerto Italiano dirigido por R. Alessandrini, ou a vinda do grande cravista e organista Gustav Leonhardt que toca na igreja românica de São Pedro de Rates em 27 de Julho. Aqui mais perto, não percam o contratenor Carlos Mena com o Bach Consort Wien, no dia 21, e a Camerata Lisy a 23 e 25 de Julho na igreja dos Salesianos do Estoril. Quem vos avisa...


[SAND, G., Histoire de ma vie; SCHUMANN, R., Gesammelte Schriften; LISZT, F., F. Chopin]

quarta-feira, 16 de julho de 2008

Sokolov em Sintra

(continuação)


Primeira parte

Vai sendo tempo de atacar o recital. Duas partes bem marcadas e distintas, eminentemente clássica a primeira, com duas sonatas de Mozart, de profundo romantismo a segunda, com uma emblemática peça de Chopin. São dois mundos distintos, dois expoentes máximos da grande Música, separados por meio século de acontecimentos da maior importância que a Arte filtrou em artefactos paradigmáticos, a exemplo das obras cuja interpretação tivemos oportunidade de assistir. Mínimo é o detalhe que se segue, apenas o indispensável para dar conta do desafio que se colocava e como Sokolov o resolveu.

Momento 1. A abrir, datada de Munique, princípios de 1775, a Sonata em Fa Maior, KV. 280, tem uma interessante particularidade, bem reveladora, aos dezanove anos de idade, da imaginação criadora e genial maturidade do jovem compositor. Na exposição de abertura, Mozart evita ao máximo decidir-se pela dominante, com um primeiro tema ao longo de treze compassos e nada menos que trinta e um na transição...

O primeiro andamento, Allegro assai, muito brilhante, não deixa de dar sinais de que seguirá um Adagio, repassado de exacerbada nostalgia que os observadores muito apressados não conseguem distinguir, presos que estão à estafada e desconchavada ideia de que este é um compositor bon vivant, avesso aos mais escuros ou mesmo depressivos estados de alma. Finalmente, o ritmo rápido, um Presto cuja interpretação, em minha opinião, terá constituído o momento menos conseguido do recital por não ter evidenciado, tanto como era suposto, a inequívoca dialética dos dois temas em presença. O que tivemos, naqueles pouco mais de dois minutos, foi uma certa irresolução da tensão presente no lento andamento anterior. Só episodicamente terá aflorado a graça que se espera, a Spielfreude.

Agora, um parêntesis. O facto de o artista ter chegado ao fim da execução de uma peça não significa que logo deva aplaudir-se. Quando, como era o caso, o programa continuava com uma outra obra, do mesmo género e do mesmo compositor, suposto era que o público se reservasse. Em Sintra, uma boa parte do público, pouco habituada a estas particularidades, só terá compreendido qual seria a correcta atitude, ao perceber que o pianista continuava sentado, apenas se tendo erguido por deferência. Fecho o parêntesis, deixando para próxima oportunidade aquilo que considero serem interessantes observações sobre o comportamento do público nos auditórios.

Momento 2. Continuando. Em 1781, aos vinte e cinco anos de idade, Mozart abandona Salzburg estabelecendo-se em Viena, para viver o período de grande maturidade que, precisamente, coincide com a última década da sua vida tão breve. Ora bem, a segunda peça do programa da noite, Sonata em Fa Maior KV. 332, que terá sido composta nos primeiros anos na capital do Império, entre 1781 e 1783, apresenta um movimento inicial, Allegro, inequivocamente lírico, servido por melodia cheia de graça, num ritmo de 3/4, seguido de um segundo tema em Do Maior, ingénuo, apaziguando o ambiente precedente. O desenvolvimento acontece, com imensa doçura, reintroduzindo o mesmo segundo tema e, depois de construir a inevitável tensão, logo nos chega a melodia inicial para restabelecer a calma e quietude.

O Adagio é pacífico, mesmo terno, definindo um ambiente desanuviado, que acaba por desaguar no estuário final de um Allegro assai, solicitando ao pianista toda a capacidade virtuosística, tanto ao nível técnico como de subtileza e sofisticação. E assim terminava a componente clássica do recital. De toda esta muito sucinta descrição, e exceptuando aquela impressão sobre o tal pequeno episódio no último andamento da primeira peça, não houve qualquer nuance que Sokolov tivesse falhado. Pelo contrário, a interpretação revelou-se um perfeito paradigma.
Segunda parte.

Na obra de Chopin, os 24 Prelúdios, op. 28 revelam-se como um microcosmo da sua produção passada e futura. Camille Pleyel talvez tenha sido o mecenas que patrocinou a edição da obra em 1839, ele que é o seu dedicatário. Atentemos na opinião de dois compositores contemporâneos. R. Schumann afirma que "(...) são esboços, começos de estudos ou, se se quiser, ruínas, asas de águia soltas, de todas as cores, selvaticamente dispostas (...) e neles reconhecemos Chopin, até nos silêncios, pela sua respiração ofegante " enquanto que F. Liszt os considera "(...) composições duma natureza absolutamente à parte. Não são apenas, como o título poderia fazer pensar, trechos destinados a serem tocados à laia de introdução de outros trechos, análogos aos de um grande poeta contemporâneo [Lamartine], que embalam a alma em sonhos dourados e a elevam até às regiões ideais. Amiráveis pela sua diversidade, pelo trabalho e pelo saber que revelam, só podem ser apreciados após uma análise escrupulosa. Tudo neles parece ter sido feito à primeira, num arrebatamento, num impulso. Têm o estilo livre e grande que caracteriza as obras de génio."


(continua)

segunda-feira, 14 de julho de 2008

Sokolov em Sintra

Espero bem que muitos de vós tenham presenciado o recital do fabuloso pianista russo Grigory Sokolov, na passada sexta-feira no Centro Cultural Olga Cadaval. No meu caso pessoal, contava há meses com uma noite que se adivinhava excepcional, aliás como sempre acontece com este homem que, com grande antecedência, esgota a lotação dos maiores auditórios em todo o mundo. No Festival de Sintra, enfim, também como seria de esperar, não foi o caso. Melhor que há alguns anos - por exemplo, em 2004, quando Sokolov tocou para menos de meia casa!... - desta vez, só havia algumas clareiras na sala.

Em relação a artistas como Sokolov, não podemos esquecer que os adjectivos já soam gastos e redundantes. Inegável que ele é grande, extraordinário, portentoso, fabuloso. No entanto, dizê-los e escrevê-los sem a preocupação de os justificar, apenas poderá surtir efeito seguro, junto de um público que, sem preparação musical, desconhecendo a arte do visado, conjuga aqueles termos com a expectativa de uma prestação superlativa, ainda que, por vezes, as contas saiam trocadas sem que disso se aperceba porque não sabe como distinguir o que correu bem, do que foi menos bem ou daquilo que terá sido excepcional.

No caso em apreço, depois de assistir a tão especial manifesto de Arte, provavelmente ainda sob o efeito da publicidade prévia, sensibilizado pelos ecos de determinada crítica musical, mesmo que não percebesse nada de piano, ignorando inclusive como distinguir a interpretação da mesma obra musical por dois diferentes pianistas, o vulgar espectador daquele recital - no CCOC, que também não é um auditório especializado em música erudita - rendeu-se ao produto que lhe chegou pelas mãos de tal intermediário, nem calculando como se adequam os adjectivos...

Há cerca de quarenta anos, mais precisamente desde 1966, que Sokolov tem deslumbrado quem o ouve e vê. Tenho tido o enorme privilégio de acompanhar a sua carreira, os recitais e concertos, não só em Portugal, com frequência praticamente anual na Fundação Gulbenkian, em Mafra, na Casa da Música, mas também no estrangeiro, em especial na Alemanha e nos festivais austríacos. Julgo conhecê-lo relativamente bem.

É um artista de uma generosidade inesgotável, que igualmente se revela na quantidade de extras que concede. Todavia, no âmbito da Mozartwoche de 2005 em Salzburg, assisti a um episódio de desentendimento entre Sokolov e o Maestro Trevor Pinock que dirigia a Mahler Chamber Orchestra, durante a interpretação do Concerto para Piano Kv. 488 de Mozart, cujo resultado se reflectiu precisamente na ausência de concessão de qualquer extra, apesar da comovente insistência do público.


(continua)

sexta-feira, 4 de julho de 2008

AVISO:

Lamento informar que, devido a avaria, ainda não sei quando poderei retomar a publicação dos textos.

quinta-feira, 3 de julho de 2008

Uma questão de homenagem



Fui ontem à Assembleia Municipal de Sintra, fundamentalmente, lembrando como não deve tardar a homenagem pública que é devida a Gabriela Llansol e Bartolomeu Cid dos Santos. Homenagem pública é aquilo que toda a gente sabe. Pode revestir diferentes figurinos mas sempre perspectivará a apropriação comum da memória de alguém que, não fora essa atitude cívica e pública, permaneceria na penumbra de gabinetes, estudado por iniciados, pois muito dedicados à causa da divulgação da obra do homenageado, mas algo distantes da realidade quotidiana do vulgar cidadão.



Oxalá me engane mas parece-me que, no caso de Gabriela Llansol, escritora absolutamente excepcional, em toda a acepção do termo, mas algo difícil de acesso para o leitor comum, o que está a acontecer em Sintra coincide com o que venho de escrever na parte final do parágrafo precedente. Com a melhor das intenções - não o nego e até sublinho com o maior apreço - a Câmara Municipal e um grupo de estudiosos do mais alto gabarito para o trabalho que se propõe sobre o espólio de Llansol, arriscam-se a concretizar uma tarefa altamente meritória, cujo fim essencial é a divulgação da obra da escritora mas, receio, durante demasiado tempo, afastados do público. Enfim, veremos.



Quanto a Bartolomeu, lembrei aquilo que ele próprio, várias vezes, me disse constituir um desgosto que gostaria pudesse ser remediado. Já o assinalei na evocação que sobre o meu amigo escrevi neste blogue em 26 de Maio, também publicado pelo Jornal de Sintra quatro dias mais tarde. Refiro-me ao lamentável estado de degradação da casa de Mily Possoz (1889-1967), que morreu em Sintra, hoje esquecida artista com um lugar tão interessante e original na história do movimento modernista português.



Não sei até que ponto a Câmara Municipal de Sintra poderá intervir no sentido de ir ao encontro da vontade de Bartolomeu. Mas, facto curioso porque constituiu coincidência de propósito, ontem, na mesma sessão da Assembleia Municipal, a CDU aporesentou um projecto de homenagem que me parece preencher todos os requesitos, ou seja, da possibilidade de atribuir o seu nome ao recém inaugurado Centro Cultural de Mira Sintra.



Muito naturalmente, o Presidente da Junta de Freguesia de Mira Sintra, solicitou que a proposta fosse presente ao colectivo da autarquia a que preside no sentido de colher o seu parecer. Trata-se, naturalmente, de uma formalidade que, de qualquer modo deve ser enaltecida como louvável prática democrática. Não tenho a menor dúvida de que os fregueses de Mira Sintra vão sentir-se altamente honrados com a homenagem que, por essa via, Sintra presta a um dos mais prestigiados artistas portugueses, pintor, gravador do mais alto nível, professor e director de uma das melhores escolas de artes plásticas em todo o mundo.



Artista eminente, grande senhor da cultura portuguesa, Bartolomeu Cid dos Santos vai permanecer entre nós, em Mira Sintra, num centro cultural que, acolhendo tal patrono, dá um inequívoco sinal de investimento nos valores da grande Arte e no respeito pela tríade matricial da cultura moderna, da Liberdade, Igualdade e Fraternidade que ele tanto prezava.

quarta-feira, 2 de julho de 2008

Tanque de Seteais:
boas notícias?

O que hoje tenho para partilhar convosco só parcialmente se relaciona com a questão da construção de um depósito de água que acabou por destruir um conhecido tanque em Seteais, objecto de notícia neste blogue que, igualmente, me levou à reunião pública do executivo municipal, no dia 25 do passado mês de Junho.

Sublinho aquele parcialmente porquanto, acerca da evolução do assunto, para já, não tenho muito mais a comunicar. No entanto, já de seguida, quando vos explicar o motivo da publicação deste texto, estou em crer que hão-de compreender a minha satisfação.

A verdade é que acabo de saber, através de fonte absolutamente fidedigna, que o Senhor Presidente da Câmara Municipal de Sintra interveio, pessoal e imediatamente, junto do IGESPAR no sentido de transmitir a preocupação de tantos sintrenses em relação a uma obra que, não só descaracterizou todo o enquadramento local, mas também acabou por anular o tanque inicial para o substituir por um qualquer depósito de água.

Ainda não sei qual será o resultado da intervenção do Presidente Fernando Seara. Confio, no entanto, que na sequência da bonita posição que tomou, algo será feito e rapidamente no sentido de reparar o mal produzido num bem patrimonial que nos é tão caro. O que já sei é que o nosso direito à indignação teve o imediato efeito de sentirmos ao nosso lado quem, até agora, não estava dando público manifesto de um incómodo que só parecia afectar um grupo de fundamentalistas, infeliz advérbio com que o Senhor Vereador da Cultura pretendeu mimosear quem não se mostrou conformado com o que está a suceder em Seteais.

O Senhor Presidente da Câmara, tenho-o dito e, não raro, também o tenho feito por escrito, é alguém que me merece o maior respeito e consideração. Por vezes, uns apressados escribas com antolhos, conseguem ler nas palavras de apreço que lhe dirijo, uma afinidade política e partidária que, é público e manifesto, não existe nem preciso era que existisse para dizer, escrever e subscrever o que me apraz. Infelizmente, nem todos podem afirmar este desassombro que, a todos garanto, não tem preço...

Sou um cidadão de esquerda, sem filiação partidária. Estou totalmente liberto da disciplina de qualquer grupo que me obrigue a subscrever expectáveis públicas posições. Assim sendo, não calculam o meu privilégio, ao expressar apreço por quem, independentemente da filiação partidária, acaba por actuar a favor das causas em que milito.

Agora deu-nos este sinal. Anteriormente, por exemplo, prestou um serviço incrível a todos os sintrenses opondo-se, contra tudo e contra todos, à concretização da Sintralândia. O mesmo tem acontecido com o Vale da Raposa. Não me digam que já se tinham esquecido. Se há coisa que eu não tenho é memória curta, razão pela qual aqui poderia estender um bom rol de medidas que só honram o Prof. Fernando Seara.

Quanto aos detractores, senhores de cabecinhas muito pequeninas que por aí pululam, venham dizer-me que estou a fazer o seu jogo que isso me dá uns abalos que nem queiram saber...

terça-feira, 1 de julho de 2008

Antena dois,
sinais dos tempos

(conclusão)

Gostar de música não é suficiente para fazer um programa de rádio em que, supostamente, a música ocupe lugar de destaque. Para falar acerca de música, de qualquer espécie de boa música, de música erudita em especial, não basta adjectivar. Então, quando o apresentador se limita a utilizar superlativos, estéril e inadequadamente, não há paciência que aguente. É uma pena que, também nesta rádio, certas colaborações sejam de tão baixa qualidade.

Se quiserem, sigam o meu conselho. Como conheço perfeitamente o horário em que os senhores Guerra, Malaquias e Almeida costumam aparecer nas ondas da Antena Dois, não lhes dou licença para entrarem na minha casa. Em alternativa, se estou mesmo numa de rádio, então sintonizo uma rádio estrangeira. A minha preferida é a Bayerischen Rundfunk. De extrema economia de discurso, a música tem a palavra. Dominando o alemão, acede-se a uma informação musical verdadeiramente excepcional.

Era o que faltava, ter de aturar medíocres e ignorantes, quando é possível não perder tempo e ganhar muito mais. Mas, muita atenção, vamos lá ver se entenderam bem. Não leiam nas minhas palavras a generalização à Antena Dois de um estado de coisas que, na minha modesta opinião, ao fim e ao cabo, é restrito. Afecta, todos os dias, um oitavo da programação, isto é, três em vinte e quatro horas, para além de todos os outros programas em que tiverem a desdita de topar com o senhor Almeida. De resto, a Antena Dois continua a contar com belíssimos colaboradores.

Pois é, sinais dos tempos. Trata-se de um mal nacional e geral. No mundo da cultura, entendida esta no sentido mais restrito do termo, não faltam exemplos de directores disto e daquilo que, tal como os aludidos senhores, estão convencidos de que são informados e cultos, como aqueles que, sendo-o de verdade, se remeteram ou foram compelidos a remeterem-se para discretos lugares onde não tenham que lhes aturar o arrivismo, a ignorância e o atrevimento…